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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 28 de maio de 2011

ÁFRICA E ABDIAS TUDO ENTRELAÇADO! (1914 - 2011)

Imagem disponível em http://www.abdias.com.br/

No dia 24/05(segunda feira) faleceu Abdias do Nascimento, uma das mais importantes personalidades negras da história do Brasil.Abdias dedicou toda a sua vida, pela afirmação do direito à alteridade civilizatória dos afrobrasileiros. A notícia do seu falecimento foi divulgada no dia 25/05(terça),coincidentemente dia da África.
África e Abdias tudo entrelaçado!
O legado de Abdias Nascimento carrega a força das civilizações africanas e, através das suas inúmeras iniciativas institucionais,aprendemos a valorizar e reconhecer a pulsão do conhecimento histórico,político,tecnológico,literário,filosófico,geográfico,enfim, abordagens da África e sua dinâmica civilizatória no mundo, de modo especial nas Américas.
Imponente,altivo,responsável,solidário,afetuoso,alegre,sereno,generoso,sincero,criativo....
Com Abdias, aprendemos a ter orgulho de sermos negros/as e herdeiros/as do patrimônio civilizatório milenar africano.
Sobre esse orgulho de SER, e a recusa contínua ao recalque  Abdias nos animava:

“Assim juntos e sem nome
devemos continuar nosso sonho
nosso trabalho
reinventando as nossas letras
recompondo nossos nomes próprios
tecendo os laços firmes
nos quais ao riso alegre do novo dia
enforcaremos os usurpadores de nossa infância”
(Olhando no Espelho, Buffalo, 1980)

Abdias partiu,mas deixou muitos exemplos valiosos que certamente continuarão repercutindo nas nossas vidas (e das gerações que estão por vir),encorajando-nos a enfrentar com firmeza e altivez a ideologia racista ainda presente no nosso cotidiano.
Sobre a perda desse intelectual negro a UNESCO destacou:

“Reconhecedor incansável da riqueza do Continente Africano, o professor Abdias foi um dos primeiros brasileiros a escrever sobre a influência africana na história no Brasil e a abrir caminhos para que os afro-brasileiros sentissem orgulho de si e de sua história. Sua vida foi acreditar e lutar para fazer um Brasil justo e promotor de direitos.Entre inúmeros reconhecimentos por seu importante trabalho visando a uma sociedade mais igualitária no país, em 2001 Abdias foi agraciado com o Prêmio UNESCO na categoria Direitos Humanos e Cultura de Paz. Em 2004, recebeu da organização o prêmio Toussaint Louverture pela criação do Teatro Experimental do Negro, uma das primeiras organizações a reivindicar e a desenvolver educação de qualidade para a população negra brasileira como um direito eficaz na superação das desigualdades no país.”
(Fonte:http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/unesco_regrets_the_decease_of_abdias_nascimento/)

  A seguir alguns vídeos/documentários que nos apresentam  a sabedoria acumulada ao longo dos anos,o entusiasmo e vitalidade política dessa exponencial liderança  afrobrasileira chamada ABDIAS DO NASCIMENTO.
Para conhecer a biografia dessa personalidade da história do Brasil ver
 http://www.abdias.com.br/

SOLIDARIEDADE TECE VITÓRIAS...


Nelson Mandela visita o Palácio Guanabara, recebido como chefe de Estado pelo Governador Leonel Brizola e seu secretário de Estado de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras - SEAFRO, 1994(fonte http://www.abdias.com.br/exilio/foto5.htm)

Abdias do Nascimento e Aimé Césaire - Paris 2004

Abdias Nascimento - Espelho 1ª Parte

Abdias Nascimento - Espelho 2ª Parte

ÁFRICA BERÇO DA HUMANIDADE


KOFI ANAN

A ONU-Organização das Nações Unidas estabeleceu  a data 25 de maio,para  homenagear a África,continente reconhecido como  “berço da humanidade”.A data tem o intuito de chamar atenção para a permanente necessidade de descolonização do continente africano,face as políticas genocidas e flagelo sócioeconômico instituído pela ganância da colonização européia durante séculos,e que tende a comprometer ainda,o direito à vida de muitas populações.
Identificamos alguns pronunciamentos importantes do ex-secretário da ONU Kofi Annan, sobre o valor  político e simbólico do dia 25 de maio.A data constitui uma estratégia institucional da ONU, para que todos os povos reconheçam o valor das civilizações africanas na constituição de todas as nações, e procurem contribuir através de  redes de alianças sócioeconômicas e culturais que possam  fortalecer o desenvolvimento do continente.
Acompanhem as reflexões valiosas de Kofi Annan de 2004 a 2006.

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Por Kofi Anan

2004
Este ano, o Dia de África é uma oportunidade para celebrar uma série de acontecimentos positivos que se registraram no continente. A União Africana encontra-se em fase de consolidação e muitas das suas instituições estão já implantadas. O Parlamento Pan-Africano foi inaugurado e funciona como uma plataforma para a articulação das aspirações dos povos de África. E, pela primeira vez, uma mulher foi eleita Presidente de um Parlamento. Há também a assinalar progressos louváveis no que se refere à execução da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD), especialmente em domínios como a agricultura, as infra-estruturas, o ambiente e a saúde, que constituem áreas fundamentais para a redução da pobreza, a promoção da estabilidade social e a melhoria da qualidade de vida. E assistimos à criação do Mecanismo de Avaliação Intra-Africano, um dos aspectos mais importantes e inovadores da NEPAD, cujo objetivo é fomentar a adoção de políticas e práticas que conduzam à estabilidade política, ao crescimento económico, à responsabilização, à boa governação e à democracia.
Mas, obviamente, muito há ainda a fazer. Devemos continuar a esforçar-nos por enfrentar tanto o HIV/AIDS (VIH/SID) como a persistência de conflitos violentos em várias partes do continente africano, pois estes fatores continuam a impedir o desenvolvimento, destruindo as infra-estruturas sociais e econômicas, desviando recursos que poderiam ser canalizados para outros fins e dilacerando o tecido social e cultural das sociedades afetadas. E a comunidade internacional deve continuar a complementar os esforços dos próprios africanos, criando condições mais justas no campo do comércio internacional, aumentando a ajuda e aprovando medidas que visem uma redução significativa da dívida externa dos países africanos. Neste Dia de África, renovemos o nosso compromisso em relação a essa parceria e a esse conjunto de prioridades

