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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


domingo, 12 de dezembro de 2010

CORPO E IMAGEM DOS TERREIROS/DEBATE

No dia 18 de novembro,aconteceu o evento “Corpo e Imagem dos Terreiros” contemplado pela seleção pública de debates presenciais do Programa Cultura e Pensamento 2009/2010. O debate foi realizado no CEAO –Centro de Estudos Afro-Orientais,que teve a curadoria dos fotógrafos Denise Camargo e Paulo Rossi.A Mesa do debate além da participação de Marco Aurélio Luz também teve Bauer Sauer,Adenor Gondim ,Aristides Alves e Marcelo Bernardo da Cunha.
Nosso colaborador Marco Aurélio Luz apresenta para o blog da ACRA um breve relato da sua participação nesse evento.
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No centro Marco Aurélio Luz,à esquerda Aristides Alves e à direita Marcelo Bernardo da Cunha.

Marco Aurélio Luz iniciou o debate,trazendo como reflexão um trecho da carta de Accioly Neto(um dos chefões da revista O Cruzeiro) que gerou uma escandalosa reportagem nos anos 1950,cujo efeito principal foi alimentar o preconceito às religiões afro-brasileiras:

O que há é o seguinte : nosso chefe acredita QUE JOSÉ MEDEIROS SERÁ O ÚNICO FOTÓGRAFO BRASILEIRO CAPAZ DE REALIZAR UMA FAÇANHA SEMELHANTE – eu quase que participo da mesma opinião, muito embora os rapazes cá de casa digam que TAMBEM ELES PODERIAM FAZER O MESMO...Muito bem, você será capaz de nos trazer uma reportagem ao menos semelhante ao de Clouzot ? Bem sei que agora a coisa está mais difícil depois do escândalo da Paris-Match. Mas nada existe de impossível quando há dinheiro para gastar, e vocês estão autorizados a gastar o que for necessário para conseguir o que queremos. PARA LAVAR NOSSA CARA TÃO DURAMENTE ATINGIDA PELA REPORTAGEM DE CLOUZOT. (“nossa cara” quer dizer, nossa honra de revista que realiza as melhores reportagens do Brasil ). Você é capaz negróide amigo ? Pois então mãos à obra para construir o maior cartaz da reportagem brasileira. Veja se Arlindo o auxilia, se esse paulista peçonhento e prosa p’ra chuchu sabe fazer alguma cousa a não ser descobrir tramas comunistas inexistentes...”

(In Álvaro Kassab, “1951, o ano em que Clouzot, O Cruzeiro e intelectuais rodaram a baiana”. Jornal da Unicamp Ed. 259 de 19/07 a 1/08 de 2004. O trecho dessa carta tem origem na documentação da pesquisa do professor Tacca, ”Entre Paris Match e O Cruzeiro Imagens do Sagrado” de 1983.)

Clouzot foi um conhecido cineasta francês que publicou a reportagem “Les Possédes de Bahia” que foi reproduzida em seguida pelo jornal A Tarde.
A reportagem da revista O Cruzeiro foi intitulada “As Noivas dos Deuses Sanguinários”. Essas reportagens que deram o que falar e até morreu gente, se tornaram também um ponto de referencia para reflexões do fato pelos mais distintos ângulos.
Cabe-nos aqui procurar compreender como é construída a ideologia do preconceito pela linguagem desses meios de comunicação de massa.
Primeiramente cabe destacar que essa ideologia, que podemos assim dizer que se trata de uma tentativa de genocídio ideológico, já estava instalada nos arquivos da Razão de Estado da República principalmente a partir dos trabalhos acadêmicos de Nina Rodrigues e seu seguidor Arthur Ramos dentre outros.O primeiro utilizou-se das teorias da psiquiatria da época para projetar o conceito de histeria sobre a manifestação de entidades sagradas pelas sacerdotisas. Com isso visava depreciar a religião afro-brasileira fonte da cultura e da identidade do povo afro descendente. O segundo utilizou-se de um mito “recolhido” na África pelo tal Coronel Ellis, agente do colonialismo britânico e, da psicanálise da época, para dizer que a narrativa que se refere à origem dos orixás da religião é uma expressão do complexo de Édipo e, portanto a religião afro–brasileira e sua cultura eram “nevrosadas” e “atrasadas”. Convém sublinhar que antes disso esse mito era completamente desconhecido pela comunalidade das tradições nagô.

