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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


domingo, 28 de setembro de 2025

AGADÁ: A CIVILIZAÇÃO AFRICANA E SEU LEGADO TRANSATLÂNTICO

 



Escultura em Bronze de Benim Reino do Benin  hoje Nigéria,entre os séculos XV e XIX.

Imagem disponível em https://ensinarhistoria.com.br/bronzes-de-benin-arte-africana- tecnologia/#:~:text=Assim%2C%20as%20cabe%C3%A7as%20de%20bronze,de%20alimentos%2C%20bebidas%20e%20sacrif%C3%ADcios.



Por Ricardo Freitas

Boa tarde,

Inicio agradecendo o convite para participar desse evento, falando da minha alegria em dividir essa live com o professor Muniz Sodré, que foi meu orientador durante o mestrado,  lá no início da década de 1990, e com o professor Félix Omidire, outra referência das muitas leituras, há muitas décadas. Aproveito para agradecer ao professor Gildeci Leite, companheiro de trabalho, à professora Narcimária Luz, pela gestão desse encontro, e à EDUFA pela bela homenagem acerca desses 30 anos da publicação da primeira edição de Agadá: a civilização africana e seu legado transatlântico. Por fim, agradeço ao autor, professor arco Aurélio Luz, pela existência da obra. 



Cheguei à Escola de Comunicação, a ECO da UFRJ, em 1993; portanto, quatro anos após a conclusão do doutorado pelo professor Marco Aurélio. Quando Marco Aurélio lançou Agadá, no ano em que terminei o Mestrado, 1995, lembro que já tinha tido acesso ao texto, através da leitura da tese, disponível no repositório da Biblioteca da ECO. Também lembro que fiquei muito interessado pelo texto, considerando que poucos, naquele momento, eram os textos publicados que pensavam questões da cultura com base num discurso que privilegiava a centralidade do legado africano naquilo que reconhecemos como ancestralidade africana traduzida como base para a formação do patrimônio cultural brasileiro.  Nesse ponto, vale mesmo ressaltar as afirmativas que dão conta de que toda expressão cultural brasileira é negra e, por isso, africana no Brasil ou, como queiram, africano-brasileira ou ainda afro-brasielira. 



Originais da tese de Doutorado na Escola de Comunicação da UFRJ


Agadá, ao promover um estudo sobre o legado da civilização africana no Novo Mundo incitou um tipo de estudo pós-colonial ou decolonial, num tempo bastante anterior à emergência do debate no Brasil sobre colonialidade e subalternidade, centrados numa crítica ao eurocentrismo, que tem engrossado a produção das ciências sociais nos últimos anos; sobretudo, a partir do caso do Sul global, onde se inclui a diáspora negra no Novo Mundo. 


O pensamento de Marco Aurélio Luz e seu livro Agadá, influenciou sobremaneira iniciativas na área de Educação, a exemplo do Programa Descolonização e Educação-PRODESE no âmbito da Universidade do Estado da Bahia, envolvendo gerações em atividades de pesquisa e extensão com reconhecimento nacional e internacional.

O aspecto ativista do texto também merece ser ressaltado, no sentido de que Agadá promoveu um tipo de resgate da africanidade fundamental para pensarmos o processo civilizatório brasileiro, numa época em que bem poucos textos (publicados em português) tratavam o tema com base numa visão afrocentrada. Me lembro da coleção Sankofa, da professora Elisa Larkin Nascimento, viúva do ativista Abdias Nascimento, constituída com base num curso anualmente por ela ministrado na UERJ; da produção do SECNEB, com os trabalhos de Juana Elbein; e dos clássicos e imprescindíveis textos do professor Muniz Sodré, que já propunha um estudo da formação sociocultural brasileira com base nos nossos muitos modos afro-derivados de nos situarmos no mundo.

https://ipeafro.org.br/

A coleção Sankofa são publicações importantes organizadas pelo Ipeafro instituto criado por Abdias do Nascimento e Elisa Larkin do Nascimento

  O que quero dizer com isso é que debates sobre cosmogonia, cosmovisão, relações totêmicas, parentesco e família eram temas quase que exclusivos da Antropologia, que, quando pensava o caso das afro-brasilidades, o tratava de dentro daquilo que se convencionou chamar Antropologia das Religiões Afro-Brasileiras.  Filosofia Africana, por exemplo, era coisa quase que inexistente, ainda que já houvesse iniciativas importantes encabeçadas pelos movimentos negros e por intelectuais e ativistas negros.  É somente a partir da promulgação da Lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, que a filosofia africana, tanto como disciplina como curso de formação, vai se popularizar no Brasil. 



