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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


domingo, 24 de fevereiro de 2019

O NASCIMENTO DO ILÊ AXIPA


   Por Marco Aurélio Luz
                          
Mestre Didi Asipa Alapini Ipekun Oiye em visita ao idile Asipa em Ketu num reencontro histórico.
Foto: Disponível na Internet
                                             

                                        


Painel decorativo na entrada do ile Asipa destacando-se cetro de Obaluaiye alto relêvo de Mestre Didi.
Foto M. A. Luz

O destino e a trajetória de Deoscoredes Maximiliano dos Santos Mestre Didi Asipa Alapini o levaram nos inícios dos anos 80 a realizar um sonho que tivera quando jovem, de que seria o fundador de uma aldeia.
Agora com títulos de suma importância na tradição religiosa nagô ele também estava encarregado de zelar pela continuidade dos legados sagrados reunidos da família  idilé Asipa, os do antigo culto aos egungun no Tun Tun de seu antigo Mestre Marcos Theodorio Pimentel Alapini  incluindo o culto de Baba Olukotun, Olori Egun, o cabeça dos egungun, e os de Miguel Sant´Anna, Ojé Orepe e Zaba o mais alto sacerdote do culto a Idako da tradição Tapa Nupe. 


Baba Olukotun Olori Egun que foi trazido da África por Marcos Pimentel Alapini e seu pai Marcos O Velho
Foto disponível na Internet


Miguel Sant´Anna Oje Orepe e Zaba sacerdote supremo de Idako do culto Gunuko de origem Tapa Nupe.
Foto disponível na Internet


Inspirados na experiência de Mestre Didi então Asogba e Oje Korikowe Olukotun Olori Egun na constituição dos estatutos da Sociedade Cruz Santa do ile Ase Opo Afonja, com a participação de Marco Aurélio Luz Osi Oju Oba e Otun Elebogi, foi elaborado o estatuto do Ile Asipa, constando de um conselho superior e de diretoria.
No dia 15 de fevereiro de 1981 foi feita nova reunião quando foram aprovados os estatutos, instalado o conselho superior e eleita a diretoria da sociedade religiosa e cultural, Ilê Asipa.
O conselho superior ficou constituído dos seguintes membros:
Deoscoredes Maximiliano dos Santos – Presidente
Acyr Braz da Cunha – Vice-Presidente
Genaldo Antonio dos Santos
Marco Aurélio Luz
José Felix dos Santos
Paulo Sant’Anna Sobrinho
Henrique Sérgio Melman
Muniz Sodré de Araujo Cabral
Osmar Plinio de Souza
Na ocasião ficou estabelecido que a primeira obrigação a ser feita seria a de 14 anos de falecimento da Asipa Maria Bebiana do Espirito Santo, Mãe Senhora, Iyalorixá Oxun Muiwa Iya Nassô.



Mãe Senhora Iyalorixá Oxun Muiwa, Iya Naso da linhagem Asipa, Iyalorixá do Ase Opo Afonja e Iya Egbe do ile Agboula.
Foto: Pierre Verger disponivel na Internet


A fruta só dá no tempo” sempre dizia Mestre Didi, e havia chegado a hora. Em contato com os amigos Wolf Reiber e Cidelmo Teixeira na CONDER mapearam alguns espaços da prefeitura e foram verificar in loco.
Apresentaram uma área nas imediações da Av. Orlando Gomes,cujo acesso era uma rua de um lado o mato até um rio e de outro clubes de sargentos, yoga, funcionários da prefeitura. Após o rio, o mato de capim com chão arenoso e num pequeno relêvo muita piaçava, cajueiros, dendezeiros e cansanção. Num outro extremo também outro rio e após terrenos de plantações de posseiros.
Adiante ficava a antiga fazenda em amplo terreno da prefeitura arrendado à família Viscos de um lado, de outro uma outra fazenda de criação de gado leiteiro, essa ainda em atividade e  produção.
Entrando em contato com políticos da época depois de várias tratativas para pleitear pela doação do terreno junto ao novo prefeito.
O presidente Deoscóredes Maximiliano dos Santos Alapini empenhou-se, com a ajuda dentre outros de sua esposa Juana Elbein dos Santos e Marco Aurélio Luz, até que finalmente com as graças de Xangô e dos Egun Agba foi assinado no dia 31/01/83 a permissão de uso para o terreno pelo prefeito Renan Baleeiro juntamente com o chefe de gabinete da SEAO e duas testemunhas.