2005
A comemoração anual do Dia da África é uma oportunidade para refletirmos sobre as perspectivas do continente e a situação difícil em que vive A União Africana continua a reforçar as suas instituições no domínio da prevenção, resolução e gestão de conflitos. O processo de consolidação democrática continua a ganhar força, numa altura em que muitos países procederam com êxito a uma transferência do poder graças a eleições pluralistas. A aplicação da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África está a ser acelerada, registrando-se progressos em diversos programas, incluindo o Mecanismo de Avaliação Intra-africano, a que 25 países aderiram voluntariamente.
Todavia, uma grande parte de África, especialmente a sul do Saara, continua a sofrer os trágicos efeitos de conflitos violentos, da pobreza extrema e da doença. No Darfour, os ataques e o deslocamento da população continuam e pelo menos 2,6 milhões de pessoas precisam urgentemente de assistência. Num número demasiado elevado de países, a pobreza e o enorme fardo da doença, em particular a forte prevalência do HIV/AIDS (VIH/SIDA), estão a infligir um sofrimento generalizado e a anular os progressos duramente conseguidos no domínio do desenvolvimento, fazendo com que a África fique para trás em relação às outras regiões em desenvolvimento no que diz respeito à realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
Dois mil e cinco poderia muito bem ser um ano crucial para a África. Em Setembro, os dirigentes do mundo inteiro vão reunir-se na Sede da ONU, quando de uma Cúpula consagrada à análise da aplicação da Declaração do Milênio. A Cúpula deveria ser uma ocasião para tomar decisões, incluindo medidas audaciosas para responder às necessidades especiais da África. O relatório que apresentei aos Estados-membros da ONU – “Em Maior Liberdade” – contém uma vasta gama de recomendações destinadas a ajudar os Africanos na sua procura de segurança, desenvolvimento e direitos humanos. Dois outros grandes relatórios, elaborados a pedido das Nações Unidas – pelo Projeto do Milênio e o Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança – e o relatóro da Comissão para a África do Reino Unido contêm também propostas concretas. O diálogo da Assembléia Geral sobre o financiamento do desenvolvimento, que terá lugar em Junho, a Cúpula do G-8, prevista para Julho, e a Cúpula de Setembro são importantes oportunidades para gerar um maior apoio da comunidade internacional ao desenvolvimento da África.
Neste Dia da África, gostaria de reafirmar o apoio das Nações Unidas ao trabalho da União Africana e aos esforços de todos os Africanos – homens, mulheres e cri anças – para construírem uma vida melhor, com maior liberdade.

2006
Todos os anos, o Dia da África constitui a ocasião de medir os progressos realizados na África, avaliar as suas dificuldades e refletir sobre as enormes potencialidades do continente.
A África está passando por enormes alterações políticas. Embora persistam os conflitos destruidores, o seu número diminuiu e muitos países adotaram sistemas de governo pacíficos e democráticos. No Burundi, a conclusão pacífica e democrática do processo de transição constituiu um marco para o país e, esperamos, para o futuro de toda a região dos Grandes Lagos. Na República Democrática do Congo, uma nova constituição e uma nova lei eleitoral assentam a base para eleições democráticas, enquanto a Guiné-Bissau assistiu ao restabelecimento da ordem constitucional. E na Libéria, um escrutínio histórico levou ao poder a primeira mulher a ser eleita Presidente de um Estado africano.
Juntamente com perspectivas econômicas um pouco melhores, o continente se beneficiou de fluxos mais elevados de ajuda pública para o desenvolvimento e de uma - muito necessária - redução da dívida. Os países desenvolvidos, que formam o Grupo dos Oito, comprometeram-se a duplicar, aumentando-a para 25 biilhões de dólares, a ajuda à África, até 2015, enquanto 18 dos países mais endividados viram anulada a quase totalidade da sua dívida externa.
As Nações Unidas continuarão a ajudar o povo africano a dar continuidade a estes progressos. A nova Comissão de Consolidação da paz, o Fundo para a Democracia e o Conselho de Direitos Humanos aumentaram a capacidade de resposta das Nações Unidas ao programa para África, tal como foi delineado pela Nova Parceria para o Desenvolvimento da África e União Africana. As Nações Unidas e a União Africana já estão a colaborar no reforço da capacidade de manutenção de paz na África e na promoção de um desenvolvimento equilibrado.
Apesar do otimismo, subsistem grandes desafios. A violência que continua no Darfur – não obstante o recente acordo de paz – ameaça milhões de vidas. A situação entre a Etiópia e a Eritreia continua a ser uma fonte de viva preocupação, enquanto o conflito no Norte do Uganda prolonga uma das piores tragédias humanitárias do mundo. Ao mesmo tempo, a seca assola o Corno de África e partes da África austral, e o HIV/AIDS (VIH/SIDA) continua a ter um efeito terrível no futuro do continente africano.
Neste Dia da África, renovemos o nosso compromisso de fazer tudo o que pudermos para ajudar o povo africano a enfrentar estes problemas. Trabalhando em conjunto, poderemos concretizar o seu sonho de um continente pacífico, próspero e democrático.

Fonte: Centro Regional de Informação da ONU em Bruxelas - RUNIC http://www.nossosaopaulo.com.br/Reg_SP/Barra_Escolha/ONU_Africa.htm

A ACRA TAMBÉM É PARCEIRA DO PROJOVEM ADOLESCENTE.PARTICIPE VOCÊ TAMBÉM!


O QUE É O PROJOVEM?



