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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


domingo, 30 de setembro de 2012

"O BRASIL É UM LABORATÓRIO VIVO DA PÓS-MODERNIDADE"



Encontramos no Portal Nominuto um entrevista interessante com o expoente pensador francês Michel Maffesoli,em que ele aborda a pós-modernidade e identifica o Brasil como um rico manancial da dinâmica societal pós-moderna.A entrevista foi realizada em 09/09/2007 e contou com a colaboração de Geider Henrique Xavier.
"Ele é um dos intelectuais mais influentes no meio acadêmico brasileiro e um pensador fundamental quando o assunto é pós-modernidade. Estudando fenômenos como raves e internet, desenvolveu conceitos como da sociedade comunitária e tribal, em contraponto aos modelos de sociedade dominantes.
O francês Michel Maffesoli esteve em Natal, para participar de um Simpósio, a convite do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. Numa entrevista exclusiva ao portal Nominuto, ele fala sobre temas centrais de seu pensamento, política na América do Sul e explica por que o Brasil é, para ele, um "laboratório da pós-modernidade'."(http://www.nominuto.com/noticias/entrevistas/maffesoli-o-brasil-e-um-laboratorio-vivo-da-pos-modernidade/26972/)

Boa leitura!

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Nominuto.com - O senhor está inscrito numa corrente de pensadores franceses que surge após o Maio de 68. Nomes como Gilles Deleuze, Jean Baudrillard, Edgard Morin, Felix Guattari ajudaram a compor um retrato do que convencionamos chamar de pós-modernidade, na segunda metade do século 20. Como o senhor vê sua obra frente à desses nomes?


Michel Maffesoli - Bem, sou de uma geração posterior a essa. E devo muito à obra de Morin, de Deleuze e de Baudrillard e muito de meu pensamento, não tudo, deve-se também ao trabalho deles. Por exemplo, no que concerne a Edgar Morin, a sua análise da sociedade complexa e da complexidade me parece que define bem a pós-modernidade. Com relação a Baudrillard, é um pensador bastante incômodo, mas que traz novidades. E o que ele escreveu vem justamente romper com a idéia de modernidade. E em Deleuze, me interessa muito o que ele diz sobre a filosofia da vida e sobre o barroco.


NM - Um dos pontos centrais de sua obra é a análise do cotidiano, daí partiram suas observações sobre o fenômeno das tribos, por exemplo. Aqui em Natal, o senhor proferiu uma palestra sobre o que considera um 'reencantamento' do mundo. Como o senhor define essa visão de reencantamento na contemporaneidade?


MM - A modernidade representou uma dominação da razão. Em contraparte, a pós-modernidade representou o retorno de um pluralidade, ou seja, também um retorno da emoção, da 'magia', da afetividade. Enfim, uma volta do que se perdeu na modernidade, que tentou racionalizar todos esses aspectos.

NM - Então no caso seria essa crítica que o senhor faz aos estudiosos marxistas nas ciências sociais?


MM - Não faço uma crítica unicamente aos marxistas. Faço uma crítica aos marxistas e aos positivistas. Pois tanto uns quanto os outros, continuam presos ao esquema analítico do século 19. O legado desse esquema analítico é o racionalismo. Mas não quero fazer só uma crítica da razão e do racionalismo. Quero completar a razão com o sensível. Inclusive tenho um livro, que foi traduzido no Brasil, chamado Lógica da Razão Sensível. Então o que prego é a introdução do sensível, dentro desse sistema racional.


NM - Falando um pouco de política, na América Latina, vê-se uma domínio das forças de esquerda, em vários países - notadamente na América do Sul. Na França, em contraponto, houve uma guinada à direita, com a eleição de Sarkozy. Sendo alguém que está em constante contato com o Brasil, como o senhor enxerga esse movimento popular que levou as esquerdas ao poder, por aqui?