Localização do Ile Asipa
Foto M. A. Luz


 No decorrer deste tempo ocorreu a ocupação da área , a chamada invasão das Malvinas incluindo o terreno do ilê Asipa.
Somente após a desocupação e transferência dos moradores para Coutos, foi então demarcada a área do Ilê Asipá, e formalizada em certidão expedida pelo chefe da seção de bens e Imóveis da prefeitura em 19/10/83.
Poucos dias depois o terreno foi todo cercado, arcando a sociedade com as despesas de material e mão de obra, registrando - se o fato que os barrotes foram doados pela firma Melman Osório através do irmão Henrique Melman. O Alapini, Marco Aurélio Luz e Genaldo Novaes participaram do trabalho exaustivo de construção da cêrca e  que ainda contou com a colaboração do transporte dos barrotes de Eurico Elegjibe.
 Após a sacralização da área com a presença dos novos integrantes, iniciaram-se  os tempos de construções.
Primeiramente o Alapini construiu o ojubo Ilê Ibo Agan. 

Ile Ibo Agan local consagrado aos ancestrais e atrás o bambuzal de assentamento de Idako entidade do culto Gunoko de origem Tapa Nupe
Foto M. A. Luz

Mutirão dos participantes do ile Asipa na construção de taipa.
Foto Acervo M. A. Luz



Depois da casa do caseiro de taipa, vieram as construções de bloco, a de adoração dos Egungun os ancestres masculinos, as dos orixá  e o ilê nla o local das cerimônias publicas.


No relêvo mais baixo  o ile esan casa de adoração dos Egungun com colunas e parede adornadas de figuras em alto relêvo.
Foto: Acervo M.A.Luz

Elexin o cavaleiro fundador de novas cidades, Ekun o leopardo símbolo de poder e comando e odo  o pilão símbolo de transformação; adornam a fachada do ile esan.
Foto e esculturas: M. A. Luz




Ile Orixa casa de adoração aos orixa. Quarto de Xango Afonja orixa patrono, Aira, Ogodo e outros, Ode, Obaluaiye, L'Ogun Ede. Quarto das Aiya agba, Iyemoja, Oxun, Nanan, Aje, Iyansan...Quarto de Obatala. Alto relêvo de igbin de Oscar Ramos e carta O e da escultura Iwin Igi do Alapini adornam a fachada do ile orixá.
Foto M. A. Luz

Ile Nla local das cerimonias públicas
Foto M. A. Luz


A cozinha sagrada onde se processam os alimentos de acordo aos preceitos e fundamentos rituais.
Foto M. A. Luz


Foi construído um galinheiro com diversas aves ficando o Elebogi o responsável.


Awon pepeiye. 
Foto M. A. Luz 

As construções de acolhimento dos integrantes do ilê encerraram esse período.




Ile ijoiye. Casa que abriga os(as)integrantes durante as cerimônias religiosas. Vendo-se a bandeira no topo do mastro indicando o espaço sagrado. 
Foto: M. A. Luz

Com a botada do mastro da bandeira branca com o símbolo do ilê Axipa que indica o local de culto religioso da tradição afro brasileira estava inaugurado o terreiro.
Com o passar dos anos a paisagem do entorno foi se modificando, a pinguela que dava acesso ao terreiro foi substituída por uma ponte de pedestre e por fim a ponte de passagem de automóveis. Foram realizados movimentos de terraplanagem, e indenizados os posseiros para a realização do projeto Minha Casa que não foi concretizado em sua integralidade. Hoje vários condomínios integram a paisagem, a invasão das Malvinas por outro lado transformou-se no bairro da Paz.
Durante esse tempo o Ilê Asipa estabeleceu e realiza o seu calendário de cerimônias religiosas regularmente.



Primeira confirmação dos ijoye obirin no Ile Nla em 1994
Foto : M. A. Luz
  
No dia 1º de cada ano é revelado aos participantes o ebo odun de acordo com o odu.
No dia 6 são as cerimonias do festival de Baba Olukotun Olori Egun. Egungun de origem nagô yoruba trazido da África por Marcos Alapini e seu pai Marcos O Velho no século XIX. 
Nessa ocasião também é feita a cerimonia de oferenda a Idako entidade do culto Gunoco de origem Tapa Nupe.
No dia 24 de junho são as cerimonias do festival de Baba Alapala ancestral relacionado ao fogo origem das sociedades humanas.
No dia 19 de julho são as homenagens a linhagem Asipa.
No dia 2 de novembro é o festival em homenagem aos Oje sacerdotes do culto egungun. Também ocorre cerimonias em homenagem a Baba Akiola.
No dia 2 de dezembro são as cerimonias de oferendas ao Xango Afonja patrono da casa aos demais orixá. 