“O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes e Jovens de 15 a 17 anos (Projovem Adolescente) tem por foco o fortalecimento da convivência familiar e comunitária, o retorno dos adolescentes à escola e sua permanência no sistema de ensino. Isso é feito por meio do desenvolvimento de atividades que estimulem a convivência social, a participação cidadã e uma formação geral para o mundo do trabalho.
O público-alvo constitui-se, em sua maioria, de jovens cujas famílias são beneficiárias do Bolsa Família, estendendo-se também aos jovens em situação de risco pessoal e social, encaminhados pelos serviços de Proteção Social Especial do Suas ou pelos órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Os jovens são organizados em grupos, denominados coletivos, compostos por no mínimo 15 e no máximo 30 jovens. O coletivo é acompanhado por um orientador social e supervisionado por um profissional de nível superior do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), também encarregado de atender as famílias dos jovens, por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif).
O Projovem deve também possibilitar o desenvolvimento de habilidades gerais, tais como a capacidade comunicativa e a inclusão digital, de modo a orientar o jovem para a escolha profissional consciente, prevenindo a sua inserção precoce no mercado de trabalho.
A metodologia prevê a abordagem de temas que perpassam os eixos estruturantes, denominados temas transversais, abordando conteúdos necessários para compreensão da realidade e para a participação social. Por meio da arte-cultura e esporte-lazer, visa a sensibilizar os jovens para os desafios da realidade social, cultural, ambiental e política de seu meio social, bem como possibilitar o acesso aos direitos e a saúde, e ainda, o estímulo a práticas associativas e as diferentes formas de expressão dos interesses, posicionamentos e visões de mundo dos jovens no espaço público.”
(Fonte: http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/servicos/projovem)

Venha se inscrever no PROJOVEM ADOLESCENTE!
QUEM PODE PARTICIPAR?


Adolescentes com idade entre 15 e 17 anos que pertençam a famílias beneficiadas com a Bolsa Família.


QUAL A DOCUMENTAÇÃO  EXIGIDA?


Carteira de identidade(cópia) do adolescente e responsável


Cartão do Bolsa Família(cópia)


Comprovante de residência(cópia)


Comprovante escolar(cópia)


LOCAL DAS INSCRIÇÕES:


ACRA-Associação Crianças Raízes do Abaeté,Parque Metropolitano do Abaeté em frente a Lagoa do Abaeté.


HORÁRIO DAS INSCRIÇÕES:


Todas as manhãs e tardes


Maiores informações com a Assistente Social Srª Maristela Suarez 
Telefone 86314577

PARTICIPEM DO SARAU DA ONÇA!

Imagem disponível em http://saraudaonca.blogspot.com/

Os jovens do bairro de Sussuarana (Salvador,Bahia) estão realizando sempre aos sábados o “SARAU DA ONÇA”,espaço criado pela “...necessidade de criar uma referencia para os jovens e grupos culturais na perspectiva de melhorar suas visões perante os acontecimentos do bairro...”(Fonte saraudaonca.blogspot)
A iniciativa também se propõe a fortalecer as iniciativas culturais existentes dentro do bairro de Sussuarana,a exemplo do grupo de teatro formado por jovens...que objetiva trabalhar as questões étnicas através da arte, mostrando para a sociedade que Sussuarana não é o bairro que muitos pensam, violento e que só possui coisas ruins, acreditamos que essa violência vem de fora pra dentro, através dos preconceitos, da discriminação, da falta de oportunidade, de incentivo, da péssima qualidade do ensino público, da falta de emprego, moradia, do mau atendimento nos postos de saúde, da violência policial contra jovens negros de comunidades periféricas e muito mais.”
(Fonte saraudaonca.blogspot)
No link abaixo vejam o que os "Amigos da Onça Sussuarana" andam aprontando.
http://saraudaonca.blogspot.com/

ANOTEM:


SARAU DA ONÇA


Data: 28/05


Horário: às 18h


Local: bairro de Sussuarana/Novo Horizonte no CENPAH-Centro Pastoral Afro Padre Heitor.

sábado, 21 de maio de 2011

"A GENTE PRECISA DE UM SUPER-HOMEM( E UMA SUPER MUILHER)?"

Por Sérgio Ricardo Santos da Silva (Bahialista)


Sempre fui muito “antena parabólica”, atento, captando os valores estranhos e alheios à nossa cidade. Procuro também mergulhar no mundo dos valores que cerca meus educandos/as trabalhadores/as, captando os sinais da urbanização produtivista e consumista que vêm se impondo ao nosso cotidiano, buscando assim transformar todo esse repertório urbano-produtivista, em novas metodologias de aprendizagens que tentem se alicerçar na nossa identidade sociocultural.
É isso que me anima a prosseguir como educador!
 Criar, (re)criar linguagens, metodologias que me aproximem dos sonhos, angústias, medos e frustrações que tendem a aparecer nas salas de aula de Educação de Jovens e Adultos do SESI- Serviço Social da Indústria, através do NETI - Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria.
Essas salas de aula funcionam à noite, dentro de diversos canteiros de obras de Salvador e da Região Metropolitana, logo após o expediente dos “guerreiros vencedores” que estão na lida do dia a dia  carregaregando e erguendo nossa cidade.
Esse momento de voltar a estudar no seu local de trabalho, resgata o sonho que foi ceifado durante  a juventude caminhando nesse “mundo da aparências”  que  hostiliza levando-os, como diz Gilberto Gil na música “Lamento sertanejo”, a serem como “rês desgarrada, nessa multidão boiada caminhando a esmo”.
Em uma dessas “captações parabólicas”, tomei um choque com a música Criminalidade, do cantor Edson Gomes. Por que trago à tona esta música? Pelo simples fato dela ter aguçado, no dizer de Michel Maffesoli, a minha “razão sensível”. Razão esta que busca tomar um caminho oposto ao do Racionalismo que fragmenta,dilacera o estar no mundo, recalcando a sensibilidade de ético- estética que faz emergir novas simbologias.
Ou seja: 
“com efeito, a característica essencial do racionalismo é bem essa maneira classificatória, que quer que tudo entre em uma categoria explicativa e totalizante. Assim é negada a exaltação do sentimento de vida que, em qualquer tempo e lugar, é a principal manifestação do ser.” (MAFFESOLI, 1998:31)

A música tem esse poder de exaltar sentimento de vida – e de contestação também -que acaba sendo mais uma manifestação sensível, “raciovitalícia” do ser, e um porta-voz do pensamento comunal.
Ao pensar a importância da completude do vital, sem recalques, da razão fundamentada no “raciovitalismo”, é que “o vitalismo transpira por todos os poros da pele social e não podemos reduzi-lo à unidade da Razão.” (Cf.MAFFESOLI, 1998:49)
Com a música Criminalidade não foi diferente, pois ela revela com sensibilidade e criticidade - ambas entrelaçadas pelo tear estético da energia fundante do reggae - o quanto estamos vulneráveis à lógica da urbanização produtivista e consumista que ergue-se na nossa São Salvador.
Salve minha gente!
Meu São Salvador!



