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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 9 de agosto de 2025

MO JUBÁ! TEMPO DE CELEBRAR A COLHEITA EPISÓDIO 2






Por Narcimária C.P.Luz


Agadá é fruto da tese de Doutorado de Marco Aurélio Luz no âmbito da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro defendida em outubro de 1989. O estudo realizado ao longo de cinco anos gerou uma tese organizada em 2 volumes :o volume I com 343 páginas e volume II com 699 páginas, um total de 1.042 páginas.

 

Volume I  e II da tese de Doutorado

 


Professor Marco Aurélio realiza a  defesa da tese Agadá Dinâmica da Civilização Africano Brasileira na Escola deComunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 



Banca da defesa da tese Agadá, dinâmica da civilização africano brasileira. Da esquerda para a direita: Professor Doutor Márcio Tavares D' Amaral, Professora Doutora Ivone Maggie, saudoso e querido e orientador da tese  Professor Doutor Carneiro Leão, Professora Doutora Patrícia Birman e Professor DoutorMuniz Sodré. 

 


Professor Marco Aurélio Luz e sua mãe Célia de Oliveira Luz compartilhando a alegria pelo sucesso da defesa da tese.

 

Professor Marco Aurélio Luz e D. Célia cumprimentam a banca após a defesa. 

  

Público presente na defesa da tese de Marco Aurélio Luz.

 Após a conclusão do Doutorado, Marco Aurélio Luz foi para a França dedicar-se ao Pós-Doutorado na Université Paris Descartes – Sorbonne, Centre D’Etude Sur L’Actuel et le Quotidien-CEAQ sob a coordenação do Professor Michel Maffesoli.

  


Marco Aurélio e sua esposa Narcimária Luz na Sorbonne ParisV.

 

O CEAQ realiza pesquisas com foco internacional, principalmente aquelas dedicadas às novas formas de sociabilidade e as múltiplas formas do imaginário. No Ceaq o professor Marco Aurélio colaborou através de diversas atividades de pesquisa, publicações e palestras. 

 


Professor Michel Maffesoli Diretor do CEAQ Paris V e Professor Marco Aurélio Luz conversam após a palestra.



Marco Aurélio Luz realizando palestra no auditório Émile Durkheim em Paris V sobre o “O Conceito de Pessoa na Filosofia Nagô" abordagem que integra sua obra Agadá Dinâmica da Civilização Africano Brasileira.

 


Professor Michel Maffesoli  participando da palestra no auditório Émile Durkheim em Paris V

Sobre isso, o sociólogo Michel Maffesoli professor da Sorbonne e Diretor do Centre D´Etudes sur L´Actuel et le Quotidian da Université Paris V considera Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira

 “Como modelo de trabalho socioantropológico. Ele alia ao mesmo tempo um bom conhecimento histórico, uma análise pertinente da cultura, tudo a partir de uma problemática teórica das mais pertinentes. Desse ponto de vista a sinergia entre os diversos elementos indicados fazem deste livro um trabalho dos mais prospectivos para compreender as sociedades contemporâneas”

 



Marco Aurélio publicou o artigo “Les communités afro-bresiliennes: Ethos, Langage et Identité”.

 

No final dos anos 1980 Marco Aurélio Luz apresentou Agadá, dinâmica da civilização africano-brasileira para publicação incentivado por amigos e amigas intelectuais que reconheceram a valiosa e singular contribuição que seu pensamento inaugurava.

Na época, uma grande editora apresentou um parecer favorável, elogiando, reconhecendo a originalidade da obra, mas considerou ser inviável comercialmente a publicação, alegando que:”negros não leem!”.

Esse argumento racista predominante nos anos 1980, e que ainda hoje vigora, é geralmente utilizado de forma contundente visando silenciar o pensamento perigoso que desestabiliza “verdades” extensão da ideologia do recalque.

A recusa de Marco Aurélio ao argumento racista da referida editora não o desanimou, muito pelo contrário, lhe deu mais estímulo e entusiasmo. Essa gana para prosseguir exigiu muita ginga, prudência e sabedoria, como nos alerta o legado dos/os mais velhos/as africanos/as, nos ensinando que devemos fazer como o bambu diante do vendaval:” envergar para não quebrar”

 

Imagem disponível em https://stock.adobe.com/br/search?k=bambuzal&asset_id=281515894

Foi assim que Marco Aurélio apelou para a estratégia da “da porteira pra dentro, da porteira pra fora” legado histórico-político valioso, criado por Mãe Senhora, a Oxun Muiwa, Maria Bibiana do Espírito Santo, liderança exponencial nas Américas e Iyalorixá da comunidade-terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá (1942-1967). A dinâmica da “da porteira pra dentro, da porteira pra fora” representa os limites entre os valores característicos das civilizações africanas face às adversidades forjadas pelos entulhos ideológicos do racismo institucionalizado.



Mãe Senhora Iyalorixá do Ile  Opo Afonjá envolvida por Zélia Gattai, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, e Jorge Amado.