No dia 2 de dezembro ocorrem as comemorações do aniversário de Deoscoredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi Alapini.
Foto: Acervo M.A.Luz


Eku Odun oo.  Integrantes do ile Asipa homengeiam o aniversariante.
Foto M. A. Luz


"Baba Mogba Oga Oni Sango a nki o a nki o
Alapini ati Asogba a nki o a nki o"
Foto : Acervo M. A. Luz


Conjunto de Alabe do Ile Asipa.
Foto: Acervo M.A. Luz

 O ile Asipa se caracteriza como centro guardião e irradiador da mais lídima e excelsa tradição nagô, elo histórico fundamental do percurso de reposição da riquíssima tradição cultural da Bahia e do Brasil.



Visitantes ilustres são acolhidos no ile Asipa. Comitiva liderada pelo reitor da Universidade de Ife Wande Abimbola, Mestre Didi Asipa Alapini e Elefunde Juana Elbein dos Santos.
Foto: Acervo M.A. Luz

Odana  Dana, Iya Naso, Iyalorixá Oba tosi, da tradicional família Asipa originária de Oyo e Ketu foram fundadoras e primeiras iyalorixá do Ilê Axé  Aira Intilè depois Ilê Iya Naso. Marcelina da Silva Iyalorixá Oba Tosi , fez a iniciação de Maria Julia da Conceição Nazaré que depois fundou o Ilê Ase Iya Omi Ase Iyamase,e também de  Eugênia Ana dos Santos, Mãe Aninha fundadora do Ilê Axé Opo Afonja a Iyalorixá Oba Biyi.
Pode-se dizer que a história da tradição dos orixá na Bahia se confunde com a história da família Asipa no Brasil.

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Notas:

A linhagem Asipa, Idilé Asipa é originária de Oyo capital do antigo império yoruba /nagô. É uma das sete famílias fundadoras de Ketu. Em 1967 Mestre Didi teve um reencontro histórico em Ketu quando diante do Alaketu recitou o brasão oral de sua família: Asipa borogun elese kan gongo.

Alapini Ipekun Oye é um título originário de Oyo. Alapini detentor do título supremo. É o sacerdote que cuida dos Egungun do afin do palácio, dos ancestrais do império nagô/yotuba. Nos rituais de entronização do Alafin é fundamental a coroação de folhas de Akoko realizada pelo Alapini. No Brasil o título de Alapini foi atribuído a Marcos Pimentel quando trouxe Baba Olukotun Olori Egun o cabeça dos Egungun do mundo nagô.

Mãe Senhora Iyalorixá Osun Muiwa da família Asipa recebeu do alafin o título de Iya Naso Oyo Akalamabo Olodumare Ase Da Ade Ta.

Musica em homenagem à Mestre Didi cantada em seus aniversários. Saúda respeitosamente, a nki oo nomeando seus títulos. Baba Mogba Oga Oni Sango lhe foi outorgado pelo Alaketu rei de Ketu. Asogba sacerdote supremo do culto à Obaluaiye lhe foi outorgado por Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Adiamento homenagem a Amir Haddad

From: Universidade da Cidadania
Sent: Tuesday, February 12, 2019 4:11 PM
To: Forum de Ciência e Cultura da UFRJ
Subject: Honoris Causa para Amir Haddad
 
Prezados,
em virtude das previsões de tempo para amanhã, a solenidade de concessão do Honoris Causa para Amir Haddad, marcada para esta quarta-feira, 13/02, será adiada. 
Em breve anunciaremos a nova data.
Com nossas saudações universitárias
Universidade da Cidadania
Fórum de Ciência e Cultura
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Contatos: 
(21) 2552.1105 (ramal) 213

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Amir Haddad Doutor Honoris Causa



AMIR HADDAD 

A primeira vez que eu trabalhei com um grupo de teatro - eu sempre fui ligado a grupos de teatro, sempre fiz teatro de grupo. Eu sou fundador do Grupo Oficina, fui o fundador do grupo A Comunidade, sou o atual diretor do Tá na Rua, e fui o diretor do TUCA-Rio, o Teatro Universitário Carioca, da cidade do Rio de Janeiro. Então, toda a minha ligação de teatro sempre foi com grupo, sempre trabalhei com coletivo de trabalho, e isso é muito importante.