MM - Eu falava, durante uma mesa-redonda na universidade, que tive uma discussão pessoal com Chavez. E acho que não se pode falar daquele homem e de socialismo. E não quero falar sobre Lula, mas o PT no Brasil não tem uma dimensão socialista. Por outro lado - e isso o que é mais interessante - é que a tendência é uma tendência do populismo. Mas, o populismo não é ser necessariamente pejorativa. É a volta do povo, que não quer mais ser governado de cima para baixo. E também, em meu entendimento, a América Latina e, sobretudo, o Brasil representam um laboratório vivo da pós-modernidade. É um fenômeno que rotulo de 'a volta do povo'. Pode-se dizer que, na França, o sucesso de Sarkozy é um sucesso do populismo contra o sistema político habitual. E a oponente de Sarkozy, Ségolène Royale, era também populista - e contra o Partido Socialista. Então a tendência mundial é a volta do povo.


 

NM - Mas o senhor considera que essa 'volta do povo' dá-se de maneira crítica, ou pode-se falar mais uma vez do uso político, pode-se falar desse povo como massa de manobra?


MM - É claro que há alguma manipulação, e não se trata de ser ingênuo sobre isso. Mas isso não me interessa, me interessa o que há como pano de fundo disso. Esse populismo, no fundo, é uma desconfiança contra aquele poder que vem de cima. Contra os políticos, contra os intelectuais e contra os jornalistas. Eis as três desconfianças importantes: os políticos, os universitários e os jornalistas é que faziam a opinião na modernidade. E o que se percebe na Europa é uma crescente desconfiança contra essas categorias. Para mim, essa é uma das formas da pós-modernidade.


NM - Uma de suas teorias fala da suplantação do homo faber pelo homo aestethicus. Como se identifica, na sociedade, esse homo estethicus?


MM - O que eu chamo de homo estethicus é o que Morin classifica como homem demens e Huizinga, como homo ludens. Todas essas terminações na verdade significam que, para o homem, não é simplesmente o trabalho que representa a realização de si. Como podemos ver em outras épocas históricas, como na Renascença, no Quatrocentto e no Trecentto, a cultura, o hedonismo e o corpo é que são importantes. Empiricamente podemos observar que a pós-modernidade é assim. E, mais uma vez, o Brasil é um exemplo disso. Essa dimensão hedonista, corporal e sensível. É isso que chamo de homo estheticus. E, etimologicamente, estético quer dizer provar as emoções misturadas. É o que falei, sobre o retorno das emoções.


Imagem disponível em
http://www.capoeira.jex.com.br/eventos/samba+do+reconcavo


NM - No meio acadêmico brasileiro, é célebre a discussão que o senhor travou com o historiador Sérgio Paulo Rouanet sobre essa questão da pós-modernidade. E o que Rouanet defende é que esses traços que o senhor enxerga não são suficientes para ocasionar a 'ruptura' que sinaliza a pós-modernidade. Por que o senhor considera que justamente o Brasil reúne essas características do pós-moderno?



MM - Primeiro, gostaria de dizer que respeito o Rouanet. Humanisticamente e intelectualmente ele é um grande intelectual. É uma pessoa tolerante, com quem se pode travar uma discussão. No debate que travamos, ele representa essa característica do racionalismo moderno. E eu tento demonstrar a crítica da pós-modernidade. Acho que o Brasil não é o único, mas é um dos países onde os valores pós-modernos são importantes. Dei uma entrevista a um jornal brasileiro de Sociologia, onde eles me perguntaram também quais eram as características da pós-modernidade. Respondi que é justamente a importância do corpo, a mestiçagem e a imaginação. O que permite uma forma de criatividade social. Eis para mim as características da pós-modernidade. E porque acho que o Brasil é um desses países... Ao mesmo tempo, e se vê isso também na França, os intelectuais brasileiros continuam presos ao esquema moderno. Eu digo isso com prudência (risos), mas aí tem um problema. Para todos (risos).


