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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

O FUTEBOL LUTA PARA SER CRIATIVO OUTRA VEZ


A história de como a ciência atrapalhou o jogador brasileiro

Por Sandro Moreira 


Futebol Arte, lúdico e alegre


O treino de juvenis ia animado e um menino se destacando. No meio-campo, ele recebeu a bola, aplicou dois dribles seguidos no adversário que o marcava duro e, livre, avançou para o gol quando foi interrompido pelo apito do treinador, que aos berros o advertiu energeticamente:
-Que negócio é esse? Está pensando que isso aqui é um circo? Outra palhaçada dessas e sai do treino.
O garoto, que até então vinha mostrando talento e habilidade, encabulou e não jogou mais nada o resto do treino.
Essa cena, presenciada e a mim contada por Nílton Santos, é comum hoje em todos os campos onde jovens tentam iniciar sua vocação para o futebol. Ela faz parte de uma linha de ação assumida de uns anos para cá pela maioria de nossos treinadores que, em nome de um futebol dito científico e que , segundo eles, se inspira na escola europeia, proíbe que o jogador tenha iniciativa em campo.


                             
                                   
                                                                  Baba na Bahia                    

A difícil linguagem

Essa história de futebol científico ou de laboratório surgiu por aqui e ganhou adeptos em meados da década de 70 ou, mais precisamente, depois da copa de 74, na Alemanha. Chegou até nós trazida por um grupo de treinadores interessado em defender a tese de que o jogador brasileiro precisava mudar os seus velhos métodos de treinamento, porque no futebol moderno a velocidade era fundamental e ganhava quem estivesse mais condicionado para correr os 90 minutos.
Além dos cuidados físicos, condenava-se também o 4-3-3, usado pela seleção e pela maioria dos clubes, como tática obsoleta. Novos esquemas precisavam ser implantados, todos eles baseados numa movimentação constante dos jogadores. Para tanto, eles precisavam ter uma saúde de touro premiado:
Os novos métodos, que incluíam corridas nas praias e montanhas, testes de velocidade, intervaltraining e outros nomes importados, sem dúvida foram de grande utilidade, melhorando visivelmente as condições atléticas dos jogadores. E o prestigio dos treinadores.
Tornou-se comum ver na seleção ou nos clubes a figura do preparador, ou fisicultor como eles preferem ser chamados, cercado de sisudos assessores, todos de cronômetro em punho, a comandar piques de velocidade, corridas de longa distância e a tomar a pulsação e a batida cardíaca dos jogadores, com explicações feitas numa linguagem, digamos, aeróbica, de difícil compreensão para um leigo.
A preparação física passou a ser prioritária. Correr nas areias da praia ou nas subidas das montanhas era rotina diária de treinamento. Bons jogadores, prontos para ser escalados, eram aqueles capazes de fazer o cooper em torno dos 12 minutos. Foi assim que Dirceu chegou a titular a seleção brasileira. Ninguém era mais veloz do que ele.

Segredos do estilo

Nos intervalos dessa atividade chamada aeróbica--que, voltamos a dizer, utilíssima para a saúde dos jogadores e sempre obediente ao princípio do futebol-força—aplicavam-se novas concepções táticas, estas, porém não tão úteis aos jogadores. Eram métodos de jogo que violavam a índole do nosso jogador, de difícil assimilação por eles e que acabaram por confundir e alterar completamente a maneira brasileira de jogar futebol.



Neném Prancha, admirado treinador, sabedoria do futebol Arte

Aos poucos os jogadores foram conhecendo os segredos do novo estilo de jogo. Assim, tomou conhecimento do overlaping, do ponto futuro, e de outras novidades pomposamente apresentadas. Se dessem, porém, ao trabalho de observar com atenção, os jogadores veriam que o overlaping, era apenas o nome estrangeiro do antigo vai-que-eu-fico, usado por eles em campo, e que o ponto futuro não passava do popular dá no buraco, muito conhecido também.

                                                

Gentil Cardoso vitorioso técnico, pensador do futebol arte

Impressionado, o jogador se deixou levar pelo que julgava ser futebol moderno e que teve na Holanda da Copa de 74 sua imagem mais notável. De resto não tinha outra opção. Ou fazia aquilo que o técnico mandava ou perdia o lugar no time. As instruções eram radicais. Cada jogador tinha uma missão a cumprir dentro da equipe, baseada na permanente movimentação, jogando com a bola e sem ela. Reter a bola era crime grave. A demora num passe era falha e punida e o drible nem se fala. Jogava bem quem se deslocasse rápido ou soubesse tocar a bola de primeira. Como mostravam os filmes dos jogos europeus, exibidos como exemplo nas concentrações. Alguns jogadores como os do Vasco no ano passado e os do Corinthians, se rebelaram. Curiosamente o Corinthians foi campeão e o Vasco melhorou.
Na verdade nem todos os técnicos seguiam rigidamente essa escola, não se sabe por que batizada de europeia. Telê Santana foi exceção. Sempre tentou manter o jogador dentro de um esquema que não lhe tolhesse de todo a criatividade. Mas entre os técnicos, principalmente entre os que nunca tinham jogado bola, a ideia do futebol-força, da velocidade de jogo, estava ligada intimamente a um primoroso condicionamento físico. E dessa forma o futebol brasileiro foi se transfigurando. Para esses técnicos – muitos aprenderam futebol na escola- a mudança tinha de ser total para que se jogassem de uma vez no lixo esquemas como o 4-3-3 e, sobretudo, o individualismo dos jogadores, embora tanto o 4-3-3 como o talento criativo dos Pelés e Garrinchas tenham nos dado por três vezes a Copa do Mundo.
A campanha contra o individualismo podia ter seu lado vantajoso, já que o jogador brasileiro tem o velho hábito de enfeitar jogadas,  burilar demais a bola. Mas essa campanha contra o chamado salto alto não podia chegar a ponto de inibir o jogador dentro de campo, privando-o de toda a sua criatividade. E disto só escaparam aqueles que tinham prestígio bastante para saber que não seriam jamais afastados do time. Sócrates, Zico e companhia.