Mas, em nenhum dos grupos em que eu trabalhei eu tive a possibilidade que eu tive no TUCA, de trabalhar durante um ano com um grupo de atores jovens, estudantes, de uma qualidade de estudantes que é difícil se ver hoje no Brasil por causa da deterioração que a política do país sofreu,  com jovens de qualidade, ainda com a década de 60 viva dentro de cada um deles. Então eu trabalhei um ano, fazendo um curso preparatório, ali na Hípica, eu acho que era. Era na Hípica? Deu um branco... onde tinha cavalo...

E trabalhei um ano fazendo um curso que a gente chamava de "curso de direção".

Mas na verdade foi um momento precioso pra mim pra trabalhar no médio e longo prazo pra elaboração de um coletivo de trabalho e fazer um espetáculo. De fato fizemos, e culminou com O Coronel de Macambira, com esses atores todos que de alguma maneira passaram por minhas mãos durante esse ano e outros, que se agregaram depois. Então, essa foi uma coisa muito importante porque geralmente o teatro profissional não te oferece essas condições de trabalho. Você faz dentro de um limite. Apesar de eu ser ainda muito jovem eu já sentia a pressão de trabalhar dentro de um prazo limitado.

Então pra mim foi um começo de uma nova coisa, trabalhar com esse grupo durante um ano. Outra coisa também que eu gosto de lembrar é que na época, e eu acho que sempre devia ser assim, se pensava muito num teatro universitário. Era possível se pensar num teatro universitário porque a gente ainda estava perto dos melhores momentos da vida brasileira, da utopia brasileira, de uma Universidade importante. Então, era inevitável que esses universitários, além das suas atividades curriculares, devessem ter a vida cultural na escola, mas fora do currículo.

TUCA: O Coronel de Macambira 
Foto: Acervo TUCA

Então pensava-se muito no teatro Universitário. E o teatro universitário também era uma possibilidade de sair da pressão de um teatro profissional empresarial, que sempre foi muito limitador de qualquer criatividade.

Então na época o teatro universitário aparecia como uma possibilidade de investigação, de liberdade, de não estar sujeito às regras - ainda incipientes daquela época do mercado -, mas muito determinantes de tudo o que se queria fazer.

Então, trabalhar num teatro universitário, trabalhar com universitários de um Brasil melhor que o de hoje durante um ano pra fazer um espetáculo foi uma coisa, é uma coisa enriquecedora e se manteve até hoje a mística desse trabalho. Porque não foram alguns 2 meses de trabalho para montar uma peça e pronto. Foi um investimento. Era um pensamento. Havia uma estrutura de pensamento político, filosófico, por trás daquilo que se estava fazendo.

Eu tive a sorte de participar de um acontecimento politicamente, artisticamente importante.

Eu nunca tive uma produção tão boa como a que eu tive quando eu fui fazer o Coronel de Macambira com o TUCA-Rio. Eu fui escorado por uma produção, escorado ideologicamente, escorado até financeiramente, porque nunca deixei de fazer um efeito ou um figurino no espetáculo no espetáculo porque diziam "não tem dinheiro", nunca deixei de fazer uma sandália para um ator porque diziam "não tem dinheiro". Nunca deixamos de fazer uma música e pensar como essa música vai ser cantada ou dançada, "não, isso não pode porque não tem dinheiro". Eu não me lembro de falarmos isso em nenhum momento do TUCA.

Também não me lembro em nenhum momento de falar "estamos cheios de dinheiro". Não estou dizendo que era uma coisa rica, que era o Oscar Ornstein da época, que era o produtor do Copacabana Palace que fazia comédias agradáveis para os frequentadores do Copacabana Palace. Não era isso.

Mas nunca me senti pressionado, pressionado de nenhuma maneira. Sempre as coisas eram discutidas, conversadas, eu não me lembro de nenhuma tensão durante esse período. Certamente elas podem ter havido, certamente eu possa tê-las esquecido. Mas eu acho que as que houveram mais fortes não chegaram até mim. Então, pensar que eu pude trabalhar com essa liberdade, é muito interessante. É muito interessante.

E não é inútil falar isso porque se você puder lembrar comigo a coisa do espetáculo do Coronel de Macambira, vai se perceber que tem ali nesse espetáculo tudo o que eu pensava fazer e tudo o que eu fiz e venho fazendo até hoje. Hoje meu teatro foi pros espaços abertos, foi pras ruas, eu fui em busca dessa possibilidade pública da manifestação artística, tanto de quem faz como de quem recebe. Mas o Coronel de Macambira já era isso. O cenário do Coronel de Macambira era uma grande praça, um grande círculo com ruas que chegavam até esse círculo que era a praça. E a vida desfilava por esses locais. Então, ali já estava o que viria a ser a síntese do meu trabalho em todos os anos que se seguiram.

