Por Narcimária C.P.Luz
Agadá é fruto da tese de Doutorado de Marco Aurélio Luz no âmbito da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro defendida em outubro de 1989. O estudo realizado ao longo de cinco anos gerou uma tese organizada em 2 volumes :o volume I com 343 páginas e volume II com 699 páginas, um total de 1.042 páginas.
Volume I e II da tese de Doutorado
Banca
da defesa da tese Agadá, dinâmica da civilização africano brasileira. Da
esquerda para a direita: Professor Doutor Márcio Tavares D' Amaral, Professora
Doutora Ivone Maggie, saudoso e querido e orientador da tese Professor Doutor Carneiro Leão, Professora
Doutora Patrícia Birman e Professor DoutorMuniz Sodré.
Professor Marco Aurélio Luz e sua mãe Célia de Oliveira Luz compartilhando a alegria pelo sucesso da defesa da tese.
Professor Marco Aurélio Luz e D. Célia cumprimentam a banca após a defesa.
Público
presente na defesa da tese de Marco Aurélio Luz.
Após a conclusão do Doutorado, Marco Aurélio Luz foi para a França dedicar-se ao Pós-Doutorado na Université Paris Descartes – Sorbonne, Centre D’Etude Sur L’Actuel et le Quotidien-CEAQ sob a coordenação do Professor Michel Maffesoli.
Marco
Aurélio e sua esposa Narcimária Luz na Sorbonne ParisV.
O
CEAQ realiza pesquisas com foco internacional, principalmente aquelas dedicadas
às novas formas de sociabilidade e as múltiplas formas do imaginário. No Ceaq o
professor Marco Aurélio colaborou através de diversas atividades de pesquisa,
publicações e palestras.
Professor
Michel Maffesoli Diretor do CEAQ Paris V e Professor Marco Aurélio Luz
conversam após a palestra.
Marco Aurélio Luz realizando palestra no auditório Émile Durkheim em Paris V sobre o “O Conceito de Pessoa na Filosofia Nagô" abordagem que integra sua obra Agadá Dinâmica da Civilização Africano Brasileira.
Sobre
isso, o sociólogo Michel Maffesoli professor da Sorbonne e Diretor do Centre
D´Etudes sur L´Actuel et le Quotidian da Université Paris V considera Agadá
Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira
“Como modelo de trabalho socioantropológico.
Ele alia ao mesmo tempo um bom conhecimento histórico, uma análise pertinente
da cultura, tudo a partir de uma problemática teórica das mais pertinentes.
Desse ponto de vista a sinergia entre os diversos elementos indicados fazem
deste livro um trabalho dos mais prospectivos para compreender as sociedades
contemporâneas”
Marco Aurélio publicou o artigo “Les communités afro-bresiliennes: Ethos, Langage et Identité”.
No
final dos anos 1980 Marco Aurélio Luz apresentou Agadá, dinâmica da civilização
africano-brasileira para publicação incentivado por amigos e amigas
intelectuais que reconheceram a valiosa e singular contribuição que seu
pensamento inaugurava.
Na
época, uma grande editora apresentou um parecer favorável, elogiando,
reconhecendo a originalidade da obra, mas considerou ser inviável
comercialmente a publicação, alegando que:”negros não leem!”.
Esse
argumento racista predominante nos anos 1980, e que ainda hoje vigora, é
geralmente utilizado de forma contundente visando silenciar o pensamento
perigoso que desestabiliza “verdades” extensão da ideologia do recalque.
A
recusa de Marco Aurélio ao argumento racista da referida editora não o
desanimou, muito pelo contrário, lhe deu mais estímulo e entusiasmo. Essa gana
para prosseguir exigiu muita ginga, prudência e sabedoria, como nos alerta o
legado dos/os mais velhos/as africanos/as, nos ensinando que devemos fazer como
o bambu diante do vendaval:” envergar para não quebrar”
Imagem
disponível em https://stock.adobe.com/br/search?k=bambuzal&asset_id=281515894
Foi
assim que Marco Aurélio apelou para a estratégia da “da porteira pra dentro, da
porteira pra fora” legado histórico-político valioso, criado por Mãe Senhora, a
Oxun Muiwa, Maria Bibiana do Espírito Santo, liderança exponencial nas Américas
e Iyalorixá da comunidade-terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá (1942-1967). A
dinâmica da “da porteira pra dentro, da porteira pra fora” representa os
limites entre os valores característicos das civilizações africanas face às
adversidades forjadas pelos entulhos ideológicos do racismo institucionalizado.
Mãe
Senhora Iyalorixá do Ile Opo Afonjá
envolvida por Zélia Gattai, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, e Jorge
Amado.