Essa razão sensível” tão esquecida na formação de muitos educadores e educadoras, que são levados a fecharem-se para a compreensão dos processos de interação entre beleza, estética e simbologias (as quais o reggae revela no seu balanço mais que envolvente e que muitos não “se abrem” para seus apelos estéticos e éticos), é que me move “no balanço reggae”, a não me conformar com “fatores externos” que nada mais são do que a imposição de modos de viver regidos pelo TER, ganância e individualismos, cujos desdobramentos imediatos têm sido o índice alarmante da violência que vem tragando as vidas de nossas crianças,jovens e adultos, nas suas voltas para casa depois de viver o sonho de voltar aos estudos. Isso também vem contribuindo para o aumento dos índices de evasão na Educação de Jovens e Adultos de forma preocupante, pois “Brother, é tanta criminalidade...”.


Nossos educandos/as trabalhadores/as estão entre a “cruz e a espada”, literalmente. Todos foram tomados pela adversidade – que ressalto, não é nova, mas cresceu absurdamente nos bairros deixando-os reféns do chamado “toque de recolher.” Este nada mais é do que um horário máximo estabelecido pelos “donos” das ações de violência para entrar no seu bairro, no seu templo inviolável (será ?) que é a sua casa.
 “Quem se aventura pode ser o/a última!”
E... você, leitor e leitora, deve estar se perguntando porque escolhi logo Edson Gomes para tecer esse desabafo e alerta. Ora, simplesmente porque sua arte carrega um poder de encanto, a partir de raízes fortes da negritude que rege essa cidade – rege principalmente os corações dos “guerreiros estudantes” que cantarolam esta música no seu dia a dia quer seja no trabalho dos canteiros de obra, ou sonhando com a libertação das amarras sutis e declaradas do racismo e da tática da invisibilidade que os ferem e maltrata nessa cidade.


Realmente Edson Gomes tem razão: “a gente precisa de um super-homem, que faça mudanças imediatas”(não esqueci que estamos numa cidade que tem uma participação feminina extraordinária também). Não o Super-homem/super mulher  do pagode baiano,não. Precisamos de "super-homem/super mulher"   que sejam, como o grande educador Antonio Carlos Gomes da Costa intitula, “ fazedor(es) de acontecimentos”.
Sim, precisamos de cidadãos “Super-homens-mulheres” que façam acontecer, que tomem decisões sobre os destinos da cidade.  
Aqui, conclamo a todos e todas, sem distinção, a pensar a sua cidade. Os fóruns de monitoramento de políticas públicas, os meios de comunicação, eventos de discussão de impacto social, suas casas, escolas, empresas, são locais de engendramento das novas possibilidades de co-existir nessa cidade.
Não!
Não quero mais deixar meus alunos trabalhadores abortando seus sonhos de voltar e aventurar-se na caminhada do saber por conta do caminho errado que a cidade vem tomando há muito tempo.
E como a esperança sempre será a última que morre, continuo com o guerreiro Edson Gomes: “Não, tudo um dia vai passar! Sei que tudo um dia vai mudar”.


Referências que sustentaram minhas reflexões: 

BAHIALISTA, Sérgio. O Buraco na pança da Sussuarana. Salvador: mimeo, 2006;

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Aventura Pedagógica: caminhos e descaminhos de uma ação educativa. 2 ed. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2001;

MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. Petrópolis: Vozes. 1998;

SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros. Identidade, Povo e Mídia no Brasil. Coleção Identidade Brasileira. Vozes, Petrópolis, 1999.

SODRÉ, Muniz. A Verdade Seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. DP&A editora, Rio de Janeiro, 2005.

Sérgio Bahialista é colaborador da Área Pedagógica do Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria – NETI/SESI,pesquisador do PRODESE-Programa Descolonização e Educação CNPq/UNEB,mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da UNEB.

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Acompanhem comigo logo  a seguir, a música de Edson Gomes que entrou nas minhas  aulas de Educação de Jovens e Adultos, trazendo inquietações profundas que passam a compor os diálogos  sobre a vida e o mundo desses/as “guerreiros/as vencedores/as ” que não abrem mão do seu sonho,"apesar dos pesares".

EDSON GOMES INTERPRETANDO A MÚSICA "CRIMINALIDADE"

CRIMINALIDADE
Por Edson Gomes

É tanta violência na cidade


Brother é tanta criminalidade


As pessoas se trancam em suas casas


Pois não há segurança nas vias públicas


E nem mesmo a polícia pode impedir


As vezes a polícia entra no jogo


A gente precisa de um super-homem


Que faça mudanças imediatas


Pois nem mesmo a polícia pode destruir


Certas manobras organizadas


É tanta violência na cidade


Brother é tanta criminalidade


A lua já não é mais dos namorados


Os velhos já não curtem mais as praças


E quem se aventura pode ser a última


E quem se habilita pode ser o fim


A gente precisa de um super-homem


Que faça mudanças imediatas


Pois nem mesmo a polícia pode destruir


Certas manobras organizadas


Não tudo um dia vai passar


Sei que tudo um dia vai mudar

O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS PARTE II

Por Lima Barreto

Lima Barreto

Na semana passada vocês acompanharam Castelo contando ao seu amigo Castro as embromações que ele fez para “se dar bem na vida”,ministrando aulas de javanês para o Barão de Jacuecanga sem nunca ter aprendido o idioma javanês.Hoje vocês vão saber como acabará essa história.


Imagem disponível em http://dialogosvisuais.blogspot.com/2011/01/dica-de-leitura-o-homem-que-sabia.html

No filme produzido  em 1998 e disponível na programação da TV Escola,Castelo (interpretado por Carlos Alberto  Riccelli  )aparece  contando ao seu amigo Castro (interpretado por Sérgio Mamberti) as embromações que ele fez para “se dar bem na vida”.Participam também do filme Zózimo Bulbul e Sérgio Viotti.
Boa Leitura!

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Castelo na biblioteca "caçando" dicas para fazer suas embromações em javanês


— O velho — emendei eu — ouviu-me atentamente, considerou demoradamente o meu físico, e pareceu que me julgava de fato filho de malaio, e perguntou-me com doçura:

— Então está disposto a ensinar-me javanês?

— A resposta saiu-me sem querer. Pois não.

— O senhor há de ficar admirado — aduziu o Barão de Jacuecanga — que eu, nesta idade, ainda queira aprender qualquer coisa, mas...

 
— Não tenho que admirar. Têm-se visto exemplos e exemplos muito fecundos...

— O que eu quero, meu caro senhor...?

— Castelo — adiantei eu.

— O que eu quero, meu caro Senhor Castelo, é cumprir um juramento de família. Não sei se o senhor sabe que eu sou neto do Conselheiro Albernaz, aquele que acompanhou Pedro I, quando abdicou. Voltando de Londres, trouxe para aqui um livro em língua esquisita, a que tinha grande estimação. Fora um hindu ou siamês que lho dera em Londres, em agradecimento a não sei que serviço prestado por meu avô. Ao morrer meu avô, chamou meu pai e lhe disse: "Filho, tenho este livro aqui, escrito em javanês. Disse-me que mo deu que ele evita desgraças e traz felicidades para quem o tem. Eu não sei nada ao certo. Em todo caso, guarda-o; mas, se queres que o fado que me deitou o sábio oriental se cumpra, faze com que teu filho o entenda, para que sempre a nossa raça seja feliz." Meu pai — continuou o velho barão — não acreditou muito na história; contudo guardou o livro. Às portas da morte, ele mo deu e disse-me o que prometera ao pai. Em começo, pouco caso fiz da história do livro. Deitei-o a um canto e fabr iquei minha vida. Cheguei até esquecer-me dele; mas, de uns tempos a esta parte, tenho passado por tanto desgosto, tantas desgraças têm caído sobre a minha velhice que me lembrei do talismã da família. Tenho que o ler, que o compreender, e não quero que os meus últimos dias anunciem o desastre da minha posteridade; e, para entendê-lo, é claro que preciso entender o javanês. Eis aí.

Calou-se e notei que os olhos do velho se tinham orvalhado. Enxugou discretamente os olhos e perguntou-me se queria ver o livro. Respondi-lhe que sim. Chamou o criado, deu-lhe as instruções e explicou-me que perdera todos os filhos, sobrinhos, só lhe restando uma filha casada, cuja prole, porém, estava reduzida a um filho, débil de corpo e de saúde frágil e oscilante.

Veio o livro. Era um velho calhamaço, um inquarto antigo, encadernado em couro, impresso em grandes letras, em um papel amarelado e grosso. Faltava a folha do rosto e por isso não se podia ler a data da impressão. Tinha ainda umas páginas de prefácio, escritas em inglês, onde li que se tratava das histórias do príncipe Kulanga, escritor javanês de muito mérito.


Logo informei disso o velho barão que, não percebendo que eu tinha chegado aí pelo inglês, ficou tendo em alta consideração o meu saber malaio. Estive ainda folheando o cartapácio, à laiade quem sabe magistralmente aquela espécie de vasconço, até que afinal contratamos as condições de preço e de hora, comprometendo-me a fazer com que ele lesse o tal alfarrábio antes de um ano.


Dentro em pouco, dava a minha primeira lição, mas o velho não foi tão diligente quanto eu. Não conseguia aprender a distinguir e a escrever nem sequer quatro letras. Enfim, com metade do alfabeto levamos um mês e o Senhor Barão de Jacuecanga não ficou lá muito senhor da matéria: aprendia e desaprendia.

A filha e o genro ( penso que até aí nada sabiam da história do livro) vieram a ter notícias do estudo do velho; não se incomodaram. Acharam graça e julgaram coisa boa para distraí-lo.

Mas com que tu vais ficar assombrado, meu caro Castro, é com a admiração que o genro ficou tendo pelo professor de javanês. Que coisa única! Ele não se cansava de repetir: "É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! onde estava!"


Castelo embromando uma leitura em javanês para  o Barão de Jacuecanga(interpretado por Sérgio Viotti)


O marido de Dona Maria da Glória ( assim se chamava a filha do barão), era desembargador, homem relacionado e poderoso; mas não se pejava em mostrar diante de todo o mundo a sua admiração pelo meu javanês. Por outro lado, o barão estava contentíssimo. Ao fim de dois meses, desistira da aprendizagem e pedira-me que lhe traduzisse, um dia sim outro não, um trecho do livro encantado. Bastava entendê-lo, disse-me ele; nada se opunha que outrem o traduzisse e ele ouvisse. Assim evitava a fadiga do estudo e cumpria o encargo.

Sabes bem que até hoje nada sei de javanês, mas compus umas histórias bem tolas e impingi-as ao velhote como sendo do crônicon. Como ele ouvia aquelas bobagens!... Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia a seus olhos! Fez-me morar em sua casa, enchia-me de presentes, aumentava-me o ordenado. Passava, enfim, uma vida regalada.

Contribuiu muito para isso o fato de vir ele a receber uma herança de um seu parente esquecido que vivia em Portugal. O bom velho atribuiu a coisa ao meu javanês; e eu estive quase a crê-lo também.

Fui perdendo os remorsos; mas, em todo o caso, sempre tive medo de que me aparecesse pela frente alguém que soubesse o tal patuá malaio. E esse meu temor foi grande, quando o doce barão me mandou com uma carta ao Visconde de Caruru, para que me fizesse entrar na diplomacia. Fiz-lhe todas as objeções: a minha fealdade, a falta de elegância, o meu aspecto tagalo. — "Qual! retrucava ele. Vá, menino; você sabe javanês!" Fui. Mandou-me o visconde para a Secretaria dos Estrangeiros com diversas recomendações. Foi um sucesso.

O diretor chamou os chefes de seção: "Vejam só, um homem que sabe javanês — que portento!"
Os chefes da seção levaram-me aos oficiais e amanuenses e houve um destes que me olhou mais com ódio do que com inveja ou admiração. E todos diziam: "Então sabe javanês? É difícil? Não há quem o saiba aqui!"


O tal amanuense, que me olhou com ódio, acudiu então: "É verdade, mas eu sei canaque. O senhor sabe?" Disse-lhe que não e fui à presença do ministro.

A alta autoridade levantou-se, pôs as mãos às cadeiras, consertou o pince-nez no nariz e perguntou: " Então, sabe javanês?" Respondi-lhe que sim; e, à sua pergunta onde o tinha aprendido, contei-lhe a história do tal pai javanês. "Bem, disse-me o ministro o senhor não deve ir para a diplomacia; o seu físico não se presta... O bom seria um consulado na Àsia ou Oceania. Por ora, não há vaga, mas vou fazer uma reforma e o senhor entrará. De hoje em diante, porém, fica adido ao meu ministério e quero que, para o ano, parta para Bâle, onde vai representar o Brasil no congresso de Lingüística. Estude, leia o Hove-Iacque, o Max Müller, e outros!"