Depois que saí de lá eu fiquei muito enfurnado dentro dos palcos. Eu só fui sair pra rua verdadeiramente no início da década de 80. Mas quando eu olho pra trás e penso no espetáculo O Coronel de Macambira eu vejo que a rua estava naquele palco, que o espaço aberto estava naquele palco, que a manifestação artística de qualidade estava ligada - profundamente ligada - ao fluxo de pensamento e conhecimento popular que é permanente em todas as sociedades e que de vez em quando vem à tona.

Eu queria trazer à tona, trouxe à tona esse fluxo, no meu trabalho, que eu faço até hoje na minha vida. Mas quando eu comecei com O Coronel de Macambira já estava ali tudo o que eu queria ser. Tudo o que eu queria ser e tudo o que eu sou agora. Aí então é que eu penso naquela serpente que a gente vê no desenho: a serpente mordendo o próprio rabo. A unicidade das coisas. Eu agora, 50 anos depois, eu me sinto dessa maneira, a serpente mordendo o próprio rabo, o começo e o fim juntos, uma coisa só, é uma unicidade muito grande. Então, pra mim, fazendo o que eu faço hoje, com essa unicidade que o meu trabalho adquiriu, com essa serpente que segura o próprio rabo, com essa cabeça e o rabo que são unidos hoje, eu me percebo no TUCA-Rio hoje. Hoje. É tão atual, tão presente pra mim quanto qualquer outro passado da minha vida e do meu trabalho, unidos por essa - eu não sei nem dar o nome a isso - por essa tendência do meu trabalho. Eu acho também que é uma felicidade enorme uma pessoa poder trabalhar a vida inteira como eu trabalhei e chegar a essa altura da minha vida e sentir que as coisas se ligam. Que o começo se liga ao fim, e o fim se liga ao começo, e é uma permanente rotatividade do mesmo saber, do mesmo tempo, do mesmo querer, da mesma vontade. Então, eu estou numa integridade muito grande. E quando vem a oportunidade de se comemorar os 50 anos do TUCA vem também o coroamento dessa unicidade que eu estou finalmente vivendo, quando eu estou chegando aos 80 anos de idade.

Então, eu estou feliz. A minha cobra está mordendo o próprio rabo. Tudo está em movimento: presente, passado, futuro são todos uma coisa só, ligadas por um trabalho, um pensamento. Um trabalho, um pensamento, uma ideia de vida que já estavam inteiras, vivas dentro do Coronel de Macambira, com a movimentação, o canto, a dança e as músicas - maravilhosas - que o Sérgio Ricardo fez especialmente para esse espetáculo. Então, está tudo vivo dentro de mim. Não é passado, não é presente, não é futuro. É passado, presente e futuro. A cobra morde o rabo.

Estou satisfeito de estar fazendo isso, satisfeito também de estar declarando isso publicamente para quem quiser, pra quando vier alguém consultar as coisas ver o que está aí dentro.

Não há nada melhor do que você viver sua vida e chegar a um momento em que um amigo meu me perguntou:
- Então, como é? Está avançando muito?
- Meu amigo, eu não avanço mais. Não estou avançando mais. Pra mim, avançar não é isso. Não avanço mais porque o ciclo do meu saber está vivo dentro de mim eternamente em movimento, mas não é um avanço porque eu não estou no tempo, estou fora do tempo, do tempo convencional. Eu estou em uma dobra do tempo, onde o presente, o passado e o futuro se encontram, e não há avanço possível, há crescimento pra todos os lados.

Estou na minha integridade possível agora, neste momento, pra fazer essa festa, homenagem, comemoração, dos 50 anos do TUCA-Rio, dando finalmente ao público 35 melodias inéditas desse cidadão brasileiro ímpar que é o Sérgio Ricardo e cujas melodias foram compostas especialmente para o Coronel de Macambira e que por que cargas d'águas - não se saberá nunca - ficaram inéditas até hoje. Eu acho que elas ficaram inéditas até hoje pra que a gente possa fazer essa festa maravilhosa de apresentá-las durante o aniversário do TUCA-Rio.

E pra que eu possa mais uma ver sentir o sangue, o vibração, a energia, passando pelo corpo da minha cobra que morde o próprio rabo. As 35 melodias do Sérgio Ricardo esperaram publicidade pra fechar esse momento maravilhoso da minha vida. Acho que foi por isso que elas ficaram inéditas e não estarão mais a partir de agora.

FONTE: Acervo TUCA