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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 10 de abril de 2010


EM BUSCA DE RECONHECIMENTO

A ACRA apresenta essa semana algumas reflexões desenvolvidas por Marcos Terena uma importante liderança indígena,colaborador e incentivador de muitas das iniciativas do PRODESE- Programa Descolonização e Educação da UNEB coordenado pela Professora Narcimária C. P. Luz. Essa entrevista que inserimos no blog ACRA foi gentilmente cedida pela jornalista Maysa Provedello a Revista SEMENTES Caderno de Pesquisa publicação organizada pelo PRODESE em 2005.

DA ALDEIA AO PALANQUE

Nascido na aldeia de Taunay, na zona pantaneira do Mato Grosso do Sul, Marcos Terena é um raro exemplo de indígena que conseguiu se alçar a um posto de destaque na sociedade dos brancos no Brasil. Aos oito anos mudou-se com a família para os arredores de Campo Grande, onde seu pai passou a trabalhar na lavoura de café e ele e seus cinco irmãos puderam estudar. Na escola, Terena fingia ser filho de japoneses, por vergonha da sua condição de indígena. Ao concluir o segundo grau, passou no teste da Academia da Força Aérea Brasileira em Natal, no Rio Grande do Norte. Formou-se piloto civil porque, como explica, queria \"pilotar aviões de grande porte\". Chegou a voltar ao Mato Grosso, mas logo decidiu tentar a vida em Brasília.
\"Naquele momento teve início minha fase mais política, porque só então entendi realmente o que era ser índio\", diz. Passou por alguns empregos públicos de pouca expressão e finalmente foi trabalhar como piloto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Na mesma época, entre os anos 1970 e 1980, conheceu os caciques Mário Juruna, Kretã e Raoni Txucarramãe, que fundaram a União das Nações Indígenas - organização que deu origem ao movimento indígena no país.
Desde então Terena tornou-se porta-voz das causas dos índios brasileiros no Brasil e no mundo. Trabalhou como assessor no Ministério da Cultura nas gestões de José Aparecido, Celso Furtado e Aluísio Pimenta. Com outros líderes, colaborou na elaboração do capítulo da Constituição de 1988 voltado aos povos indígenas. Em 1991 foi convidado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a ser um dos organizadores da Conferência Mundial dos Povos Indígenas, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, durante a Conferência sobre Meio Ambiente. Também participou de inúmeros encontros internacionais. Atualmente é piloto da FUNAI- Fundação Nacional do Índio, é membro da \"Land is Life\", coalizão de indígenas de todo o planeta, e da \"The Call of The Earth\", outra coalizão em prol da proteção dos conhecimentos tradicionais, liderada pela indígena guatemalteca Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz.

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Desde 1994 a Organização das Nações Unidas (ONU) tenta redigir a Declaração Universal dos Direitos Indígenas, em conjunto com governos e representantes de etnias de todo o planeta. O assunto é tão complexo que em dez anos não houve consenso em torno do documento. Marcos Terena, de 51 anos de idade, piloto da Fundação Nacional do Índio (Funai) e líder indígena, representa o Brasil no grupo de trabalho da ONU e acredita que em dois anos a declaração ficará pronta. Também aposta que as comunidades indígenas passarão a ter maior participação no processo de desenvolvimento do Brasil ao contribuírem para a preservação da biodiversidade e para o uso sustentável dos recursos naturais. Nesta entrevista, Terena diz que é chegada a hora de tratar não apenas dos direitos, mas também dos deveres dos indígenas.

Maysa Provedello - Por sua experiência neste trabalho, quando lhe parece que será possível a ONU terminar a Declaração Universal dos Direitos Indígenas?


Terena - Um primeiro texto foi preparado por um corpo técnico da ONU em 1994. A partir daí foi estabelecida a década dos povos indígenas - e nesse período o documento deveria ter sido concluído. Ao longo desse tempo foram realizadas consultas, no mínimo uma vez por ano, a organizações indígenas e a governos, a respeito do tema. Mas em 2004 não houve consenso sobre o modelo final da declaração. Os dois pontos mais polêmicos dizem respeito à chamada livre-determinação dos povos indígenas, que se refere à sua autonomia total, independente das decisões dos países onde estão localizados, e à questão da utilização do solo e do subsolo. Neste último caso, o dilema é definir se o que está no solo e no subsolo é do país ou do povo indígena.