NM - Um pensador brasileiro que o senhor considera importante é o Gilberto Freyre, que na sua opinião enxergou esse caráter múltiplo do Brasil. E, no nosso meio acadêmico, as idéias do senhor estão cada vez mais difundidas, vários de seus livros já foram traduzidos aqui e muitos doutores foram seus alunos. Hoje, que estudiosos brasileiros apresentam essa visão pós-moderna do Brasil?


MM - Eu diria que Juremir Machado, o próprio professor Alípio de Sousa, da UFRN... Um outro nome é Muniz Sodré, que hoje é diretor da Biblioteca Nacional. Como eu, eles partiram do marxismo, passaram por Baudrillard e têm uma visão bastante crítica da sociedade brasileira.

NM - Em oposição ao que os modernos apresentam como visão otimista do mundo, o senhor oferece uma visão 'generosa' do mundo. Que visão seria essa?


MM - Poderia resumir com uma frase: 'A vida talvez não valha nada. Mas nada vale tanto quanto a vida.' Essa minha posição é um posição empírica. É anterior à teoria. Retomo uma idéia de Nietzsche, e afirmo a 'vontade de viver'. É claro que há uma imposição econômica, que há uma imposição moral, que pesam sobre a vida. Mas, apesar disso, apesar de tudo (risos), tem a vida. Eu me inspiro na posição de Galileu: "No entanto, gira". Digo: "No entanto, vive". Galileu foi condenado pelo clero do momento. Pelos 'marxistas' do momento. Eu tento mostrar que além das condenações marxista e positivista, tem o vitalismo, tem a 'generosidade', e que tudo é maravilha. E que, apesar de tudo, há vida. Voilà.

A SÍNDROME DE MAIA (OU A PELEJA DOS "PRETOS FEDIDOS" CONTRA OS DE FINA ESTAMPA)

Por Luiz Antonio Simas


De onde menos se espera, já dizia o Barão de Itararé, é que não vem nada que preste. Lembrei disso quando soube que Wolf Maia, diretor da novela global Fina Estampa, com elenco predominantemente branco (parece que tem uns crioulos representando moradores de comunidades), foi condenado em junho último por crime de racismo. Maia, que está recorrendo da condenação, se referiu a um funcionário negro de um teatro de Campinas nos seguintes termos: "me colocaram um preto fedorento que saiu do esgoto com mal de Parkinson para operar o canhão de luz..." ( http://www.estadao.com.br/noticias/geral,wolf-maia-e-condenado-por-racismo,730202,0.htm )
O caso não me surpreende. Está na ordem do dia, sobretudo entre certos segmentos da classe média alta e das elites endinheiradas do país, manifestar uma pedante aversão ao povo brasileiro. Chamei isso certa feita de "Mal de Neuendorf". Explico. Kevin Neuendorf, para quem não se lembra, foi o chefe da delegação dos Estados Unidos durante os jogos panamericanos de 2007, realizados no Rio de Janeiro. O Mister Neuendorf chocou muita gente ao aparecer para uma entrevista coletiva com um cartaz onde se lia: "Welcome to Congo". Alguns brasileiros ficaram profundamente ofendidos com o gringo que, cheio de arrogância, nos comparou ao país da África.
Escrevi na ocasião um texto em que, provocativamente, concordei com o mister e afirmei que somos de fato o Congo. Alguns acontecimentos recentes, feito esse caso Wolf Maia, apenas escancaram a existência de uma elite preconceituosa, nefasta, assustadoramente moralista e potencialmente fascista. É por isso que retomo e desenvolvo alguns argumentos que utilizei à época para afirmar, aos que sofrem do Mal de Neuendorf (ou Síndrome de Wolf Maia, se preferirem), que os brasileiros, pretos fedidos, somos Congo mesmo. Com muito orgulho.