Imagem disponível em https://br.pinterest.com/pin/296111744231868603/
É necessário
saber lidar com as fronteiras que delimitam a territorialidade
africano-brasileira e o espaço urbano-industrial etnocêntrico, ousando sempre
em “abrir a porteira” para não sermos sucumbidos.
Lidar
da “porteira para fora” é manter a dignidade do nosso patrimônio civilizatório
e afirmá-lo nos espaços institucionais que tendem a silenciar o que ele tem de
mais precioso: as elaborações de mundo africano que caracterizam sua fundação e
a continuidade de seus valores e linguagens. Portanto, é afirmar o discurso
fundador da comunalidade nos espaços institucionais que o desconhecem,
estabelecendo perspectivas políticas que legitimem a trajetória de todos os que
contribuíram e colaboraram para expandir os vínculos de sociabilidade
africano-brasileira.
Outra
estratégia vigorosa adotada pelo autor vem de um ditado nagô ensinado por
Mestre Didi: “trabalhando feito cupim”.
Mestre
Didi na exposição de sua arte escultórica de beleza original.
Imagem disponível em https://aloalobahia.com/notas/fazer-a-curadoria-de-uma-exposicao-de-mestre-didi-foi-um-verdadeiro-presente-conta-thais-darze
O
movimento e o “trabalho do cupim” ao qual se referia Mestre Didi, é a metáfora
da luta secular dos africanos, cuja atemporalidade se presentifica e influencia
o viver cotidiano dos afrodescendentes. Ser “cupim” no contexto adverso,
perverso racista é penetrar nos interstícios das instituições que se alimentam
das relações de prolongação colonial e patrimonialista no Brasil, e lentamente,
ir desestabilizando, esvaziando, tornando oca a estrutura de valores que
recalcam e denegam os modos e formas de sociabilidade próprias característicos
das comunalidades africano-brasileiras.
História da criação do mundo
Mestre Didi trouxe da África a história que não era conhecida no Brasil.
Vejam
que é um movimento radical, pois realiza o exercício de estratégias de luta,
memória e continuidade que ultrapassa gerações, organizando, conduzindo e
transmitindo o legado dos nossos antepassados.
Imagem disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vY1jCJfsucY
Através do pensamento nagô que tem as
metáforas “da porteira pra dentro, da porteira pra fora” e “trabalhando feito
cupim”, foi possível estabelecer ao longo dos séculos, redes de alianças
comunitárias fora dos territórios hostis do racismo, que vão nos dando acesso
ao patrimônio da episteme africano-brasileira, aprendendo através delas e com
elas, o compartilhar de valores, linguagens, sentimentos e emoções que falam de
nós descendentes de africanos no Brasil.
É
por meio desse sofisticado conhecimento milenar africano-brasileiro que vimos
florescer secularmente redes de alianças comunitárias que encorajam gerações a
recusarem o “NÃO” que tende a nos agredir cotidianamente.
Oxê
Xangô. Cultuado no Brasil Xangô é a continuidade dos valores do império nagô
yorubá
Foto
de M.A. Luz no Museu Afro Brasil.
Sobre essa aura poderosa da dinâmica civilizatória africana e a capacidade extraordinária de reposição de valores, linguagens, instituições e conhecimentos revolucionários nas Américas e Caribe, e que o Agadá nos proporciona através da sua leitura cativante, há um diálogo emblemático no filme Selma (2015) dedicado a contar a história da população afro- americana em Montgomery em 1965, há 60 anos.
Imagem disponível em https://encenasaudemental.com/cinema-tv-e-literatura/selma-e-preciso-acreditar-agir-e-seguir-em-frente/
O
diálogo é muito valioso, aborda a insegurança que Coreta (esposa de Martin
Luther King) interpretada pela atriz britânica Carmen Elizabeth Ejogo. Na cena,
Coreta King está vivendo a prisão do seu marido, que lhe pediu que o
representasse num encontro com os ativistas, animando-os, encorajando-os e isso
tornou-se um desafio que ela não estava segura de enfrentar.
É
sua amiga e importante ativista Amelia Boynton Robinson, interpretada pela
magistral desenvoltura da atriz Lorraine Toussaint de Trinidad, Antilhas
Britânicas hoje, Trinidad e Tobago, disse-lhe em tom encorajador:
Cena
do filme SELMA baseado em episódio celebre na luta pelos direitos civis.
Imagem
disponível em https://encenasaudemental.com/cinema-tv-e-literatura/selma-e-preciso-acreditar-agir-e-seguir-em-frente/
“Não
tema!