Maysa Provedello - A falta de consenso paralisou o processo de redação da Declaração?


Terena - Não. Ela voltará a ser debatida em abril e algumas comissões estão se organizando para apresentar um relatório alternativo, que possibilite o diálogo. Apesar das controvérsias, a intenção é que no máximo em dois anos tudo fique pronto. No caso da livre-determinação, deverá ficar decidido que os indígenas sejam reconhecidos como povos, não mais como tribos menores, e que tenham direito a cultura, identidade, território e autonomia econômica - mas sem ferir a soberania dos países. O acordo também deverá definir que o direito ao uso do solo e do subsolo em áreas demarcadas será da nação, mas que os indígenas terão participação ativa em todas as decisões que forem tomadas. É preciso lembrar que a Declaração não funcionará como um tratado a ser obedecido. Terá apenas um caráter indicativo.

Maysa Provedello - Quais os principais problemas enfrentados pelos indígenas brasileiros atualmente?


Terena - Não é possível falar do presente sem avaliar o passado. O ideal para nós seria que o homem branco nunca tivesse aparecido em nosso meio. E não digo isso porque os índios não gostam dos outros povos. Mas porque com eles vieram diversas maneiras de viver, uma civilização com ricos e pobres, com um modelo estreito e economicista, que privilegia uns em detrimento de outros. E a visão do superior versus o inferior foi aplicada aos povos indígenas. Então começamos a ser tratados como preguiçosos, selvagens, como obstáculos ao desenvolvimento, quando na verdade os povos indígenas sempre tiveram um padrão de vida superior não só ao dos brancos - nos tempos antigos e na sociedade atual. Os índios não tinham problema de fome e hoje sofrem devido à destruição do meio ambiente, da cultura, da organização social e do relacionamento espiritual com a terra. Isso além de doenças, que também não tínhamos. O preço pago pelos povos indígenas, na convivência com outros povos, tem sido muito alto.

Maysa Provedello - Mas já existem algumas leis, e a Constituição de 1988, que garantem direitos e serviços específicos aos indígenas. A situação não melhorou nos últimos tempos?


Terena - O problema é que o atual sistema indigenista de governo não consegue acompanhar o ritmo de envolvimento que afeta os valores das comunidades indígenas. Por outro lado, as comunidades indígenas não são capazes de responder a essa crescente avalanche de informação e de interferência. Isso gera um quadro de pobreza em grande parte dos povos indígenas. E não se trata apenas de falta de dinheiro, mas de empobrecimento cultural. De maneira geral, esses problemas são ignorados. Existe pouca ou nenhuma informação de qualidade sobre as nossas condições de vida. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, por exemplo, não tem qualquer medição que leve em conta as nossas características.

Maysa Provedello - Não existem diagnósticos da qualidade de vida dos indígenas?


Terena - Não. Eu sempre defendi que para facilitar a elaboração das políticas para os indígenas fosse criado no Brasil, da mesma forma como existe o Índice de Desenvolvimento Humano, um índice de desenvolvimento indígena. Porque o IDH não diz respeito ao nosso tipo de vida. Fazer um diagnóstico assim não é papel da Funai, mas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ou do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É preciso que exista uma pesquisa que inclua todas as condicionantes e as respostas possíveis. E a dificuldade é escolher os parâmetros, os critérios. Por exemplo, o critério econômico usado no IDH não se aplica a nós. O índio, em geral, não tem renda. Mas é preciso medir o que equivale à renda, o que entendemos como riqueza, como a terra, por exemplo. Se um índio tem terra, se ele consegue extrair dali o que precisa, se existe educação bilíngüe, um bom serviço de prevenção e atendimento de saúde, então ele tem melhores condições de vida do que outros. Se uma determinada sociedade indígena tem formas de geração e administração de renda com vistas no futuro, de modo a garantir que, quando não for possível tirar da terra o necessário, o padrão de vida será mantido, seu índice de desenvolvimento será ainda melhor. Estou falando de algo muito mais complexo do que simplesmente vender artesanato, que é o que fazemos hoje, que dá retorno baixo, além de, em alguns casos, afetar a tradição cultural.

