Escultura
em Bronze de Benim Reino do Benin hoje Nigéria,entre
os séculos XV e XIX.
Imagem disponível em https://ensinarhistoria.com.br/bronzes-de-benin-arte-africana-
tecnologia/#:~:text=Assim%2C%20as%20cabe%C3%A7as%20de%20bronze,de%20alimentos%2C%20bebidas%20e%20sacrif%C3%ADcios.
Por Ricardo Freitas
Boa
tarde,
Inicio
agradecendo o convite para participar desse evento, falando da minha alegria em
dividir essa live com o professor Muniz Sodré, que foi meu orientador durante o
mestrado, lá no início da década de 1990,
e com o professor Félix Omidire, outra referência das muitas leituras, há
muitas décadas. Aproveito para agradecer ao professor Gildeci Leite,
companheiro de trabalho, à professora Narcimária Luz, pela gestão desse
encontro, e à EDUFA pela bela homenagem acerca desses 30 anos da publicação da primeira
edição de Agadá: a civilização africana e seu legado transatlântico.
Por fim, agradeço ao autor, professor arco Aurélio Luz, pela existência da
obra.
Cheguei
à Escola de Comunicação, a ECO da UFRJ, em 1993; portanto, quatro anos após a
conclusão do doutorado pelo professor Marco Aurélio. Quando Marco Aurélio
lançou Agadá, no ano em que terminei o Mestrado, 1995, lembro que já
tinha tido acesso ao texto, através da leitura da tese, disponível no
repositório da Biblioteca da ECO. Também lembro que fiquei muito interessado
pelo texto, considerando que poucos, naquele momento, eram os textos publicados
que pensavam questões da cultura com base num discurso que privilegiava a
centralidade do legado africano naquilo que reconhecemos como ancestralidade
africana traduzida como base para a formação do patrimônio cultural brasileiro.
Nesse ponto, vale mesmo ressaltar as
afirmativas que dão conta de que toda expressão cultural brasileira é negra e,
por isso, africana no Brasil ou, como queiram, africano-brasileira ou ainda
afro-brasielira.
Agadá, ao promover um estudo sobre o legado da civilização africana no Novo Mundo incitou um tipo de estudo pós-colonial ou decolonial, num tempo bastante anterior à emergência do debate no Brasil sobre colonialidade e subalternidade, centrados numa crítica ao eurocentrismo, que tem engrossado a produção das ciências sociais nos últimos anos; sobretudo, a partir do caso do Sul global, onde se inclui a diáspora negra no Novo Mundo.
O aspecto ativista do texto também merece ser ressaltado, no sentido de que Agadá promoveu um tipo de resgate da africanidade fundamental para pensarmos o processo civilizatório brasileiro, numa época em que bem poucos textos (publicados em português) tratavam o tema com base numa visão afrocentrada. Me lembro da coleção Sankofa, da professora Elisa Larkin Nascimento, viúva do ativista Abdias Nascimento, constituída com base num curso anualmente por ela ministrado na UERJ; da produção do SECNEB, com os trabalhos de Juana Elbein; e dos clássicos e imprescindíveis textos do professor Muniz Sodré, que já propunha um estudo da formação sociocultural brasileira com base nos nossos muitos modos afro-derivados de nos situarmos no mundo.
A coleção Sankofa são publicações importantes organizadas pelo Ipeafro instituto criado por Abdias do Nascimento e Elisa Larkin do Nascimento
O que quero dizer com isso é que debates sobre cosmogonia, cosmovisão, relações totêmicas, parentesco e família eram temas quase que exclusivos da Antropologia, que, quando pensava o caso das afro-brasilidades, o tratava de dentro daquilo que se convencionou chamar Antropologia das Religiões Afro-Brasileiras. Filosofia Africana, por exemplo, era coisa quase que inexistente, ainda que já houvesse iniciativas importantes encabeçadas pelos movimentos negros e por intelectuais e ativistas negros. É somente a partir da promulgação da Lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, que a filosofia africana, tanto como disciplina como curso de formação, vai se popularizar no Brasil.
Awon
igba kekere. Criação Narcimária Luz.
Agadá,
nesse sentido, foi um texto de vanguarda e, num certo sentido, insurgente, ao
se propor a pensar as experiências das muitas africanidades no Brasil ou,
ainda, ao se propor analisar a base das múltiplas afro-brasilidades (o que as
reunia e o que as afastava) com base na ideia do legado africano desde dentro
da academia brasileira, historicamente europeizada e embranquecida.
Também
devo destacar a importância de Agadá para recompor histórias
secularmente, e ainda hoje, subalternizadas, ao propor, como lembra Narcimária
Luz, “pensar para além das obviedades das análises fixadas na História moderna,
suas análises empíricas e racionalistas que geralmente não conseguem indicar
novos horizontes para a compreensão mais ampla dos povos e suas civilizações”. Nesse sentido, Agadá contribuiu e
ainda contribui para reescrever histórias (no plural) e, por extensão, a
própria história oficial brasileira.
Por
fim, ressalto o fato de Marco Aurélio Luz ter pensando o tema não somente a
partir da sua experiência científica e acadêmica, mas, também, a partir da
experiência empírica adquirida, fruto da sua atuação junto à comunidade do ilê
Asipá, terreiro de culto à ancestralidade (situado em Salvador, Bahia),
terreiro em que tive a honra de conhecer o célebre Mestre Didi e onde tive a
sorte de ter me tornado amigo de seu saudoso neto, José Félix, que muito me
ajudou nas minhas caminhadas a fim de obter algum tipo de conexão junto à minha
ancestralidade africana.
A propósito das comemorações dedicadas aos 100 anos do Mestre Didi, evento organizado pelo seu neto José Félix dos Santos.
Esse
fato pode parecer pouco importante para quem está distanciado da realidade dos
terreiros ou que desconhece os modos e formas com que africanos e descentes
reorganizaram dinâmicas para existência em diáspora.
Aqui,
chamo a atenção para o fato de que se deve considerar a complexidade das muitas
possibilidades de encontro com formas de aproximação junto à ancestralidade
africana, constituinte por excelência disso que Agadá trata, desde o seu
título, como o “legado transatlântico da civilização africana”.
Por isso, se
hoje, nessa live, se encontra alguém que desconhece essa complexidade,
indico a leitura de Agadá como caminho, como guia, que, certamente,
muito contribuirá para que o leitor leigo, após a leitura do livro, amplie seu
entendimento sobre a importante contribuição da “alteridade civilizatória
africana” para a organização social, cultural, econômica e política brasileira
com base na “força civilizatória africana brasileira”, a fim de que possa, ele
ou ela mesma, reencontrar a Mama África, mítica ou autêntica.
Lançamento
do livro Agadá. Foto acervo M.A. Luz
Concluo
com o lindo trecho da canção "Havemos de Voltar", composta por
Augusto Moreira Daltro, Cuiuba e Edson de Carvalho (Xuxu) para o Ilê Aiyê.
Imagem disponível
em https://www.facebook.com/ileaiye/
Sempre
foi seu pensamento
Sua
vontade permanecerá
A
bela Pátria Angola
Nossa
terra, nossa mãe
Nós
havemos de voltar”
Axé!
Ricardo
Freitas
Ogan
Gilewá
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