Somos porque vieram de lá, da região do Congo-Angola, só no século XVII, cerca de 700 mil africanos para trabalhar nas lavouras e minas do Brasil Colonial. Nós, os brasileiros, somos, portanto, congos. Somos também jalofos, bamuns, mandingas, bijagós, fantes, achantis, gãs, fons, guns, baribas, gurúnsis, quetos, ondos, ijexás, ijebus, oiós, ibadãs, benins, hauçás, nupês, ibos, ijós, calabaris, teques, iacas, anzicos, andongos, songos, pendes, lenges, ovimbundos, ovambos, macuas, mangajas e cheuas.
Todos estes acima mencionados são grupos de africanos que chegaram nessas praias com seus valores, conjuntos de crenças, costumes e línguas - culturas, enfim - para, ao lado de minhotos, beirões, alentejanos, algarvios, transmontanos, açorianos, madeirenses e milhares de comunidades ameríndias, civilizar o Brasil.
O caso é que agora está rolando uma certa moda - que faz a alegria dos descolados iconoclastas e dos apóstolos do liberalismo mais tacanho - de atribuir aos próprios africanos a responsabilidade sobre a escravidão. Todo mundo palpita sobre a história da África, mete o bedelho sem conhecimento de causa e, nesse rame-rame, tem gente dizendo que nós nunca fomos racistas e que Monteiro Lobato comparava Tia Nastácia a uma macaca beiçuda por uma questão de afeto. Sugiro que esses papudos leiam Silvio Romero e Oliveira Vianna, dois intelectuais respeitados em antanhos.
Silvio Romero, ao refletir sobre o problema brasileiro no início do século passado, sugeriu que a única salvação do país era torcer para que a miscigenação se fosse processando com o aumento contínuo do sangue branco. Chegou a profetizar que (se a miscigenação fosse estimulada) a superioridade do sangue branco prevaleceria e no ano 2000 não haveria mais traços negróides no nosso povo. Clarear o brasileiro, eis a solução do nobre intelectual.
Oliveira Vianna, por sua vez, escreveu um livro outrora muito respeitado, que apaixonou gerações de leitores, chamado Evolução do povo brasileiro. Segundo este autor, a salvação possível do Brasil era a nação embranquecida. Para ele, a imigração européia, a fecundidade dos brancos , maior do que a das raças inferiores (negros e índios ), e a preponderância de cruzamentos felizes, nos quais os filhos de casais mistos herdariam as características superiores do pai ou da mãe branca, garantiam um futuro brilhante e branquelo ao Brasil.
A irresponsabilidade de reacionários rancorosos e embusteiros intelectuais escancara a existência de brasileiros que sentem verdadeiro nojo do nosso povo, execram o Brasil e guardam no fundo de suas almas o acalentado sonho que Romero e Vianna ousaram expressar. São aqueles que nutrem verdadeiro pânico de lembrar que vivem num país mestiço, em larga medida civilizado pela África e dotado da cultura mais rica e múltipla que o mundo conhece.



São brasileiros que marcharam com Deus pela liberdade em 1964, mandam os filhos para intercâmbios nos EUA, Austrália e Europa em busca de valores supostamente civilizados, vivem encastelados em condomínios luxuosos, acham que a empregada doméstica deve vestir uniforme branco e subir pelo elevador de serviço, não gostam de pretos, botam fogo em índios, não respeitam as religiosidades afro-ameríndias, dizem que samba é coisa de gentinha, frequentam compulsivamente shoppings centers, gastam num jantar o que pagam em um mês para os empregados, vibram quando a polícia executa moradores de favelas e criam filhos enfurecidos e preconceituosos que saem de noitadas em boates da moda para surrar pobres, gays e garotas de programa nas esquinas das grandes cidades.
Essa gente não se conforma com o Brasil que vive nos maracatus, nos moçambiques, na taieira, na folia de são Benedito, no candomblé de angola, nas cavalhadas, no terno-de-congo, no batuque do jongo e na dança do semba.
Somos os pretos fedidos que tanto irritam os Wolf Maia. E somos porque batemos tambor, batemos cabeça, dançamos e rezamos como os do lado de lá da Calunga Grande, o mar dos tumbeiros, sepultura de tantos.
Somos o Congo e somos a África porque somos o país de Zumbi, Licutam, Ganga- Zumba, Luiza Mahin, Bamboxe Obitiku , Felisberto Benzinho, Cipriano de Ogum, Leônidas da Silva, João da Baiana, Donga , Pixinguinha, Candeia, Mãe Senhora, Mãe Aninha, Tata Fomutinho, João Candido, Osvaldão, Marighela, Martiniano do Bomfim, Solano Trindade, Silas de Oliveira e de tantos outros heróis civilizadores.
Urge afirmar, contra os preconceitos mais mesquinhos dos de fina estampa, o Brasil que acalentamos - o nosso Congo Ameríndio de macaias, aldeias, botequins, ocas, sambas, calundus, jongos e portugueses fados. Com a proteção de Zambiapungo, de todos os inkices de Angola e dos ancestrais do samba.