Awon igba kekere. Criação Narcimária Luz.

  

Agadá, nesse sentido, foi um texto de vanguarda e, num certo sentido, insurgente, ao se propor a pensar as experiências das muitas africanidades no Brasil ou, ainda, ao se propor analisar a base das múltiplas afro-brasilidades (o que as reunia e o que as afastava) com base na ideia do legado africano desde dentro da academia brasileira, historicamente europeizada e embranquecida. 

Também devo destacar a importância de Agadá para recompor histórias secularmente, e ainda hoje, subalternizadas, ao propor, como lembra Narcimária Luz, “pensar para além das obviedades das análises fixadas na História moderna, suas análises empíricas e racionalistas que geralmente não conseguem indicar novos horizontes para a compreensão mais ampla dos povos e suas civilizações”.  Nesse sentido, Agadá contribuiu e ainda contribui para reescrever histórias (no plural) e, por extensão, a própria história oficial brasileira.

Por fim, ressalto o fato de Marco Aurélio Luz ter pensando o tema não somente a partir da sua experiência científica e acadêmica, mas, também, a partir da experiência empírica adquirida, fruto da sua atuação junto à comunidade do ilê Asipá, terreiro de culto à ancestralidade (situado em Salvador, Bahia), terreiro em que tive a honra de conhecer o célebre Mestre Didi e onde tive a sorte de ter me tornado amigo de seu saudoso neto, José Félix, que muito me ajudou nas minhas caminhadas a fim de obter algum tipo de conexão junto à minha ancestralidade africana.

A propósito das comemorações dedicadas aos 100 anos do Mestre Didi, evento organizado pelo seu neto José Félix dos Santos.

Esse fato pode parecer pouco importante para quem está distanciado da realidade dos terreiros ou que desconhece os modos e formas com que africanos e descentes reorganizaram dinâmicas para existência em diáspora.

Aqui, chamo a atenção para o fato de que se deve considerar a complexidade das muitas possibilidades de encontro com formas de aproximação junto à ancestralidade africana, constituinte por excelência disso que Agadá trata, desde o seu título, como o “legado transatlântico da civilização africana”.

Por isso, se hoje, nessa live, se encontra alguém que desconhece essa complexidade, indico a leitura de Agadá como caminho, como guia, que, certamente, muito contribuirá para que o leitor leigo, após a leitura do livro, amplie seu entendimento sobre a importante contribuição da “alteridade civilizatória africana” para a organização social, cultural, econômica e política brasileira com base na “força civilizatória africana brasileira”, a fim de que possa, ele ou ela mesma, reencontrar a Mama África, mítica ou autêntica.


Lançamento do livro Agadá. Foto acervo M.A. Luz

Concluo com o lindo trecho da canção "Havemos de Voltar", composta por Augusto Moreira Daltro, Cuiuba e Edson de Carvalho (Xuxu) para o Ilê Aiyê.



Identidade visual do Ilê, criada pelo artista Jota Cunha

Imagem disponível em https://www.facebook.com/ileaiye/

 “A Angola sempre livre

Sempre foi seu pensamento

Sua vontade permanecerá

A bela Pátria Angola

Nossa terra, nossa mãe

Nós havemos de voltar”

 Agadá é isso: fala tanto do retorno como da permanência.  Mas, de uma permanência em que, mesmo em diáspora, permanecemos africanos. 

Axé!

Ricardo Freitas

Ogan Gilewá

 

 

 

 

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