Somos
descendentes de gente poderosa, que deu a civilização para o mundo. Gente que
sobreviveu a navios negreiros, através de vastos oceanos. Gente que inovou,
criou e amou, apesar das grandes pressões e torturas inimagináveis. Estão no
nosso sangue, bombeando nossos corações a cada segundo. Eles lhe prepararam!
"
Sobre
essa dor causada pela travessia transatlântica, os mais antigos/as costumam
dizer ser importante saber quem nós somos, as nossas origens, a trajetória dos
nossos/as antepassados/as, valorizar a nossa gente, as nossas comunidades, pois
isso nos tornará árvores frondosas com raízes profundas e capaz de gerar muitos
frutos e sementes que alimentarão as gerações sucessoras.
É importante ressaltar que o título do livro
faz alusão ao nome da espada de Ogum, com a qual ele abre caminhos para a
expansão da civilização africana pelos quatro cantos do mundo. Sendo Asiwajú o
que vai à frente, Ogum está associado ao princípio do ferro, da metalurgia, da
transcendência do conhecimento da pedra para os metais.
Ferreiros africanos transformando metais
https://www.carmodacachoeira.net/2008/09/importncia-e-o-trabalho-dos-ferreiros.html
Africano-brasileiro é uma estratégia semântica utilizada pelo autor, reafirmando o vínculo transatlântico da África com o Brasil.
E
assim como sugere o símbolo Agadá, em 1993 a Universidade Federal da Bahia
criou a sua editora e nesse ínterim, acolhe o livro de Marco Aurélio Luz para o
seu catálogo de publicações.
Mestre
Didi Asipá Alapini entre seus netos Antônio Carlos dos Santos Oloxedê e Osi Alagbá no Ilê Asipá e Cátia dos Santos Olufemi e Otun Babadarawô
Iyá Celina do Ilê Iyá Nasô recebendo o autógrafo do autor
Marco Aurélio Luz e Narcimária Luz no lançamento
Na
atmosfera do lançamento do livro em 1995 Marco Aurélio destacou:
“Eu
acho importante demarcar que os princípios inaugurais da civilização africana;
os princípios de valores e de linguagem que sustentam, vamos assim dizer, toda
uma visão de mundo de uma civilização, de uma tradição milenar, foi transposta
para a América, especificamente para a Bahia.”
Egito Antigo
Disponível em httppretaegorda.blogspot.com.br
Egito
Antigo
Faraó e suas entidades protetoras
Disponível
em httppretaegorda.blogspot.com.br
“No
que se refere a determinados povos, houve a continuidade desses princípios,
mantendo essa dimensão muito antiga, milenar, porque eles se caracterizam por
uma continuidade de uma civilização que se constituiu desde tempos muito
antigos na África
“Transpostos para o Brasil, eles se adaptaram, se caracterizaram de uma forma própria, mas mantiveram intactos os princípios fundamentais. Desse modo se pode encarar essa continuidade como uma coisa fundamental, nova, no sentido de se perceber que essa tradição africano-brasileira ela remonta a um passado da humanidade muito rico e significativo, e nós temos que perceber essa riqueza do patrimônio na nossa sociedade.” (1)
Painel Orun/Aiye no ilêAxipá. Ao centro cetro de Obaluaiye composto por Mestre Didi Axipá Alapini.
Foto:
M. A. Luz
Atualmente
o Agadá é uma referência fundamental, um dos livros mais lidos e citados na
ambiência científico acadêmica além de integrar, o acervo de bibliotecas
brasileiras e de instituições de estudos e pesquisas internacionais,
alicerçando diversos estudos e pesquisas de muitas gerações nas universidades.
Imagem
disponível em http://www.espalhandoasemente.com/2016/03/que-tipo-de-arvores-somos.html
Agadá é uma das árvores do conhecimento sócio-histórico magistral dessa floresta ancestral.
O
livro, portanto, nos aproxima do discurso fundador da civilização africana e
sua expansão pelas Américas e Caribe e sua culminância através das redes de
alianças comunitárias, legitimando a trajetória das gerações que carregam nas
suas vidas a pulsão de sociabilidade característica.
Daí
o autor afirmar enfaticamente:
“A FORÇA DO NEGRO ESTÁ NA SUA PRÓPRIA
CIVILIZAÇÃO”
Imagem disponível em http://www.afreaka.com.br/notas/arte-para-exu/
Continuem
acompanhando os próximos episódios...
REFERÊNCIAS
Jornal
A Tarde, Caderno Cultural.17/06/1995
LUZ,
Marco Aurélio. Agadá: dinâmica da civilização Africano-Brasileira. Salvador: EDUFBA,
1995.
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