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Luiz Antonio Simas nasceu no dia de finados de 1967 e é Império Serrano.É mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor de História do ensino médio. É considerado um dos profissionais mais importantes do Rio de Janeiro em sua área de atuação. Publicou em parceria com o caricaturista Cássio Loredano, o livro O vidente míope, sobre o desenhista carioca J. Carlos, indicado pela Revista de História da Biblioteca Nacional como uma das publicações mais relevantes da área no ano de 2007. Desenvolve pesquisas sobre a cultura popular carioca, mais especificamente nos campos do futebol e da música popular. Foi o responsávelpela pesquisa da exposição Todas as Copas, evento realizado no Brasil e nos Estados Unidos durante a Copa do Mundo de 1994. Seu trabalho foi considerado pela FIFA como um dos mais completos levantamentos já realizados sobre a história dos mundiais de futebol. É atualmente consultor da área de carnaval do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
Texto extraído de. http://www.record.com.br/autor_sobre.asp?id_autor=5619

sábado, 8 de setembro de 2012

CONFERÊNCIA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS TRAJETÓRIAS E DESAFIOS



CONVITE


O Departamento de Educação do Campus I através do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade e a Linha de Pesquisa Processos Civilizatórios: Educação, Memória e Pluralidade Cultural, convida para a conferência com a Professora Doutora Nilma Lino Gomes.
A Professora é Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Doutora em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo, Pós-Doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professora do Departamento de Administração Escolar da Universidade Federal de Minas Gerais, Coordenadora-geral do Programa Ações Afirmativas na UFMG e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Ações Afirmativas (NERA) e Membro Titular do Conselho Nacional de Educação.

ANOTE:
Dia: 13 de setembro de 2012(quinta-feira)

Horário:18 horas

Local: Auditório Professor Jurandir Oliveira

Departamento de Educação do Campus I,

Rua Silveira Martins, 2555 Cabula, Salvador, BA

Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

REALIZAÇÃO:

Linha 1: Processos Civilizatórios: Educação, Memória e Pluralidade Cultural
Organização e Coordenação:

PROGRAMA DESCOLONIZAÇÃO E EDUCAÇÃO-PRODESE

Grupo de Pesquisa Experiências, Memórias e Trajetórias de Populações Negras

CULTURA NEGRA NA ESCOLA

Entrevista com Nilma Lino Gomes

 “Na sociedade e na escola brasileira – da Educação Básica ao Ensino Superior – os docentes conseguem, muitas vezes, ficar indignados diante do racismo, porém, continuam imóveis. Essa é uma das maneiras por meio das quais o mito da democracia racial opera em nossa sociedade”, diz a professora da Faculdade de Edu­cação da UFMG e coordenadora-geral do Programa Ações Afirmativas na UFMG, Nilma Lino Gomes. Nesta entrevista a Revista Dimensão na Escola(Ano II - n.8 - setembro/outubro 2008 - ISSN 1981-7037)ela fala da importância da Lei Federal que torna obrigatório o ensino de História e cultura africana e afro-brasileira na Educação Básica.


