quarta-feira, 16 de outubro de 2013

MORTE, ORIXÁ IKU

Por Marco Aurélio Luz
Elebogi ati Oju Oba




Cortejo Funerário ao Mestre Didi
                                           
O que eu aprendi sobre Morte, orixá Iku foi na ambiência do culto aos Eungun, ancestres e ancestrais masculinos , e do culto aos orixá, princípios e forças cósmicas que regem o universo de acordo com nossa tradição religiosa nagô, principalmente através da convivência com meu pai , o Alapini, sacerdote supremo, Mestre Didi.
Foi assim que aprendi que ye ati iku okan naa ni vida e morte são uma coisa só. Quando viemos a esse mundo o aiye, já sabemos que um dia retornaremos ao orun, o além.
Nós só temos essa vida e temos que aproveitá-la da melhor maneira possível aproveitando do destino que constitui nossa passagem, nossa viagem procurando o nosso bem de estar nesse mundo.
 De acordo com os itans os contos da cosmogonia, escolhemos nosso destino antes de chegar nesse mundo. Pode-se escolher bons ou maus destinos que regem Ori, a Cabeça e o Orí Inu o interior da Cabeça, nossa parte interligada ao orun. A escolha depende da interação com Ajala, orixá antigo que faz boas e más cabeças e pode ajudar em se optar por uma com um bom destino que permita realizar a viagem sem muitas atribulações.
A energia sagrada que dá dinamismo e impulsiona os destinos chamamos axé. O conhecimento e o modo como se promove e se fortalece o axé é atribuição dos ilê axé, as casas de axé onde se constitui a religião e se celebram os rituais necessários e as iniciações sacerdotais.
O axé é força vital circulante que pode aumentar ou diminuir conforme a realização dos rituais que constituem a tradição religiosa.
Nessa tradição quanto mais se cuida e se mantém os rituais necessários melhor será o fluxo dos destinos. Manter a tradição é a forma de ter o axé dos destinos individuais e comunitários fortalecidos.
Daí que a participação comunitária é essencial na manutenção do ilê axé que garante a dinâmica do ciclo vital.
A comunidade é hierarquicamente organizada de acordo aos valores que visam a proteger e expandir a tradição.
Iku, Morte, orixá masculino não possui assentamento, está sempre em volta do mundo realizando sua missão que é de promover as restituições. Vai-se para dar vez a outros é como aprendemos.
As restituições são das matérias que constituem nossos corpos de volta a terra, ilé.
Um itan, uma história conta que no inicio da criação, Oxalá pediu a colaboração dos demais orixá para encontrarem a matéria capaz dele poder fazer os seres que iriam habitar no aiye.

Oxalá suporta o mundo
Escultura de Mestre Didi

Depois de muito procurarem e selecionarem encontraram o barro umedecido ou lama, enfim água e terra. Após retirarem um pedaço que acharam ser a melhor matéria primordial perceberam que a lama ficou vertendo água, ficou chorando. Então resolveram devolver. Contudo um orixá, Iku resolveu levar um pedaço mesmo assim. Oxalá ficou bastante satisfeito com a matéria, com a lama que iria moldar a individuação dos seres, inclusive os seres humanos.
Todavia quando contaram o que se passara ele então delegou a Iku a obrigação de restituir a matéria para que sempre se tenha o necessário para garantir a Existência.
Então uma noção de justiça é de promover essa restituição. O orixá princípio dessa matéria primordial, agua e terra é Nanan. Uma cantiga diz “ Salare Nanan olu odo” orixá da justiça que promove as restituições. E ainda “Nanan iku re” Nanan é morte.
Fun fun , a cor branca que representa a existência abstrata não concreta, não individualizada, e azul escuro, equivalente a dudu a cor preta representa o interior da terra onde se processa o mistério dos contínuos renascimentos.

Ibiri ati ejo Oxumaré
Escultura de Mestre Didi

Oxumare, filho de Nanan rege o princípio dos renascimentos caracterizado pelo arco íris, multiplicidade de cores diversidade da existência multiplicidade dos destinos em contínuo ciclo vital, emerge da terra e a ela retorna.
Aqueles sacerdotes que se dedicaram de “corpo e alma” através de sucessivas gerações na manutenção e preservação da tradição fortalecendo o axé que permita o fluxo tranquilo dos destinos serão cultuados como ancestrais e assim continuarão colaborando com os rituais que constituem a religião. Nenhum ritual, mobilizador de axé, se realiza sem a invocação dos ancestrais ilustres que integram a constelação das entidades da comunidade. Nesse sentido os ancestrais nunca morrem eles estarão sempre presentes na vida da comunidade religiosa.
No culto aos Egungun a cada ciclo ritual do calendário litúrgico eles virão para proteger e se divertir compartilhando a alegria da comunidade religiosa guardiã das tradições em seu ritmo de existência para que esse mundo não se acabe.
Ao encerrar convém ressaltar que por mais que se procure saber o que é Morte nós não saberemos. Conviver com esse mistério do existir, esse não saber, é a verdadeira sabedoria.


* Imagens da Internet



Um comentário: