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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

ORÁCULO O JOGO DO ANO


Opon Ifa
Imagem disponível na internet

Por Marco Aurélio Luz Elebogi

Com meu pai e Mestre Didi, Alapini Ipekun Oye, aprendi sobre a importância do jogo do ano.
Diante de algumas controvérsias que o assunto causava ele sustentou sua posição de sacerdote supremo de  preservar a tradição.
O oráculo revela o destino anual de uma comunidade terreiro ou ilê axé. Cada ilê axé possui seu destino, sua história seu contexto atual. Assim a consulta a Ifá ou ao  jogo de búzios ou erindinlogun, deve se referir a uma determinada comunidade.
Erindinlogun é composto de 16 búzios (ancestres) e mais 1, que refere-se a Exu quem dinamiza e fala pelo jogo.

Erindinlogun
Imagem disponível na Internet

Deve acontecer na exata passagem do ano, de 31 de dezembro para 1º de janeiro. Nessa passagem é que será revelado o Odu , o caminho do destino com o itan a história correspondente. Nessa história estão presentes as entidades e uma delas regerá o ano.
Juntamente com a revelação do Odu vem a determinação do ebó do ano, a oferenda de axé  que proporcionará a superação dos obstáculos e permitirá o bem estar dos que a realizarem.
Não se pode esquecer como ensinava  Mestre Didi que nós só temos essa vida e devemos vivê-la da melhor maneira possível.

                                             EKU ODUN OOOO!

domingo, 15 de dezembro de 2019

OWÔ DINHEIRO





Por Narcimária Luz


Para refletir sobre os aspectos que tratamos “self made man” e sua extensão o “homo industrialis” ,nada mais oportuno do que apelar para um conto mítico que se desdobra do universo existencial característico da ancestralidade e visão de mundo africano.Neles tradição e contemporaneidade se intercambiam,estruturando linguagens e valores do patrimônio simbólico desse continuum civilizatório.
Os contos míticos reúnem sabedorias milenares cujos princípios éticos conduzem , influenciam e atualizam o viver cotidiano das comunalidades de base africana. 
O conto que veremos a seguir é de Mestre Didi e absorve de modo extraordinário a pedagogia iniciática africana que estrutura a identidade das crianças e jovens das comunalidades africano-brasileira .
Nossos filhos costumam ser educados com os valores éticos transmitidos pelos contos e a partir deles aprendem a lidar com os valores da sociedade oficial caracterizadamente prometeica .
Há muitos anos passados, Oxalá teve um filho por nome Dinheiro, muito presunçoso e arrogante, a ponto de dizer a Oxalá, seu pai e rei, na presença de várias pessoas, que era tão poderoso quanto ele, pois era acostumado a andar com Morte e levá-la para qualquer lugar.
Para dar prova disto, um dia ele saiu pensando como poderia trazer presa de qualquer forma Morte, conforme tinha dito a Oxalá, na presença de todos do reinado.
Nisto, ocorreu-lhe a idéia de deitar-se em uma encruzilhada. Dito e feito, logo que encontrou uma, deitou-se nela, ficando quieto, aguardando o que poderia acontecer. As pessoas que passavam pela estrada e se deparavam com ele deitado ali na encruzilhada, diziam: - Chi ! como está aquele homem deitado ali, com a cabeça para a casa de Morte, os pés para a porta da Moléstia e os lados para o lugar da Desavença.
Depois de ditas estas palavras pelas pessoas que por ali passavam, e que ele se achou sozinho, levantou-se e disse ; - então “de ironia” já sei tudo o que era preciso saber e conhecer; estou com os meus planos feito. – E lá se foi ele direitinho para a casa de Morte.
Chegando na chácara dela, começou a bater nos tambores funestos de que Morte fazia uso, quando queria matar as pessoas indicadas.
Assim ele, que já estava de posse de uma rede que tinha conseguido no caminho, ficou preparado, aguardando que a morte viesse a ele para reclamar.
Dito e feito, Morte, ouvindo os sons dos tambores, chegou bastante apressada a fim de saber quem estava tocando.
Dinheiro envolveu-a na rede e levou-a ao maioral Oxalá, dizendo-lhe estas palavras :- Aqui está Morte que prometi trazer em pessoa à vossa presença.
Oxalá respondeu : - Vai-te embora com Morte e tudo de melhor que possa levar do mundo, pois tu és o causador de tudo de bem e de mal. Suma-se daqui! Leve-a e pode passar a conquistar todo o universo.
Por este motivo é que, por causa do dinheiro, todas as qualidades de crimes têm sido e continuam a ser praticadas.
Oxalá é o orixá que representa o ar e é o responsável pela criação dos seres humanos e das árvores.Está relacionado a cor branca,”(...) o axé, sangue branco... caracterizado por substâncias minerais como o giz, metais brancos, como prata e chumbo,pela seiva da palmeira igi-ope,pelo algodão,pelo sêmen ,pelos ossos e pela chuva.Pela chuva-sêmen que fertiliza e fecunda a terra regenerando-a e proporcionando o brotar das sementes.(...)Apresenta representações simbólicas de progenitura,capacidade de gerar filhos,de expandir a descendência,multiplicação dos seres tanto no aiyê como no orun.”(LUZ,1995:89_)