Qual a importância da Lei Federal 10.639/03?

NLG-A lei é importante em vários aspectos. O primeiro ponto é que se trata de uma alteração da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que inclui artigos ligados à obrigatoriedade do ensino de História e cul¬tura africana e afro-brasileira. Dessa forma, a Lei 10.639/03, que acaba de ser alterada para 11.645/08 (devido à inclusão da temática indígena), é uma lei nacional e por isso deve ser cumprida em todas as escolas públicas e privadas da Educação Básica do País. O segundo ponto é que essa Lei é uma medida de ação afirmativa. Ela é fruto da ação histórica do Movimento Negro e sua pressão em relação ao Estado. Antes mesmo de a Lei existir, várias ações nesse sentido já eram realizadas em diferentes partes do País, porém, como iniciativas isoladas do Movimento Negro ou de intelectuais interessados no tema. A Lei 10.639/03 é o reconhecimento do direito à diferença.

A Lei tem conseguido abrir o debate sobre a questão racial na educação?

NLG-Aos poucos, os educadores e as edu-cadoras vão compreendendo que discutir a questão africana e afro-brasileira de maneira crítica, séria e pedagógica é um dever de todo e qualquer educador e não somente uma pauta de luta do Movimento Negro. Ou seja, a questão racial atinge a todos nós, independentemente do nosso pertencimento étnico-racial. E se desejamos construir uma escola e uma sociedade mais democráticas te¬mos que nos posicionar na luta contra o racismo e contribuir para a supera-ção de estereótipos e preconceitos raciais. É uma questão de cidadania, mas não de uma cidadania abstrata. Eu diria que é uma cidadania multi¬cultural. Algo que no Brasil ainda tem sido muito pouco discutido.

E como tem sido a experiên¬cia na formação inicial e continuada de professores?

NLG-Acho que na formação continuada temos mais experiências interessantes. Lamentavelmente, na formação inicial, nos cursos de Pedagogia e Licenciatura e também nos Bacharelados, encontramos inúmeras resistências à inclusão da discussão sobre a África (de maneira crítica) e a questão afro-brasileira. De modo geral, tais discussões ainda ficam restritas às disciplinas optativas, ministradas pelos docentes interessados no tema. A África e a questão racial brasileira continuam invisíveis na grande maioria das grades curriculares dos cursos de graduação e pós-graduação, sobretudo na área da educação. Se somarmos a isso a questão de gênero e geracional, teremos um quadro ainda mais grave.

Por que as escolas de Educação Básica têm dificuldades para aplicar a Lei?

NLG-Os motivos são vários. Eu poderia destacar alguns. Acho que as escolas, assim como a sociedade, vivem sob a égide do mito da democracia racial. Essa crença de que vivemos relações raciais harmoniosas, de que a miscigenação brasileira resolveu os problemas raciais no Brasil é algo terrível! Ela desvia o nosso olhar das sérias conseqüências do racismo na nossa vida e embota o entendimento das pessoas. O currículo, os livros didáticos e a própria política educacional expressam de várias formas esse mito e ele ajuda a construir resistências ao debate, à discussão e à implementação de práticas pedagógicas voltadas para a diversidade étnico-racial. O que sabemos sobre a África? E sobre o negro brasileiro, suas histórias, suas lutas e conquistas? É forte ainda a presença de imagens estereotipadas e opiniões coladas no senso comum. As pessoas lêem pouco sobre o tema e repetem várias distorções do assunto realizadas pela mídia brasileira. Há também o desconhecimento do tema, o que acarreta dificuldades na implementação da Lei. Por isso, o investimento na formação inicial e continuada de professores é importante.

Mas a diversidade cultural e étnico-racial brasileira ainda não se tornou um dos eixos orienta¬dores das políticas, das práticas e dos currículos, não é?

