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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 20 de maio de 2017

TEMPOS DE “QUERELAS DO BRASIL"


Por Narcimária C. P. Luz[1]



Foto disponível na internet

Favela, planta característica da região de Canudos e que denominou as habitações do morro da Providência no Rio de Janeiro e se espalhou pelo Brasil a fora, As cidades se constituindo na dicotomia entre o "asfalto" e as favelas.

A música “Querelas do Brasil"(1978) de autoria de Maurício Tapajós e Aldir Blanc através da inesquecível interpretação de Elis Regina, é uma das muitas canções que nos convidam a pensar o Brasil em tempos de despudor, dor, medo e incertezas... “Querelas do Brasil" nos permite fazer  alusão ao hiato existente entre o Estado eurocêntrico e a nação, cuja identidade profunda está vinculada as civilizações aborígine e africana.



Foto disponível na internet


Foto disponível na internet

São tantas querelas!
No século passado na década de 1930, a etnóloga norte americana Ruth Landes na sua visita ao Brasil destacou no seu livro “A Cidade das Mulheres” (1947)as desculpas dadas a ela por Osvaldo Aranha, ministro das relações exteriores do Estado Novo:


Ruth Landes 
Foto disponível na internet 


Ruth Landes se surpreendeu com a capacidade e o poder de liderança e de organização das mulheres nas comunidades que garantiram a reposição e continuidade da tradição cultural africano brasileira na Bahia.

“O Brasil precisa ser corretamente conhecido, (...) e já que vai estudar os negros, devo dizer que o nosso atraso político que tornou essa ditadura necessária, se explica perfeitamente pelo nosso sangue negro, infelizmente por isso estamos tentando expurgar esse sangue e construirmos uma nação para todos, limpando a raça brasileira.”


Oswaldo Aranha ministro do Estado Novo, Ditadura Vargas.
Foto disponível na internet


Estamos no século XXI em 2017 e ainda somos golpeados com declarações vindas do poder de Estado com seus princípios republicanos, o atual Ministro da Justiça Serraglio afirmando sem pudor, em entrevista a Folha de S.Paulo no dia 07 de março de 2017 ser possível “identificar um potencial criminoso, ao olhar nos olhos dele”.



Foto disponível na internet

Afirmar que se reconhece um criminoso olhando nos seus olhos, é atualizar a ideologia racista do “criminoso nato” do “homem delinquente” pensamento elaborado pelo psiquiatra italiano Cesare Lombroso.


Criminalista italiano Lombroso, fim do séc. XIX.
Foto disponível na internet

No Brasil do século XIX suas ideias tiveram grande adesão através   de Nina Rodrigues e Arthur Ramos. O argumento de Lombroso e seus seguidores baseava-se numa "estética do mal" identificada através das características físicas do sujeito, cuja matematização das análises indicava a sua "tendência delitiva". Entra nessa matematização estética: formações cranianas, tamanho das orelhas, mandíbulas, lábios, olhos, dentição, nariz, etc. Assim, mesmo antes de acontecer o crime, o sujeito já é considerado suspeito. Assim, o discurso sobre a "estética do mal" vai regar a ideia de cidadania através da ideologia racista do “delinquente nato”, que propõem uma assepsia estabelecendo quem é capaz de “cidadania” ou quem são os “cidadãos”.




Foto disponível na internet
Professor e psiquiatra maranhense Nina Rodrigues. Alimentou a ideologia da inferioridade racial com uma falsa teoria de afirmar que a sagrada manifestação de orixá pelas sacerdotisas era análoga aos sintomas de histeria, "doença" usada para desqualificar as mulheres e qualificá-las como seres inferiores.  Séc. XIX e início do século XX.

À deriva dessa querela, crianças e jovens descendentes de africanos e aborígines, sofrem todos os dias a angústia de viver sob suspeita e a perda do seu direito à existência.
Uma constatação: essas ideologias racistas, garantem aos descendentes de europeus mais oportunidades e privilégios!
No Brasil a cidadania é branca e tem vínculos de interesse como o capital financeiro-industrial. Essa é a dura realidade!


Foto disponível na internet

A hegemonia de descendentes de imigrantes brancos recentes no Brasil no bloco no poder de Estado.

 É irônico, mas no Brasil temos de um lado, o discurso de cidadania e diversidade fomentado pelo Estado e, de outro, a atualização da política de embranquecimento e genocídio que tendem a atingir perversamente a população de descendentes de africanos e aborígines no Brasil.


Foto disponível na internet
Proclamada a República ocorre o genocídio de Canudos

As populações africano-brasileiras e aborígines clamam por políticas públicas que contemplem direitos coletivos capazes de estabelecer espaços institucionais de combate ao racismo e suas engrenagens ideológicas, que tendem a tragar a vida, levando-as a terem que lidar com situações marcadas por muita dor e humilhação.
No filme “Selma, uma luta pela igualdade” (2015) que aborda aspectos da organização e realização da marcha pelos direitos civis na cidade de Selma no Alabama em 1965, 


Foto disponível na internet
A marcha pelos direitos civis liderada por Martim Luther King

Há um diálogo muito interessante entre Coretta King esposa de Martin Luther King e Amélia Baynton, uma liderança feminina importante na história do movimento dos direitos civis nos EUA. No diálogo Amélia acalma Coretta afirmando que nós descendentes de africanos já nascemos preparados: “Somos descendentes de gente poderosa, que deu a civilização para o mundo. Gente que sobreviveu a navios negreiros, através de vastos oceanos. Gente que inovou, criou e amou, apesar das grandes pressões e torturas inimagináveis. Estão no nosso sangue, bombeando nossos corações a cada segundo. Eles lhe prepararam! Você está preparada!”


Foto disponível na internet
Coretta King e Martim Luther King
Não resta dúvida! Já nascemos preparados para enfrentar, superar e erguer com muita altivez e dignidade nosso patrimônio civilizatório africano e aborígine.
 “...O Brazil não conhece o Brasil/ ...O Brazil nunca foi ao Brasil/ ...O Brazil não merece o Brasil/... O Brazil ta matando o Brasil/... Do Brasil, SOS ao Brasil/...”
SOS ao Brasil!
Triste reconhecer que as populações que não assumem a característica de uma cidadania fixada no ideal de “eu” branco europeu, sofrem o flagelo das políticas genocidas e de abandono institucionalizadas pelo Estado.
Lamentável!




[1] Narcimária Luz é Doutora em Educação e pesquisadora no campo da Descolonização e Educação.

2 comentários:

  1. Artigo que merece lido compartilhado e analisado parabéns Professora vc não esta sozinha na luta

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  2. A denúncia do processo de exclusão vivido pelas comunidades negras no Brasil seguida da afirmação sobre o poder das mesmas oriundos de nossas anvestralidade contribui para nos fortalecer na luta diária por direitos coletivos que reparem as desigualdades históricas entre negros e brancos.

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