Maysa Provedello - Quais seriam as possíveis saídas de curto e longo prazo para os problemas enfrentados hoje em dia?


Terena - A solução passa obrigatoriamente pela demarcação dos territórios e pelo atendimento emergencial das questões de fome, educação e saúde. Passa também pela elaboração de um plano bem construído, de médio e longo prazo, visando não só à nossa proteção mas também à nossa evolução, à nossa integração na sociedade. Nós não podemos viver sem o homem branco. E o homem branco tem de entender que ele nunca vai conseguir ser brasileiro de verdade se não levar em consideração a sobrevivência e a participação dos índios na sociedade. Esse plano teria de ser construído em conjunto, por indígenas e brancos, e teria de nos capacitar a cuidar de nosso futuro no longo prazo.

Maysa Provedello - Por que a demarcação das terras é prioritária? Não é possível viver nos territórios já demarcados ou mesmo nas cidades?


Terena -
Nossos povos têm um vínculo quase maternal, umbilical com a terra. Nela estão a vida e a morte, o começo e o fim. A tradição do grande criador, da mata, dos rios e, mais do que tudo, a sustentabilidade: usamos a terra para todos e para tudo. Com ela todos são \"ricos\". A sustentabilidade nasce da terra, que provê tudo e não é destruída. E, se a população do planeta está buscando formas de desenvolvimento sustentável, deveria dar atenção aos conhecimentos dos indígenas. Eles conhecem os segredos da biodiversidade, sempre viveram assim e são os únicos que sabem como conseguir o desenvolvimento sustentável. Os povos indígenas são aliados do Brasil no esforço para se tornar uma potência do ponto de vista econômico e ecológico. A base para isso está na água potável, na biodiversidade, nas plantas medicinais e alimentares e também nos recursos estratégicos minerais que o Brasil ainda não está sabendo tratar. O país deveria aproveitar nossos conhecimentos. Queremos participar do processo de desenvolvimento.

Maysa Provedello - Uma participação assim envolve muitas responsabilidades, não?

Terena -
Temos consciência de que somos guardiões de boa parte da diversidade do mundo e por isso queremos, de agora em diante, não só falar de direitos, mas também de deveres. Por exemplo, o índio que desmata uma área na cabeceira de um rio ou que deixa o fazendeiro fazer isso, deve ser responsabilizado. É o princípio do direito coletivo. Na relação tradicional indígena, o indivíduo é responsável, ele tem deveres. O principal deles é o compromisso de preservar a terra para que no futuro seus filhos e netos, a coletividade, tenham seus direitos de sobrevivência assegurados. Isso é quebrado quando o Estado trata esse indivíduo de forma paternalista, como o Brasil vem fazendo desde sempre. Por isso acredito que é preciso o planejamento de uma política indígena de médio e longo prazo, feita e tocada com a nossa participação.

Maysa Provedello - Histórias como a dos índios cintas-largas, de Rondônia, que envolveu a exploração predatória de recursos naturais, deixam a opinião pública desconfiada a respeito das possibilidades dessa participação conjunta...


Terena -
Os cintas-largas fizeram as coisas do jeito que aprenderam. E aprenderam com os garimpeiros. Quando se criou uma alternativa para a questão, que era a venda dos diamantes explorados na reserva, os índios ficaram fora do processo. A Caixa Econômica Federal (CEF) leiloou os minerais sem observar os princípios de aplicação coletiva do dinheiro. A decisão de fazer o leilão estava correta, mas seria muito mais produtiva para os cintas-largas se eles tivessem sido chamados para acompanhar o processo. Assim poderiam receber a responsabilidade e os deveres na relação não só com o Estado brasileiro, mas também com a sua comunidade. Os índios são autônomos, soberanos, em várias questões, mas na relação com o dinheiro não. Não é um defeito do índio. Isso acontece com qualquer grupo que viva à margem das práticas do capitalismo, como os quilombolas e outras comunidades tradicionais.