Castelo ganha a confiança do Barão de Jacuecanga


Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios.

O velho barão veio a morrer, passou o livro ao genro para que o fizesse chegar ao neto, quando tivesse a idade conveniente e fez-me uma deixa no testamento.

Pus-me com afã no estudo das línguas malaio-polinésias; mas não havia meio!

Bem jantado, bem vestido, bem dormido, não tinha energia necessária para fazer entrar na cachola aquelas coisas esquisitas. Comprei livros, assinei revistas: Revue Anthropologique et Linguistique, Proceedings of the English-Oceanic Association, Archivo Glottologico Italiano, o diabo, mas nada! E a minha fama crescia. Na rua, os informados apontavam-me, dizendo aosoutros: "Lá vai o sujeito que sabe javanês." Nas livrarias, os gramáticos consultavam-me sobre a colocação dos pronomes no tal jargão das ilhas de Sonda. Recebia cartas dos eruditos dointerior, os jornais citavam o meu saber e recusei aceitar uma turma de alunos sequiosos de entender o tal javanês. A convite da redação, escrevi, no Jornal do Commércio, um artigo dequatro colunas sobre a literatura javanesa antiga e moderna...

— Como, se tu nada sabias? — interrompeu-me o atento Castro.

— Muito simplesmente: primeiramente, descrevi a ilha de Java, com o auxílio de dicionários e umas poucas de geografia, e depois citei a mais não poder.

— E nunca duvidaram? — perguntou-me ainda o meu amigo.

— Nunca. Isto é, uma vez quase fico perdido. A polícia prendeu um sujeito, um marujo, um tipo bronzeado que só falava em língua esquisita. Chamaram diversos intérpretes, ninguém o entendia. Fui também chamado, com todos os respeitos que a minha sabedoria merecia, naturalmente. Demorei-me em ir, mas fui afinal. O homem já estava solto, graças à intervenção do cônsul holandês, a quem ele se fez compreender com meia dúzia de palavras holandesas. E o tal marujo era javanês — uf!

Chegou, enfim, a época do congresso, e lá fui para a Europa. Que delícia! Assisti à inauguração e às sessões preparatórias. Inscreveram-me na seção do tupi-guarani e eu abalei para Paris. Antes, porém, fiz publicar no Mensageiro de Bâle o meu retrato, notas biográficas e bibliográficas. Quando voltei, o presidente pediu-me desculpas por me ter dado aquela seção; não conhecia os meus trabalhos e julgara que, por ser eu americano-brasileiro, me estava naturalmente indicada a seção do tupi-guarani. Aceitei as explicações e até hoje ainda não pude escrever as minhas obras sobre o javanês, para lhe mandar, conforme prometi.

Acabado o congresso, fiz publicar extratos do artigo do Mensageiro de Bâle, em Berlim, em Turim e em Paris, onde os leitores de minhas obras me ofereceram um banquete, presidido pelo Senador Gorot. Custou-me toda essa brincadeira, inclusive o banquete que me foi oferecido, cerca de dez mil francos, quase toda a herança do crédulo e bom Barão de Jacuecanga.

Não perdi meu tempo nem meu dinheiro. Passei a ser uma glória nacional e, ao saltar no cais Pharoux, recebi uma ovação de todas as classes sociais e o presidente da República, dias depois, convidava-me para almoçar em sua companhia.

Dentro de seis meses fui despachado cônsul em Havana, onde estive seis anos e para onde voltarei, a fim de aperfeiçoar os meus estudos das línguas da Malaia, Melanésia e Polinésia.

— É fantástico — observou Castro, agarrando o copo de cerveja.

— Olha: se não fosse estar contente, sabes que ia ser?

— Quê?

— Bacteriologista eminente. Vamos?

— Vamos.


Batik em seda javanesa

UMA BOA COINCIDÊNCIA!LANÇAMENTO DA BIOGRAFIA DE LIMA BARRETO EM SALVADOR



E por falar no valioso legado de Lima Barreto que vimos abordando desde semana passada,o Memorial Lélia Gonzalez nos enviou a notícia de que no dia 25/05 (quarta-feira) às 19h no Sarau Bem Black no Pelourinho,o escritor paulista Cuti estará lançando em Salvador o livro de sua autoria “Lima Barreto – Coleção Retratos do Brasil negro” da Editora Selo Negro. A entrada é franca e o livro custa R$22,00 e é uma publicação Acompanhem um pouco da notícia:
“O escritor paulista Cuti, um dos mais importantes autores e estudiosos da literatura negra brasileira, vem a Salvador lançar seu mais recente trabalho: a biografia Lima Barreto, estudo sobre a vida e obra do escritor carioca. Convidado do coletivo Blackitude, Cuti participa da edição do dia 25/06 (quarta-feira) do Sarau Bem Black no Sankofa African Bar (Pelourinho), quando autografa o trabalho e bate-papo com o público. A programação, gratuita, começa a partir das 19h.
A biografia é o sétimo volume da Coleção Retratos do Brasil Negro, da editora Selo Negro, que destaca nomes significativos da cultura e da militância negra do país. Mestre e doutor em literatura, Cuti analisa a produção de Lima Barreto (1881-1922) e mostra a atualidade dos problemas que ele apontou no início do século XX em contos, crônicas e romances. 'Ainda hoje, seus livros travam uma luta contra as forças de exclusão social, muito poderosas no Brasil. Elas interferem na cultura, em especial nas artes, que têm o poder de alimentar nosso imaginário’, afirma Cuti."