Um dos ângulos do auditório do CEAO e o público atento às contribuições do debate.

Essas construções ideológicas visavam dar instrumentos ao poder de estado para combater a forte presença das milenares tradições civilizatórias africanas herdadas pela ancestralidade afro brasileira procurando desqualificá-las e com isso projetar políticas genocidas visando a realização da política de embranquecimento iniciadas no tempo de D. João VI, uma estratégia para garantir a continuidade do modelo colonial.
Então as matérias da imprensa de que estamos tratando agora tem os mesmos objetivos, e além de tentar ganhar dinheiro com o aumento da tiragem visam alimentar o genocídio ideológico fortalecendo os estereótipos de “selvagens”, “bárbaros”, “primitivos” para garantir a continuidade neocolonial. Como na época, após a “segunda guerra mundial”, a ideologia do racismo da superioridade e inferioridade de “raças” humanas estava em baixa, a tática racista de então é de atacar as linguagens e os valores de civilização concentrados na religião.A tática então é operacionalizar a ideologia da imagem, especificamente a fotográfica. A fotografia ao nível da razão de estado ganha status de veracidade. “Ver para crer”, a relação olho cérebro é hipertrofiada e é a base da vigilância e das comprovações dos fatos no âmbito do Estado.


"No reino de Ossaiyn" Foto Narcimária Luz

Assim impulsionados pelo voyeurismo que caracteriza a semântica das descobertas, as reportagens quebram segredos e os transformam em “furos de reportagem”.
Na verdade a fotografia é uma construção da técnica de uma determinada sociedade. A ela é falsamente atribuída valor de veracidade, mas na verdade o resultado da foto passou pelas demandas institucionais ao fotógrafo, por suas projeções ideológicas, pelos efeitos de laboratório e de edição. Essa realidade, entretanto é oculta para o receptor para que se produza o efeito de falsidade ideológica.
No caso tanto o cineasta francês, quanto o fotógrafo brasileiro invadiram um espaço sagrado limitado, reservado apenas aos que tem poderes para lidar com determinados aspectos da liturgia. São sacerdotisas e sacerdotes com preparo e iniciação para tanto. Aqui se trata de forças invisíveis expressas através de representações simbólicas que integram uma cosmogonia que constitui uma sabedoria milenar desse acervo civilizatório.

"No reino de Ossaiyn" Foto Narcimária Luz


Sem considerar nada disso fotografou-se o fotográfavel, o visível e recortaram-se as imagens que interessavam capazes de provocar sensacionalismo e rejeição. Levaram esses recortes de imagem para outro contexto, o da presença colonial européia nos aparelhos ideológicos com seus valores discriminatórios dando as imagens uma outra significação reforçadas pelos textos.
Mãe Senhora Iyalorixá Oxun Muiwa nilê Axé Opo Afonjá e Iyanassô apontou novos caminhos deixando-se fotografar com toda sua majestade pelo o então fotógrafo Pierre Verger que recebeu o ijoye, o título de Oju Oba.

"No reino de Olokun" Foto Narcimária Luz


A partir de então a fotografia e os recursos de imagens cinematográficos ou eletrônicos podem ser técnicas aliadas para desmitificar o preconceito e para “louvar o que merece ser louvado” como expressa a música de Gilberto Gil. Já há muitos desses trabalhos em circulação e para tanto é exigida uma nova postura, o fotógrafo tendo de se situar num outro continente cultural envolvido por uma outra bacia semântica, onde o sagrado é envolvido por segredos e mistérios e como disse Mãe Senhora:- “metade se fala metade se cala”; e parafraseando podemos dizer; metade se fotografa, metade fecha-se o olhar.

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