Imagem disponível em https://br.pinterest.com/pin/296111744231868603/

É necessário saber lidar com as fronteiras que delimitam a territorialidade africano-brasileira e o espaço urbano-industrial etnocêntrico, ousando sempre em “abrir a porteira” para não sermos sucumbidos.

Lidar da “porteira para fora” é manter a dignidade do nosso patrimônio civilizatório e afirmá-lo nos espaços institucionais que tendem a silenciar o que ele tem de mais precioso: as elaborações de mundo africano que caracterizam sua fundação e a continuidade de seus valores e linguagens. Portanto, é afirmar o discurso fundador da comunalidade nos espaços institucionais que o desconhecem, estabelecendo perspectivas políticas que legitimem a trajetória de todos os que contribuíram e colaboraram para expandir os vínculos de sociabilidade africano-brasileira.

Outra estratégia vigorosa adotada pelo autor vem de um ditado nagô ensinado por Mestre Didi: “trabalhando feito cupim”.

 


Mestre Didi na exposição de sua arte escultórica de beleza original.

Imagem disponível em https://aloalobahia.com/notas/fazer-a-curadoria-de-uma-exposicao-de-mestre-didi-foi-um-verdadeiro-presente-conta-thais-darze

 

O movimento e o “trabalho do cupim” ao qual se referia Mestre Didi, é a metáfora da luta secular dos africanos, cuja atemporalidade se presentifica e influencia o viver cotidiano dos afrodescendentes. Ser “cupim” no contexto adverso, perverso racista é penetrar nos interstícios das instituições que se alimentam das relações de prolongação colonial e patrimonialista no Brasil, e lentamente, ir desestabilizando, esvaziando, tornando oca a estrutura de valores que recalcam e denegam os modos e formas de sociabilidade próprias característicos das comunalidades africano-brasileiras.



História da criação do mundo

Mestre Didi trouxe da África a história que não era conhecida no Brasil.

Vejam que é um movimento radical, pois realiza o exercício de estratégias de luta, memória e continuidade que ultrapassa gerações, organizando, conduzindo e transmitindo o legado dos nossos antepassados.


Em 1978  a Escola de Samba Beija Flor foi campeã apresentando o mito da História da Criação do Mundo autorizada pelo Mestre Didi.

Imagem disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vY1jCJfsucY

 Através do pensamento nagô que tem as metáforas “da porteira pra dentro, da porteira pra fora” e “trabalhando feito cupim”, foi possível estabelecer ao longo dos séculos, redes de alianças comunitárias fora dos territórios hostis do racismo, que vão nos dando acesso ao patrimônio da episteme africano-brasileira, aprendendo através delas e com elas, o compartilhar de valores, linguagens, sentimentos e emoções que falam de nós descendentes de africanos no Brasil.

Livro de Mestre Didi publicado em 1963

É por meio desse sofisticado conhecimento milenar africano-brasileiro que vimos florescer secularmente redes de alianças comunitárias que encorajam gerações a recusarem o “NÃO” que tende a nos agredir cotidianamente.

 


 

Oxê Xangô. Cultuado no Brasil Xangô é a continuidade dos valores do império nagô yorubá

Foto de M.A. Luz no Museu  Afro Brasil.

 Sobre essa aura poderosa da dinâmica civilizatória africana e a capacidade extraordinária de reposição de valores, linguagens, instituições e conhecimentos revolucionários nas Américas e Caribe, e que o Agadá nos proporciona através da sua leitura cativante, há um diálogo emblemático no filme Selma (2015) dedicado a contar a história da população afro- americana em Montgomery em 1965, há 60 anos.

 


 Imagem disponível em https://encenasaudemental.com/cinema-tv-e-literatura/selma-e-preciso-acreditar-agir-e-seguir-em-frente/

 

O diálogo é muito valioso, aborda a insegurança que Coreta (esposa de Martin Luther King) interpretada pela atriz britânica Carmen Elizabeth Ejogo. Na cena, Coreta King está vivendo a prisão do seu marido, que lhe pediu que o representasse num encontro com os ativistas, animando-os, encorajando-os e isso tornou-se um desafio que ela não estava segura de enfrentar.

É sua amiga e importante ativista Amelia Boynton Robinson, interpretada pela magistral desenvoltura da atriz Lorraine Toussaint de Trinidad, Antilhas Britânicas hoje, Trinidad e Tobago, disse-lhe em tom encorajador:

 


Cena do filme SELMA baseado em episódio celebre na luta pelos direitos civis.

Imagem disponível em https://encenasaudemental.com/cinema-tv-e-literatura/selma-e-preciso-acreditar-agir-e-seguir-em-frente/

 

Não tema!