Maysa Provedello - Os povos indígenas estão se preparando para participar do mundo capitalista?


Terena -
Estamos começando. Mas como a realidade do capitalismo prevê a aquisição individual de bens, ela neutraliza todos os princípios de coletividade tradicionais dos indígenas. Pior, seduz vários segmentos dos nossos povos, que, despreparados, entendem que \"ter coisas\" significa ter poder financeiro e político. Imagine só um chefe indígena vendo outro andando em um carrão. Se ele não estiver consciente dos valores de seu povo, se não estiver preparado para entender que o importante é como aquele carro foi obtido, vai simplesmente querer ter um tão ou mais sofisticado, para ter o mesmo nível de poder do outro chefe. Por problemas assim, muitas vezes alguns povos acabam se rendendo a madeireiros e outros invasores predatórios em troca de presentes. Toda essa questão de consciência gera uma série de situações complicadas. Estamos conversando, debatendo entre nós, entre nossos líderes, tentando resolver todas essas questões da melhor maneira possível, sem colocar em risco nossas crenças e nossa cultura, para que possamos participar do processo de crescimento econômico do país.

Maysa Provedello - E no âmbito governamental, quais são os planos para a elaboração de uma política indigenista de longo prazo?


Terena
- A Funai não tem condições de fazer um debate assim, porque ela trabalha com demanda, com problemas diários. Precisa administrar coisas como invasão nos escritórios, definição de demarcações e diversos conflitos. Ela é executora, não tem tempo para fazer política. E o Ministério da Justiça, ao qual ela é subordinada, tem como prioridade a segurança pública. Nós nunca somos considerados como prioridade. Isso é um fato histórico. Só seremos tratados como um problema prioritário se houver uma profunda reestruturação da Funai ou a criação de um setor novo dentro do governo que congregue as iniciativas diversas que já existem (conselhos de saúde, infância, educação, por exemplo) por meio de uma secretaria de Estado para assuntos indígenas, com status de ministério. Se não for assim, não adianta. Nós vamos estar sempre atrás, longe das principais preocupações do poder. Muitos índios estão preparados para assumir a Funai para reestruturá-la, se for preciso. Resta saber se os brancos estão preparados para isso.

Maysa Provedello - Você está envolvido na criação de uma organização não-governamental voltada para a divulgação na mídia, especialmente para os jornalistas, dos direitos indígenas. De onde partiu essa idéia?


Terena -
O movimento indígena não trabalha mais apenas com o velho slogan \"Demarcação Já!". Nossos direitos são mais complexos e estão interligados aos direitos das crianças, dos idosos, de saúde e educação, entre outros. Não dá para trabalhar nosso crescimento, nossa intenção de avanço, sem compartilhar nossa situação com os outros milhões de brasileiros. Precisamos de apoio. Nós só aparecemos com destaque na mídia no Dia do Índio, quando matamos ou quando morremos. O escopo de assuntos que podem ser tratados na mídia a nosso respeito é enorme. É possível tratar do indígena como protagonista, de forma positiva, dar mais voz aos 230 povos que vivem no Brasil, ricos em cultura, além de falar dos seus problemas.

Maysa Provedello - Você já tem noção de como serão os trabalhos dessa ONG?


Terena -
Serão no mesmo modelo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). Vamos sugerir matérias, acompanhar o que sai na mídia e capacitar profissionais da comunicação para tratar das nossas questões. Se os jornalistas não têm preparação suficiente para tratar dos problemas indígenas de forma verdadeira, fiel, não é por incompetência, mas porque foram formados em uma escola que não tem tradição no assunto. Por outro lado, um repórter que queira escrever algo com qualidade tem dificuldade para encontrar fontes de informação. Vamos ajudar nesse ponto. Também vamos gerar estudos e oportunidades para que jovens indígenas envolvidos com comunicação trabalhem para a agência. Temos expectativa de começarmos nossas atividades até meados de 2005.

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