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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA


Por Sandra Maria Bispo


A elaboração deste trabalho encontra sua plena concretude no comportamento, comentário ou mesmo pesquisa em uma casa de tradição religiosa, cuja relação maior se reflete na integração de seus participantes à vida da grande sociedade.
Portanto, partindo da perspectiva de preservação, tentamos traçar um perfil vivencial cotidiano em uma comunidade de “candomblé”, como núcleo catalisador do espírito de insurgência, da transferência do saber e de diferentes modos de sobrevivência.

Nessa mesma linha, refletimos sobre o resgate, através da oralidade, e compreensão da identidade cultural religiosa das pessoas negras participantes dos terreiros de candomblé na Bahia.
Ao elaborar um trabalho escrito, enfocando algumas reflexões sobre a história de um terreiro, nossa intenção é que seja uma contribuição educativa para melhor compreensão de um espaço-axé, considerando sua vinculação com a sociedade como um todo.


   Ilê Nla  ni Ilê Axé Oxumarê
Foto disponível no Google


A sedimentação histórica de um terreiro mostra a estrutura transparente e fixada como marco de força vital há vários séculos. A força do axé é a referência existente que denota a relação com as verdadeiras raízes culturais africanas na Bahia.

Isso significa que encontramos os valores culturais não apenas na arquitetura da casa como em todas as formas de comunicação das pessoas que convivem e vivenciam o espaço sagrado. E, mais ainda, na identificação das formas de expressão e símbolos com que, em particular, a comunidade modela a identidade dos seus membros.

Ressalto que o termo “terreiro” inclui, por força de sua extensão, o lugar onde vive o povo de orixá e seus parentes, bem como outras pessoas, se for o caso.
Como participante do terreiro, que é lugar sagrado, considero todos os elementos que o compõem: o chão, o ar, as árvore, a comunidade religiosa etc.
É inegável que a ampliação da força da comunidade em um terreiro tem sua fonte de energia no todo que o compõe, partindo daí inicialmente como núcleo de insurgência onde se materializa o axé através do culto religioso.

Salão do Ile Nla
Foto disponível no Google
A ampliação do culto insere a comunidade num conjunto de relações vitais de educação, cujo desenvolvimento caracteriza a personalidade dos indivíduos que convivem com a transmissão e preservação dos valores religiosos. Nesse processo de convivência e transmissão de valores, preparam-se os indivíduos para o desempenho condigno de papéis sociais e isso ocorre tanto no solo do culto quanto na organização social da sobrevivência.

O “candomblé”, os Ilê Axé, tem raízes profundas e ancestrais. Portanto, qualquer mudança referente deverá ser comedida, observando-se esse aspecto. É uma religião concreta, herança africana, com base no real, na relação com a natureza. É uma religião viva, cheia de energia. É força que emana da própria terra e conduz a vida e o destino dos seus filhos.

Possivelmente se fosse feita uma pesquisa de opinião pública sobre a vida de um terreiro, certamente não faltariam indagações, dúvidas ou talvez até medo quanto ao assunto. Essas dúvidas, indagações ou medo, por certo, estariam vinculados ao desconhecimento ou folclorização a que tem sido exposta a religião afro-brasileira durante todo tempo, gerando uma visão preconceituosa diante do seu processo de recriação.

A religião dos orixás não é solta no tempo e no espaço. Ela é expressão concreta da força de um povo, particularmente do “povo de santo” que, através da crença e resistência, não se deixa dominar nem pelo medo, nem pelo folclore; ou até mesmo pelas formas repressoras ao culto afro-brasileiro, considerando sua contextualização histórica.


Foto disponível no Google
Lembrando um pouco a origem histórica da religião afro-brasileira, revemos a função do catolicismo no Novo Mundo. O catolicismo, frente à necessidade de possuir novos adeptos.
Que, “em nome de Deus” pudessem garantir a sua soberania e poder, se implanta como religião obrigatória, proibindo o homem negro e seus descendentes de praticarem a sua religião de origem, pois o negro representava a base econômica de toda sociedade, não podendo fugir às normas de controle sociais estabelecidas.