Somos descendentes de gente poderosa, que deu a civilização para o mundo. Gente que sobreviveu a navios negreiros, através de vastos oceanos. Gente que inovou, criou e amou, apesar das grandes pressões e torturas inimagináveis. Estão no nosso sangue, bombeando nossos corações a cada segundo. Eles lhe prepararam! "

Sobre essa dor causada pela travessia transatlântica, os mais antigos/as costumam dizer ser importante saber quem nós somos, as nossas origens, a trajetória dos nossos/as antepassados/as, valorizar a nossa gente, as nossas comunidades, pois isso nos tornará árvores frondosas com raízes profundas e capaz de gerar muitos frutos e sementes que alimentarão as gerações sucessoras.

  É importante ressaltar que o título do livro faz alusão ao nome da espada de Ogum, com a qual ele abre caminhos para a expansão da civilização africana pelos quatro cantos do mundo. Sendo Asiwajú o que vai à frente, Ogum está associado ao princípio do ferro, da metalurgia, da transcendência do conhecimento da pedra para os metais.

 


Ferreiros africanos transformando metais

https://www.carmodacachoeira.net/2008/09/importncia-e-o-trabalho-dos-ferreiros.html

 Africano-brasileiro é uma estratégia semântica utilizada pelo autor, reafirmando o vínculo transatlântico da África com o Brasil.

E assim como sugere o símbolo Agadá, em 1993 a Universidade Federal da Bahia criou a sua editora e nesse ínterim, acolhe o livro de Marco Aurélio Luz para o seu catálogo de publicações.


 Em 1995 Agadá teve o seu lançamento no âmbito do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia.


Professor Marco Aurélio Luz em noite de autógrafo no lançamento do livro Agadá dinâmica da civilização africano brasileira no âmbito do Centro de Estudos Afro Orientais da Universidade Federal da Bahia. Oxê Xangô escultura do autor compõe a mesa de autógrafos.

 


Mestre Didi Asipá Alapini entre seus netos Antônio Carlos dos Santos Oloxedê  e Osi Alagbá no Ilê Asipá e Cátia dos Santos Olufemi e Otun Babadarawô no Ilê Asipá.

 

Iyá Celina do Ilê Iyá Nasô recebendo o autógrafo do autor

 

Marco Aurélio Luz e Narcimária Luz no lançamento

 

Na atmosfera do lançamento do livro em 1995 Marco Aurélio destacou:

“Eu acho importante demarcar que os princípios inaugurais da civilização africana; os princípios de valores e de linguagem que sustentam, vamos assim dizer, toda uma visão de mundo de uma civilização, de uma tradição milenar, foi transposta para a América, especificamente para a Bahia.”



Egito Antigo

Disponível em httppretaegorda.blogspot.com.br



Egito Antigo

Faraó e suas entidades protetoras

Disponível em httppretaegorda.blogspot.com.br

“No que se refere a determinados povos, houve a continuidade desses princípios, mantendo essa dimensão muito antiga, milenar, porque eles se caracterizam por uma continuidade de uma civilização que se constituiu desde tempos muito antigos na África

 



Entrevista ao Jornal A Tarde a propósito do lançamento do livro em 1995

“Transpostos para o Brasil, eles se adaptaram, se caracterizaram de uma forma própria, mas mantiveram intactos os princípios fundamentais. Desse modo se pode encarar essa continuidade como uma coisa fundamental, nova, no sentido de se perceber que essa tradição africano-brasileira ela remonta a um passado da humanidade muito rico e significativo, e nós temos que perceber essa riqueza do patrimônio na nossa sociedade.” (1)     

  


Painel Orun/Aiye no ilêAxipá. Ao centro cetro de Obaluaiye composto por Mestre Didi Axipá Alapini.

Foto: M. A. Luz

Atualmente o Agadá é uma referência fundamental, um dos livros mais lidos e citados na ambiência científico acadêmica além de integrar, o acervo de bibliotecas brasileiras e de instituições de estudos e pesquisas internacionais, alicerçando diversos estudos e pesquisas de muitas gerações nas universidades.


Imagem disponível em http://www.espalhandoasemente.com/2016/03/que-tipo-de-arvores-somos.html

 Agadá é uma das árvores do conhecimento sócio-histórico magistral dessa floresta ancestral.

O livro, portanto, nos aproxima do discurso fundador da civilização africana e sua expansão pelas Américas e Caribe e sua culminância através das redes de alianças comunitárias, legitimando a trajetória das gerações que carregam nas suas vidas a pulsão de sociabilidade característica.




Daí o autor afirmar enfaticamente:

 “A FORÇA DO NEGRO ESTÁ NA SUA PRÓPRIA CIVILIZAÇÃO”



 Igba Du Cabaça da Existência 
Universo Simbólico Nagô

Imagem disponível em http://www.afreaka.com.br/notas/arte-para-exu/


Continuem acompanhando os próximos episódios...

REFERÊNCIAS

Jornal A Tarde, Caderno Cultural.17/06/1995

LUZ, Marco Aurélio. Agadá: dinâmica da civilização Africano-Brasileira. Salvador: EDUFBA, 1995.


 

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