domingo, 15 de maio de 2011

DE ITAPUÃ PARA O MUNDO:NARRATIVAS ATRAVÉS DA DANÇA DE AGNALDO FÔNSECA

Em 15 de maio de 2010 o blog da ACRA teve o prazer de apresentar uma entrevista exclusiva com o artista,dançarino e coreógrafo Agnaldo Fônseca, nascido e criado em Itapuã na antiga rua Joana Angélica, em Nova Brasília.
Na entrevista ao blog  da ACRA Agnaldo enfatizou ser importante:
Perceber a diversidade cultural que Itapuã comporta, e o seu legado histórico, traduzidos nos mitos que permeiam a comunidade, é o que mais me encanta e me faz sentir e pertencer a uma raiz civilizatória original. Pois, mesmo tendo uma mãe que veio de Ilha de Maré, trazida por minha avó que não conheci, e entregue na casa de pessoas com recursos para trabalhar que não teve oportunidade de conhecer o pai, e sendo eu filho de um pai presente, que assume seus deveres de pai e trabalhador valente para sustentar uma família de oito filhos... Isso me faz me sentir guerreiro e descendente ativo de uma identidade original e sábia que é a dos povos que comungam com seu meio natural, cósmico,humano e divino - a cultura africana e indígena.Ser de Itapuã me referencia e me autentica como ser ativo de um legado transcendental. E a dança é um meio para me perceber nesse universo.”
Apresentamos em vídeo uma outra entrevista de Agnaldo,onde ele nos conta sua história e a dança como um canal valioso para erguermos um mundo melhor.

Conheçam um pouco mais sobre a trajetória desse filho muito querido de Itapuã.

EMBROMAÇÃO:A MÁXIMA CONTEMPORÂNEA NAS RELAÇÕES SOCIAIS

 Por Narcimária Luz


 Estamos vivendo situações no nosso cotidiano,em determinados contextos urbano-industriais, que nos obrigam a parar e refletir sobre a “ética da embromação” que estimula atitudes como: dissimulação,descaso,desrespeito,mediocridade,egoísmo,”puxa saquismo”,agressividade,"em terra de cego quem tem olho é rei”,”levar vantagem em tudo”,”intrigas”,prepotência,arrogância,jogo das aparências,”levar no bico”,”se dar bem doa a quem doer”,ganhar sempre...
A “ética da embromação”, estabelece regras comportamentais de como “ser” no mundo contemporâneo,constituindo um triste e perverso legado para as gerações sucessoras que nascem acreditando que isso é viver,é ser, isso é “normal”.O mais triste nesse cenário: quem recusa a “ética da embromação” é considerado:bobo,”otário”,abestalhado,fora de moda,etc.
Essas tramas comportamentais, infelizmente vêm se impondo nas relações sociais entre adultos,jovens e crianças...Não se considera mais nada!



Para aprofundar essas e outras inquietações,o blog da ACRA apresentará a cada semana, uma parte da crônica de Lima Barreto “O homem que sabia javanês”.
A crônica escrita no contexto da velha República (1911) no Brasil,carrega humor, ironia, mobilizando o/a leitor/a e fazendo-o/a entender de forma crítica, a “ética da embromação” no Brasil dos tempos de Lima Barreto e o Brasil do nosso tempo.
Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro no dia 13 de maio de 1881.
Imaginem só!
No dia da abolição da escravatura ele completou 7(sete)anos.
Seus pais eram afrobrasileiros reféns do sistema escravista.Seu pai Joaquim Henriques de Lima Barreto, trabalhava como tipógrafo.Sua mãe Amália Augusta, era  professora primária.


Essas memórias da sociedade brasileira marcada pela ideologia racista,desigualdades sociais e as mazelas características da conduta do estamento dirigente no período escravista e pós-abolição,influenciaram decisivamente a qualidade literária,crítica e competente desse exponencial jornalista e escritor.A sociedade da “embromação" que Lima Barreto viveu,prossegue mantendo as mesmas mazelas,claro que com outros matizes contemporâneos.Mas,uma coisa temos certeza, se Lima Barreto estivesse vivo verificaria que nada mudou,infelizmente.
Afonso Henriques de Lima Barreto,esse era o nome desse carioca da “gema do ovo”.
Lima compôs suas obras com abordagens que nos aproximam do ponto de reflexão que apresentamos hoje no blog: a embromação como uma ética que atravessa os tempos regulando as relações sociais.
O homem que sabia javanês” é narrado na primeira pessoa, apresenta a história de Castelo que  encontra numa confeitaria do Rio de Janeiro, um amigo e aproveita para  contar  as embromações que ele fez para “se dar bem na vida”.
A embromação de Castelo, foi ter ministrado aulas de javanês para o Barão de Jacuecanga sem nunca ter aprendido o idioma javanês.Imaginem só quantas situações inusitadas Lima Barreto explorou para compor a trama.
Convidamos a todos/as a acompanharem semanalmente essa crônica intrigante,divertida cheia de suspense e surpresas.

Li e recomendo a todos/as.

Boa leitura!

O HOMEM QUE SABIA JAVANÊS PARTE I

Por Lima Barreto

Batik javanês sobre seda

Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver. Houve mesmo uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso.
O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo:

— Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo!

— Só assim se pode viver... Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado!


— Cansa-se; mas não é isso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático.

— Qual! Aqui mesmo, meu Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês?

— Quando? Aqui, depois que voltaste do consulado?

— Não; antes. E, por sinal, fui nomeado cônsul por isso.

— Conta lá como foi. Bebes mais cerveja?

— Bebo.

Mandamos buscar mais outra garrafa, enchemos os copos, e continuei:

— Eu tinha chegado havia pouco ao Rio e estava literalmente na miséria. Vivia fugido de casa de pensão em casa de pensão, sem saber onde e como ganhar dinheiro, quando li no Jornal do Comércio o anúncio seguinte:

"Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas etc".

Ora, disse cá comigo, está ali uma colocação que não terá muitos concorrentes; se eu capiscasse quatro palavras, ia apresentar-me. Saí do café e andei pelas ruas, sempre imaginar-me professor de javanês, ganhando dinheiro, andando de bonde e sem encontros desagradáveis com os "cadáveres". Insensivelmente dirigi-me à Biblioteca Nacional. Não sabia bem que livro iria pedir, mas entrei, entreguei o chapéu ao porteiro, recebi a senha e subi.


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Na escada, acudiu-me pedir a Grande Encyclopédie, letra J, a fim de consultar o artigo relativo a Java e à língua javanesa. Dito e feito. Fiquei sabendo, ao fim de alguns minutos, que Java era uma grande ilha do arquipélago de Sonda, colônia holandesa, e o javanês, língua aglutinante do grupo malaio-polinésio, possuía uma literatura digna de nota e escrita em caracteres derivados do velho alfabeto hindu.