O grupo católico tem, entre si, as mesmas ideias, encara a religião afro-brasileira como aquela em que se praticam coisas diferentes, de forma tal que não conseguem, os católicos, reconhecê-las como prática cultural. Por outro lado, o grupo de praticantes da religião afro-brasileira sobrevive à sua maneira, ocupa espaço natural e descobre formas de sobrevivência, resistindo através dos tempos.

Acreditam em deuses aos quais designam orixás e prestam todo um ritual de crença, fé e energia vinculado à natureza. Nesse processo a formação e a prática do indivíduo implicam a consciência do saber, as vantagens e formas de participação, despertando perspectivas cada vez melhores na sua interação com o meio ambiente.
 A ialorixá ou o babalorixá, em geral exerce o papel de articulador e organizador cultural de fato, pois religião é cultura e, portanto, trabalho e organização.  

A violência contra a religião afro se concretiza na necessidade da criação de irmandades negras que acomodariam uma relação onde há predominância da cultura oficial, que ainda hoje é branca. Assim, associando-se aos santos da igreja católica, a comunidade de raízes afro- brasileira era aceita porque a fé cristã constituía uma das condições mais importantes para que o negro fosse visto como um ser dotado de alma.

Em verdade cada grupo traduzia nos termos de sua própria cultura o significado dos objetos, cujo sentido original foi forjado na cultura do povo católico. Vemos assim, a religião afro-brasileira e a religião católica, oriundas de culturas diferentes, resultando, até certo ponto, em choque cultural. Vale reafirmar que não houve sincretismo, visto o não amalgamento entre essas duas religiões.

É evidente que o homem, para sobreviver, antes de mais nada, precisa utilizar-se da natureza de forma racional, pois precisa comer, beber e abrigar-se. Por outro lado, forças exteriores e, sobretudo da natureza dominam a vida cotidiana.
Nesse processo, os homens se agrupam, organizam seu universo, apreendendo e interpretando sua realidade. Particularmente, o negro africano e seus descendentes participantes de um terreiro, organizam-se não somente na sua correlação com o sagrado, como também com o ambiente natural e humano e assim com a ordem cultural e social.

Claro está que, se, por um lado, o homem incorpora a natureza para sobreviver, esse mesmo homem sente a necessidade de organizar o mundo a partir de um esquema interpretativo cultural de valores. Desse esquema emerge o conhecimento enquanto consciência.

O referencial de aprendizagem dos mais velhos dá-se a partir de sua relação constante com o real, com elementos naturais, como o ferro, as pedras, ori, o mar, as árvores, a chuva, enfim tudo que emana do natural. Cada elemento natural corresponderá a um referencial de crença que, como um todo, possui mecanismos, formas, caminhos e razão, os quais para aqueles que não têm a vivência e convivência com a realidade processual religiosa, poderão passar despercebidos ou mesmo gerar toda uma gama de preconceitos decorrentes de profundas distorções que se perpetuam nas emoções, pensamentos e representações.

Essas distorções, uma vez que interferem nas emoções, poderão dar a ideia de medo daquilo que não se conhece, portanto, o medo do desconhecido o que possivelmente ocorreria em qualquer situação normal. 

Apesar de tais distorções que se perpetuam através de representações negativas e folclorizadas, a religião afro-brasileira traz em si o seu próprio discurso, isto é, desfruta de uma linguagem própria para dizer algo de si mesma. Fala por si através de todo um processo iniciático, toques, cânticos e atitudes, possuindo autonomia necessária ao traduzir-se por representações e símbolos.

Parece-nos claro que a religião dos orixás distancia-se do conceito de religião como ópio do povo, por sua natureza construtiva, que afirma a identidade do indivíduo, ao tempo que organiza o grupo como modelador dessa identidade. Considerando a possibilidade de aproveitamento da tradição oral como veículo de transmissão de fundamentos religiosos e da identidade cultural, presto-me ao testemunho de que, em geral, as comunidades religiosas afro-brasileiras vêm tentando manter, há anos, a tradição de seu axé com seriedade e zelo, por isso mesmo, têm merecido o respeito dos adeptos. Vale ressaltar que os dirigentes das casas religiosas, em geral, exercem o papel de guardiões dos nossos valores culturais, com autoridade e poder de mantenedores da religião.