NLG-A Lei 10.639/03 é um passo importante nesse sentido, mas para que ela realmente desencadeie uma política educacional efetiva há um longo caminho a percorrer. E para que o resultado desse percurso seja positivo é necessário que se criem condições concretas para tal. Penso que deveria haver maior preocupação pública e institucional do MEC, das secretarias estaduais e municipais de educação de todo o país em relação à superação de práticas preconceituosas, visões negativas do negro e de outros grupos étnico-raciais. E deveria haver maior inserção de uma discussão que privilegie a visão positiva e afirmativa sobre a história e cultura afro-brasileira e africana. Para isso precisamos de financiamento, formação inicial e continuada, material didático-pedagó-gico, pesquisas e monitoramento das ações. É preciso também criar espaços de formação em serviço, no interior da escola, para que os docentes discutam coletivamente e pensem ações, projetos e estratégias pedagógicas conjuntas. O trabalho com a diversidade cultural e étnico-racial não se faz no isolamento.

Na sua avaliação, estão sendo produzidos materiais que contribuem para o ensino da cultura negra e da história da África?

NLG-Sim, aos poucos esses materiais vêm sendo produzidos tanto por parte do público quanto do privado. Digo isso porque, além do Ministério da Educação e de ações de secretarias municipais e estaduais, a iniciativa privada começa a investir também. Mas ainda é muito pouco, se comparado com a necessidade e com a demanda. E nem todo material é de boa qualidade. É preciso avaliar com calma e criticidade.

Há experiências bem sucedidas nas escolas de Educação Básica?

NLG-Não temos ainda um mapeamento sistemático dessas ações. Pela minha experiência, vejo que os trabalhos bem sucedidos dizem respeito mais aos processos de formação continuada. Eles acabam sendo experiências individuais de docentes ou coletivos de educadores interessados no tema, ou articulações entre algumas secretarias de educação, a universidade, a gestão da escola e professores e professoras. Há projetos de trabalho que articulam ações com alunos, comunidade e movimentos sociais, mas são pouco conhecidos. Por isso, agora é o momento de começarmos a pesquisar mais e avaliar as ações pedagógicas em sala de aula, os projetos pedagógicos interdisciplinares que vêm sendo desenvolvidos e o impacto desse processo na formação dos alunos. Embora a Lei seja recente, já é hora de começarmos a pensar nesse aspecto.

Que sugestões você daria aos professores?

NLG-Acho que os docentes deveriam entender o caráter da Lei 10.639/03 e aproveitar esse momento político e pedagógico que vivemos para se indagarem sobre qual tem sido a sua postura diante da questão racial na escola e na sociedade. A discussão crítica e pedagógica da questão racial e africana na escola é um direito. E, enquanto tal, deve ser garantida. Já é hora de os educadores superarem o discurso de que o negro é discriminado somente porque é pobre e de que as políticas universais atingem igualmente negros e brancos. É preciso conhecer as pesquisas que nos ajudam a compreender melhor essa situação. Se não tivermos ações afirmativas sérias no Brasil, as desigualdades raciais e o racismo se arrastarão ainda por muitos anos. Outra sugestão é conhecer mais as lutas, os avanços, a resistência negra no Brasil. É importante também conhecer a História da África sob o prisma dos africanos e não somente dos colonizadores ou neocolonizadores. Há muita riqueza, sabedoria, beleza a descobrir. Não temos somente uma história de pobreza, racismo, colonização e desigualdades quando falamos sobre o negro brasileiro e sobre a África. É preciso equilibrar a discussão com a denúncia do racismo (esse ponto nunca deverá sair da nossa pauta!) e as vitórias e conquistas. O povo africano e os negros brasileiros devem ser tratados, na educação, na sua dimensão histórica, política, cultural e social. O conteúdo da Lei e suas diretrizes curriculares nacionais devem ser entendidos como constituintes da nossa formação pedagógica e escolar, e não como uma questão à parte. A história do negro brasileiro faz parte da história do Brasil, e a história da África faz parte da história do mundo. Não podemos mais passar pela educação básica e pela universidade sem compreender essas questões.

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