Ausência do craque

Menos de 10 anos depois nos parece que esse modismo, europeu ou não, fracassou entre nós. Os fatos falam melhor: de lá para cá não ganhamos mais nada no plano internacional. Três copas se foram, taças e torneios menores também passaram ao largo e, o que é pior, estamos assistindo a uma geração, não muito pródiga de craques, chegar aos perigosos 30 anos, e vendo surgir outra assustadoramente vazia de grandes talentos.
Faltam craques ao nosso futebol. Em anos passados, qualquer torcedor era capaz de declinar em um minuto o nome de 10,15 ou 20 craques de primeira linha. Hoje, para responder á mesma pergunta, o torcedor, com muita dose de boa vontade, não chega a enumerar cinco.

                                                   

Fabuloso jogador, técnico admirado de elaborações filosóficas do futebol arte

Compreende-se que o futebol está sendo também atingido pela grave crise que sufoca o país. A luta pela sobrevivência nas classes menos dotadas obriga hoje um pai, menino ainda, no mercado de trabalho, tirando-o das escolinhas ou dos terrenos baldios onde ele antes podia desenvolver o seu talento de futuro craque. Atualmente a maioria dos jogadores provém da classe média(Sócrates, Zico, Falcão, Júnior, Edinho, só para citar os mais famosos). Mas apesar dessa triste e dura realidade, a nova mentalidade do futebol de laboratório também é grande responsável pela má qualidade do futebol atual.
Essa mentalidade importada violou as tendências naturais do jogador brasileiro, sua liberdade, seu talento criativo, que lhe deu fama internacional.



Beleza e eficiência

Graças a essa criatividade foi que Leônidas inventou a bicicleta, Didi o chute de curva, Nílton Santos o overlaping particular e Pelé não sei quantas jogadas de gênio. Como se comportariam esses técnicos de hoje com Mané Garrincha, que tinha no drible irresistível a sua arma para desmoronar as defesas adversárias? Provavelmente, Mané seria afastado do time por excesso de individualismo.
O futebol é um jogo coletivo em que deve ser controlado o exibicionismo inconsequente, até porque a seleção não poucas vezes pagou por esse abuso. Mas em nome desse combate não se pode inibir o jogador, retirar dele o direito de ter sua iniciativa, de mostrar seu talento e sua arte.
Mandar um jogador a campo como se fosse um robô, programado para cumprir determinada tarefa, traçada nos quadros-negros dos treinadores, sob pena de ser barrado, acaba sempre por nivelar na mesma mediocridade os bons e os ruins, os finos e os grossos.




Desdobramento do mundo do futebol na pintura de Portinari

A reação de hoje

Muitas pessoas, inclusive autores famosos que pertencem, por seus feitos, à história do futebol brasileiro, como Zizinho, Nílton Santos, Ademir, Jair e tantos outros concordam que o grande mal do futebol atual é dar pouca bola aos jogadores, que são mais treinados tática e fisicamente, através de exaustivos exercícios e enfadonhas palestras.
-A física é indispensável- comentava um deles num recente programa de televisão- mas deviam dar mais treino com bola aos jogadores. Aperfeiçoar os chutes a gol, a cobrança de faltas, o posicionamento certo e, acima de tudo, não privar os jogadores da sua liberdade de criar. Essas coisas é que mereciam ter prioridade.
Hoje uma reação já se esboça e há treinadores –Edu é um deles- que acreditam mais no talento do jogador. Eles, os jogadores, são a força maior do futebol brasileiro. Devem receber um moderno preparo físico e precisam ter em campo o senso exato do jogo coletivo. Mas não é justo acusar os grandes nomes que se consagraram nas três Copas do mundo de jogarem apenas com seu talento individual. Ao contrário: eles devem ser vistos como destaques de uma escola brasileira que, naquelas três campanhas, conquistaram a admiração mundial pelo admirável e quase irresistível futebol que jogava.
Não é pedir muito, portanto, que se dê a essa nova geração o direito de jogar mais livremente, devolvendo a iniciativa e aquela improvisação que, no tempo em que não eram condenadas, levaram o nosso futebol ás suas maiores glórias.

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Sandro Moreira era  jornalista e cronista esportivo.
Faleceu em 29/08/1997 
1 Esse artigo foi  publicado no Jornal do Brasil em 24/06/1984.
Nota: Fotos e ilustrações disponíveis na internet

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