A Enciclopédia dava-me indicação de trabalhos sobre a tal língua malaia e não tive dúvidas em consultar um deles. Copiei o alfabeto, a sua pronunciação figurada e saí. Andei pelas ruas, perambulando e mastigando letras.

Na minha cabeça dançavam hieróglifos; de quando em quando consultava as minhas notas; entrava nos jardins e escrevia estes calungas na areia para guardá-los bem na memória e habituar a mão a escrevê-los.

À noite, quando pude entrar em casa sem ser visto, para evitar indiscretas perguntas do encarregado, ainda continuei no quarto a engolir o meu "a-b-c" malaio, e, com tanto afinco levei o propósito que, de manhã, o sabia perfeitamente. Convenci-me de que aquela era a língua mais fácil do mundo e saí; mas não tão cedo que não me encontrasse com o encarregado dos aluguéis dos cômodos:

— Senhor Castelo, quando salda a sua conta?

Respondi-lhe então eu, com a mais encantadora esperança:

— Breve... Espere um pouco... Tenha paciência... Vou ser nomeado professor de javanês, e... Por aí o homem interrompeu-me:

— Que diabo vem a ser isso, Senhor Castelo?

Gostei da diversão e ataquei o patriotismo do homem.

— É uma língua que se fala lá pelas bandas do Timor. Sabe onde é?

Oh! alma ingênua! O homem esqueceu-se da minha dívida e disse-me com aquele falar forte dos portugueses:

— Eu cá por mim, não sei bem; mas ouvi dizer que são umas terras que temos lá para os lados de Macau. E o senhor sabe disso, Senhor Castelo?

Animado com esta saída feliz que me deu o javanês, voltei a procurar o anúncio. Lá estava ele. Resolvi animosamente propor-me ao professorado do idioma oceânico. Redigi a resposta, passei pelo Jornal e lá deixei a carta. Em seguida, voltei à biblioteca e continuei os meus estudos de javanês. Não fiz grandes progressos nesse dia, não sei se por julgar o alfabeto javanês o único saber necessário a um professor de língua malaia ou se por ter me empenhado mais na bibliografia e história literária do idioma que ia ensinar.

Ao cabo de dois dias, recebia eu uma carta para ir falar ao Doutor Manuel Felician Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, à rua Conde de Bonfim, não me recordo bem que número. É preciso não te esqueceres de que entrementes continuei estudando o meu malaio, isto é, o tal javanês. Além do alfabeto, fiquei sabendo o nome de alguns autores, também perguntar responder "como está o senhor"? e duas ou três regras de gramática, lastrado todo esse saber com vinte palavras do léxico.

Não imaginas as grandes dificuldades com que lutei para arranjar os quatrocentos réis da viagem! É mais fácil — pode ficar certo — aprender o javanês... Fui à pé. Cheguei suadíssimo; e, com maternal carinho, as anosas mangueiras, que se perfilavam em alameda diante da casa do titular, me receberam, me acolheram e me reconfortaram. Em toda minha vida, foi o único momento em que cheguei a sentir simpatia pela natureza...
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Era uma casa enorme que parecia estar deserta; estava maltratada, mas não sei por que me veio pensar que nesse mau tratamento havia mais desleixo e cansaço de viver que mesmo pobreza. Devia haver anos que não era pintada. As paredes descascavam e os beirais do telhado, daquelas telhas vidradas de outros tempos, estavam desguarnecidos aqui e ali, como dentaduras decadentes ou malcuidadas.

Olhei um pouco o jardim e vi a pujança vingativa com que a tiririca e o carrapicho tinham expulsado os tinhorões e as begônias. Os crótons continuavam, porém, a viver com a sua folhagem de cores mortiças. Bati. Custaram-me a abrir. Veio, por fim, um antigo preto africano, cujas barbas e cabelos de algodão davam à sua fisionomia uma aguda impressão de velhice, doçura e sofrimento.

Na sala, havia uma galeria de retratos: arrogantes senhores de barba em colar se perfilavam enquadrados em imensas molduras douradas, e doces perfis de senhoras, em bandós, com grandes leques, pareciam querer subir aos ares, enfunadas pelos redondos vestidos à balão; mas, daquelas velhas coisas, sobre as quais a poeira punha mais antigüidade e respeito, a que gostei mais de ver foi um belo jarrão de porcelana da China ou da Índia, como se diz.

 Aquela pureza da louça, a sua fragilidade, a ingenuidade do desenho e aquele fosco brilho de luar, diziam-me a mim que aquele objeto tinha sido feito por mãos de criança, a sonhar, para encanto dos olhos fatigados dos velhos desiludidos...

Esperei um instante o dono da casa.Tardou um pouco. Um tanto trôpego, com o lenço de alcobaça na mão, tomando veneravelmente o simonte de antanho, foi cheio de respeito que o vi chegar. Tive vontade de ir-me embora. Mesmo se não fosse ele o discípulo, era sempre um crime mistificar aquele ancião, cuja velhice trazia à tona do meu pensamento alguma coisa de augusto, de sagrado. Hesitei, mas fiquei.

— Eu sou — avancei — o professor de javanês, de que o senhor disse precisar.

— Sente-se — respondeu-me o velho. — O senhor é daqui, do Rio?

— Não, sou de Canavieiras.

— Como? — fez ele. — Fale um pouco alto, que sou surdo.

— Sou de Canavieiras, na Bahia — insisti eu.

— Onde fez os seus estudos?

— Em São Salvador.

— Em onde aprendeu o javanês? — indagou ele, com aquela teimosia peculiar aos velhos.

Não contava com essa pergunta, mas imediatamente arquitetei uma mentira. Contei-lhe que meu pai era javanês. Tripulante de uma navio mercante, viera ter à Bahia, estabelecera-se nas proximidades de Canavieiras como pescador, casara, prosperara e fora com ele que aprendi javanês.

— E ele acreditou? E o físico? — perguntou meu amigo, que até então me ouvira calado.

— Não sou — objetei — lá muito diferente de um javanês. Estes meu cabelos corridos, duros e grossos e a minha pele basané podem dar-me muito bem o aspecto de um mestiço malaio... Tu sabes bem que, entre nós, há de tudo: índios, malaios, taitianos, malgaches, guanches, atégodos. É uma comparsaria de raças e tipos de fazer inveja ao mundo inteiro.


— Bem — fez o meu amigo —, continua.


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Não perca na próxima semana o desfecho dessa  trama da embromação de Castelo.