segunda-feira, 30 de maio de 2016
A TARDE entrevista Marco Aurélio Luz
Sáb, 28/05/2016 às 08:19
Marco Aurélio Luz fala sobre samba na Bahia e no Rio
Gabriel Serravalle
Tags: entrevista marco aurelio luz cultura
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Adilton Venegeroles l Ag. A TARDEMarco Aurélio Luz,
filósofo, cientista social e doutor em comunicação - Foto: Adilton Venegeroles
l Ag. A TARDEMarco Aurélio Luz, filósofo, cientista social e doutor em
comunicação
A gema carioca é afro-baiana. Este é o tema da palestra
gratuita que será apresentada pelo filósofo e cientista social Marco Aurélio
Luz, no próximo dia 2 de junho, às 20 horas, no Teatro Isba. Especialista em
cultura afro, e autor de livros como Cultura Negra em Tempos Pós Modernos e Do
Tronco ao Opá Exin, o pesquisador participa do evento com a proposta de mostrar
a influência da Bahia na fundação das escolas de samba do Rio de Janeiro. Antes
de tratar do assunto na palestra, Marco Aurélio conversou com A TARDE e deu uma
dimensão da interferência afro-baiana no carnaval carioca e na própria história
do samba.
Sobre a palestra, o que o senhor pretende abordar com o tema
A gema carioca é afro-baiana?
Eu vou mostrar uma continuidade da civilização africana, a
reposição de linguagens, valores e instituições no Brasil e nas Américas, mas principalmente
na Bahia. No fim do século 19 e início do 20 há uma imigração baiana muito
forte no Rio de Janeiro, em que vão pessoas que fundam casas de religião nagô
no local. Aí se desdobram atividades culturais no âmbito da música, da dança e
dos desfiles de cortejo. Esses desfiles vão formar o que se chamou de
"pequena África". E o núcleo desse processo é a casa da baiana Tia
Ciata. Então tudo isso vai se estender nos ranchos, que o pernambucano criado
na Bahia, Hilário Jovino, leva para o Carnaval. Foi ali que ele levou os
elementos que iriam se constituir na linguagem das escolas de samba, com
mestre-sala, porta-bandeira, coreografias, tudo isso.
Então a influência da Bahia nas escolas de samba vai muito
além da ala das baianas.
Sim, vai muito além. A ala das baianas, inclusive, é um
reconhecimento delas como parte importante na origem das escolas de samba,
principalmente a Tia Ciata. Mas há também a influência nas outras alas, nas
coreografias e, principalmente, no mestre-sala e porta-bandeira.
Neste ano, a Mangueira foi a campeã do Carnaval carioca com
o enredo Maria Bethânia: a Menina dos Olhos de Oyá. E é muito recorrente a
presença da Bahia ou baianos como tema em outras escolas também. É uma prova de
que essa influência continua até hoje?
É uma influência da parte afro-baiana. É um reconhecimento.
[O carnavalesco] Joãosinho Trinta já fez, por exemplo, o enredo A criação do
mundo nagô. E, assim, ele ganhou o Carnaval. E várias outras escolas já fizeram
referência à Bahia, com o uso de simbologias que remetem aos valores da
tradição afro-baiana. Isso é uma deferência à origem das escolas, que é essa
característica de africanidade que se localiza na Bahia e se desdobra mundo
afora.
E se a Bahia exerceu tanta influência sobre as escolas de
samba cariocas, por que aqui não houve um desenvolvimento delas, com a mesma
estrutura e importância que têm no Rio de Janeiro?
Aqui, por razões político-sociais, houve um recuo dessas
manifestações afro-baianas no Carnaval. Desde o início, sempre foi uma coisa
difícil. Desde a presença dos primeiros blocos que surgiram, como os afoxés,
cria-se uma certa rejeição por parte do poder público e de outras instituições
oficiais. Apesar disso, continuaram fazendo, até que se disfarçaram de bloco de
índio, como Comanches e Apaches, e depois ganharam um fôlego mais recentemente.
E então vieram, em 1974, como uma resposta no sentido de enfrentar a repressão
política e social, com os blocos afros. Mas o Carnaval cresceu com os trios
elétricos tomando os espaços e as escolas de samba que aqui existiam não podiam
competir com a dimensão eletrônica que a festa ganhou. Agora é que estão mais
ou menos tentando dividir os espaços.
E como é o cenário, hoje, das escolas de samba na Bahia?
Hoje são remanescentes das escolas de samba, principalmente
da Diplomatas de Amaralina, que se localizava no Nordeste de Amaralina. E esses
remanescentes tentam se reunir, conversar, fazer acontecimentos que relembrem
as escolas. Mas, hoje em dia, uma escola de samba é uma verdadeira empresa,
como no Rio de Janeiro e São Paulo. E não há condições nem recursos para fazer
aqui uma escola nos padrões atuais.
Falando das origens do samba, há quem transforme isso em uma
disputa entre Bahia e Rio, com cada lado defendendo-se como o local onde nasceu
o gênero musical. Mas dá para cravar o nascimento do samba em um desses lugares
ou eles na verdade se complementam?
Esse samba mais urbano, que você vê surgindo [no fim do séc.
19] nas cidades do Recôncavo, o samba de roda, é de certa forma o samba
original. É claro que tinha outras formas espalhadas pelo Brasil, mas ainda sem
chamar de samba. E aí esse samba de roda, mais tarde, vai se adaptar às rodas
de samba, no Rio. Então ele tem a origem primeiro aqui na Bahia, mas o
desdobramento dele nas rodas de samba é uma característica carioca das escolas
de samba.
Em 2016 está sendo celebrado o centenário do samba, que toma
como ponto de partida o início do século 20, quando se consolidou como gênero musical, no Rio de
Janeiro. Então estariam desconsiderando as origens do samba, no fim
do século 19, na Bahia?
Com certeza. Porque aí já entra na parte oficial, corre
dinheiro, propagandas, é outro universo. Mas eles fazem o que querem. O
centenário seria quando? A Tia Ciata saiu daqui, no fim do século 19, já
levando o samba de roda e suas variações, e tem todo um valor por trás disso
que não está sendo considerado.
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