Oxalá possui poderes que garantem a existência e pela sua importância no panteão nagô ele merece respeito e atenção.Se for contrariado ou desrespeitado ele pode causar grandes danos tal o seu poder.
O dinheiro no mundo africano tem uma outra conotação e representação diferente do Ocidente.O “dinheiro” como modo de troca está ligado a fertilidade e a restituição. Nos antigos reinos Yorubá a moeda eram os búzios que tinham um valor inestimável, pois representam ancestralidade.
Os ornamentos de determinados orixá apresentam constelações de búzios, caracterizando expansão de linhagens sucessão de ancestralidade.
Na concepção de fertilidade está presente a idéia implícita de restituição de, morte.Assim, o poder da fertilidade e restituição andam juntas.
No conto o desafio do mais novo ao mais velho ,inclusive considerando o poder ancestral contido em Oxalá, é uma quebra de valores significativos da tradição e compromete a harmonia e coesão comunal.No conto o desafio do filho ao pai é motivado pelo grande poder de representação do Dinheiro ao qual nos referimos.
O poder do Ocidente é caracterizado pelo dinheiro e toda a onipotência que ele pode exprimir.”Na forma mercantil desenvolvida o dinheiro é o portador da síntese da sociedade.O dinheiro é o equivalente geral ‘as mercadorias,nele transcorre a unidade abstraída do mundo e se viabiliza a constituição inconsciente da sociedade,pois seu efeito sintético-social se impõe por sobre as consciências empíricas individuais.(...) O ato de troca mercantil pode ser descrito como um movimento que transcorre num tempo e num espaço contínuos e vazios, de natureza abstrata e a-histórica.(...)Nesta identificação a natureza é concebida como uma esfera dissociada da sociedade,da qual o ser humano, em tanto que sujeito seausenta.”(BARTHOLO,1986:52)
A arrogância ,o egoísmo,o poder de destruição , a desarmonia a denegação da morte as tentativas de obtenção de um poder absoluto denegando a ancestralidade o princípio de arkhé.




“Time is money,tempo é dinheiro,trabalho é dinheiro,vida é dinheiro.(...)Neste contexto,a temporalidade mecânica industrial,simbolizada pelo relógio se sacraliza e a temporalidade cósmica e sagrada das muitas lutas não tem mais espaços de existir.”(LUZ,1995:286)
O que estamos concebendo como uma ética impostergável para o futuro no contexto deste mito africano, apresenta-se como valores , linguagens,modos e formas de sociabilidade que contempla a transcendência do “. ancestral- esse pai que,mesmo morto,determina.O culto aos ancestrais responde pelo poder do pai morto.A ética,enquanto discurso da autoridade ancestral,é holística,comunitária,consubstanciando a força do grupo.” (SODRÉ,1992:11).
A ética do futuro dentro dessa dinâmica ancestral elabora e faz expandir a alteridade própria característica das condutas individuais e coletivas.
Esse princípio ético tem vigor nas formas tradicionais de sociabilidade africano-brasileira, onde o ato de educar é concebido como uma dinâmica capaz de fazer irradiar os mistérios transcendentes da vida e da morte.
Na tradição Nagô a educação consubstancia o “... poder de tornar presente a linguagem abstrato-conceitual e emocional elaborada desde as origens...Poder de tornar presentes os fatos passados,de restaurar e renovar a vida...Reconduzir e recriar todo o sistema cognitivo emocional,tanto em relação ao cosmos como em relação ‘a realidade humana.”(SANTOS,1997:4)
Não é exagero! Mas é urgente (re)afirmar que EDUCAR é repor os valores e princípios herdados e reelaborados- legado ancestral .É expansão socioexistencial da diversidade humana ,fruto de civilizações milenares que inauguraram esse território, e lutam há séculos, tenazmente para mantê-lo viável a vida. 
Aqui e agora ;tradição e contemporaneidade;cosmos e natureza; comunalidade e ancestralidade ;continuidade e expansão- RELIGARE!

Referências Bibliográficas:

BARTHOLO, Roberto. Os Labirintos do Silêncio. São Paulo :Marco Zero, 1986
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 1986
LUZ, Marco Aurélio. Agadá : Dinâmica da Civilização-Africano.Brasileira. Salvador : Edufba / Secneb, 1995
__________________Arkhé et axexé lês Communeutés Afro-Brasilenses, Revue Societés, 
Paris, nº 36 p. 179-184, 1992
LUZ, Narcimária C.P.Abebe: a Criação de Novos Valores na Educação. Salvador: 
SECNEB,2000.
________.Awasojú:Dinâmica Existencial das Diversas Contemporaneidades in Revista da FAEEBA,Salvador nº12,ps 45-74.
MAFFESOLI, Michel. O Conhecimento Comum. São Paulo : Brasiliense, 1988