Daí a necessidade de preservação e resgate da memória sacro-cultural da comunidade de um terreiro, que, além de ser um testemunho vivo de insurgência e afirmação da identidade cultural afro-brasileira, é, sobretudo, um monumento histórico e cultural brasileiro e, como tal, deve ser respeitado e preservado por todos, inclusive pelos órgãos oficiais competentes.
A própria necessidade que o homem tem de organizar-se a partir de um esquema interpretativo de valores constitui forte razão, segundo Rubem Alves, em “O Suspiro Dos Oprimidos”, para que os homens criem os universos simbólicos, a religião, e façam a história.

Na verdade, os universos simbólicos, a religião e a própria história são expressões do esforço humano no sentido de condicionar a natureza, o tempo e o espaço em função de si mesmo.






                                          Ao centro a Iya Kekere Sandra Maria Bispo
Foto do acervo de M. A. Luz


No resgate de sua história, o negro afro-brasileiro utiliza uma linguagem também simbólica, baseada na concepção do homem e do seu papel no seio do universo, isso na medida em que pleiteia fugir ao estudo contextualizado. Portanto faz sentido o nosso apoio à afirmação Marco Aurélio Luz:

A civilização negra se caracteriza por exprimir uma concepção espiritualista do mundo, onde a constituição da individualidade, as relações sociais, as relações com a natureza e o universo estão revestidas de uma dimensão sagrada, acompanham até mesmo as inúmeras atuações profanas daqueles que vivem este universo cultural, estejam eles vinculados a esferas políticas, sociais ou econômicas...(LUZ,M.A.Rio de Janeiro:Achiamé,1983,3p.8)

Zelando pela integridade do culto aos orixás, alguns babalorixás e ialorixás definem seus filhos na sociedade, mantendo a dimensão e a dinâmica própria das heranças que lhe são conferidas.

Apoiados na herança da oralidade africana funcionam como conservatório da acumulação cultural, garantindo a fiel transmissão dos fundamentos da religião, numa linguagem emocional e também reflexiva.
A memória da sociedade é a comunidade viva de gerações sucessivas, é o que anima o universo humano e religioso  na mesma medida. A religião em si, por sua própria base cultural, às vezes ajuda a explicar, ocultar ou mesmo inculcar de geração a geração a necessidade da existência de sua ordem.

No Brasil, a similaridade entre os costumes de vários grupos de nações de origem africana que aqui se encontravam, tem sido mais forte que as diferenças e esse princípio aponta uma unidade na diversidade.
Digo isso porque, através desse princípio de unidade na diversidade, tem-se conhecimento de que grupos negros se organizaram fazendo surgir novos terreiros de “candomblé” a exemplo da casa de Oxumaré, muito antiga e famosa, cujo patrono é esse orixá, conforme citação de Vasconcelos Maia em seu livro “ABC do Candomblé”.





Sandra Maria Bispo Iyá Keker nile Axé Oxumarê recebe as homenagens em cerimônia da Assembléia Legislativa.
Foto M. A. Luz




Finalizo lembrando a necessidade da continuidade e aprofundamento das discussões a respeito da religião afro-brasileira, pela sua função religiosa, social, política e econômica, reafirmando e divulgando o seu grande valor, pois: ¨A escrita é uma coisa e o saber, outra. A escrita é a fotocópia do saber, mas não o saber em si... é herança de tudo aquilo que nossos ancestrais vieram a conhecer e que se encontra latente em tudo o que nos transmitiram¨... (Tierno Bokar).

Texto publicado no livro IDENTIDADE NEGRA E EDUCAÇÃO, ed. Ianamá, 1989, Salvador







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