Caros colegas de mesa, Professor Doutor Marco Aurélio Luz e Professora Doutora Narcimária Luz; senhores e senhoras aqui presentes, prezados ouvintes: bom dia. É sempre um prazer muito grande poder falar um pouco sobre a minha origem e sobre a religião africana. Ainda mais aqui, quando em meio a amigos já de longa data.
domingo, 18 de dezembro de 2011
TRAJETÓRIA DO ILÊ AXIPÁ ANCORAGEM DOS VALORES AFRO-BAIANOS
Por José Félix dos Santos, Otun Alagba n’Ilê Axipá.
Mestre Didi e seus descendentes Axipá confraternizando-se na ocasião do batizado da sua bisneta Madalena filha do Otun Alagbá José Félix dos Santos
Caros colegas de mesa, Professor Doutor Marco Aurélio Luz e Professora Doutora Narcimária Luz; senhores e senhoras aqui presentes, prezados ouvintes: bom dia. É sempre um prazer muito grande poder falar um pouco sobre a minha origem e sobre a religião africana. Ainda mais aqui, quando em meio a amigos já de longa data.
Antes, porém, que eu comece a discutir com os senhores sobre o tema que trago, peço um minuto. Todas as vezes que se vai fazer uma obrigação no terreiro, seja de Egun ou Orixá, pede-se antes licença às entidades através de uma saudação. Como irei falar sobre a religiosidade africana e afro-brasileira neste espaço, como falarei de Orixás e Eguns, também aqui devo pedir licença a essas entidades. Saudarei primeiro em iorubá e, logo em seguida, farei a tradução para o português:
Mojubá Olorum Baba Olodumare
Onile, Mojuba yin o!
Exu Yangi, obá Babá Exu, Mojuba yin o
Egun aiyê chebá orum, mojuba yin
Awon Orixá laiê, awon Orixá lorum, mojuba yin
Agô ô!
“A Olorum, Pai Olodumare, apresento meus cumprimentos”
“Ao dono da terra apresento os meus cumprimentos”
“A Exu Yangi, Rei e Pai de todos os Exus, apresento os meus cumprimentos”
“A todos os Eguns, deste e do outro mundo, apresento os meus cumprimentos”
“A todos os Orixás deste mundo e do outro, apresento meus cumprimentos”
“Me deem licença!”
Ainda dentro do minuto pedido, gostaria de recitar uma cantiga bem antiga, que faz parte de nossa tradição e diz muito sobre nossa religiosidade, sobre o nosso modo de ver e de viver no mundo:
Iyá mi, Axexê!
Baba mi, Axexê!
Olorun um mi Axexê o o!
Ki ntoo bo orixá a e!
Esta cantiga diz o seguinte:
Minha mãe é minha origem!
Meu pai é minha origem!
Olorun é minha origem!
Consequentemente, adorarei minhas origens antes de qualquer outro Orixá.
E assim, encerro este primeiro minuto saudando a Xangô:
Kawo Kabiesile
Nós vos saudamos por ter vindo para a Terra
Bom, agora eu já posso me apresentar.
Sou José Félix dos Santos, bisneto de Mãe Senhora, filho de Nídia e neto de Mestre Didi. Sou sacerdote do culto dos ancestrais, também trazido da África pelos escravizados africanos. Pertenço ao terreiro Ilê Asipá, onde sou Otun Alagbá (que significa “o segundo líder”) e fui iniciado no culto dos ancestrais no terreiro Ilê Agboula, em Itaparica.
Mãe Senhora
Sou também iniciado no culto aos Orixás, no terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, situado no bairro São Gonçalo do Retiro, em Salvador. Lá, sou ogan de Iyansã, com o título de Ogan Toyadé, que significa “chegou o representante de Iyansã”. Como sou filho do Orixá Ossanyin, tenho o nome de Ewé Tolú, que significa “A folha é senhora do espírito”.
Ossanyin é a divindade das plantas medicinais e litúrgicas, por isso é um Orixá muito importante para a religião africana uma vez que não existe qualquer obrigação sem folha. Sua presença é sempre tão marcante e fundamental que os nossos mais velhos nos ensinaram: Kosi ewe kosi orixá, ou seja, sem folha não há Orixá. Nenhuma cerimônia pode realizar-se sem sua presença sendo ele o detentor do axé, ou poder, imprescindível até mesmo aos próprios deuses. Saúdo Ossanyin: Ewé Ô!
Bom, já que falei em axé, talvez seja interessante explicar um pouco o seu significado. Axé pode ser definido como várias qualidades de elementos que, reunidas, se transformam em uma grande força que passa a simbolizar e representar o poder do Orixá em qualquer circunstância, religiosamente falando. É, em verdade, o grande poder de realização que movimenta e estrutura o mundo. É, assim, um dos princípios básicos de nossa religião. Temos o dever de, obedecendo fielmente a tradição que nos foi passada, cultivar, expandir e transmitir o Axé de modo que, através dele, as coisas aconteçam. É, ao mesmo tempo, princípio e força.
É possível que os senhores já tenham percebido que por duas vezes utilizei, em minha fala, a palavra “dever”. Primeiro na abertura, ao saudar as entidades. Por último, agora, ao falar do nosso papel em zelar pelo Axé. Ora, o uso recorrente desta palavra não é por acaso, uma vez que significa compromisso – outro princípio fundamental em nossa religiosidade. Gostaria de aproveitar a oportunidade e explicar para os senhores, ainda que brevemente, as razões dos compromissos que mantenho com os dois cultos: tanto o dos ancestrais, quanto o dos orixás. Creio que, assim, poderá se ter uma boa noção do sentido que “compromisso” tem entre nós.
Antes de tudo, são compromissos herdados de minha família, pois descendo da linhagem real Asipá, uma das sete principais famílias fundadoras do Reino de Ketu, importante cidade do Império Yorubá.
Minha bisavó, Maria Bibiana do Espírito Santo, Mãe Senhora, Oxum Muiwá, foi iyalorixá de um dos terreiros mais importantes da Bahia, o Ilê Axé Opó Afonjá, até 1967, quando faleceu. Mãe Senhora era neta de Marcelina da Silva, uma das fundadoras da primeira casa de culto aos Orixás na Bahia, o Ilê Axé Airá Intile, depois Ilê Iyá Nassô, também conhecido como Casa Branca.
Mãe Senhora, escolhida em 1965 como Mãe Preta do Brasil, dedicou sua vida à expansão dos princípios religiosos e dos valores culturais nagô. Conduziu, com competência e fidelidade à tradição, o terreiro do São Gonçalo do Retiro, bem como, com igual dedicação, ocupava posições de destaque dentro do culto dos Eguns no Ilê Agboulá, em Ponta de Areia, na Ilha de Itaparica. Era filha de Oxum e mãe de Mestre Didi, meu avô, Alapini, sacerdote supremo do culto aos ancestrais masculinos, artista e escritor. Meu mestre, fundador do terreiro Ilê Asipá, onde sou Otun Alagbá, o segundo líder. Portanto, a minha bisavó era sacerdotisa do culto dos Orixás e o meu avô é o sacerdote supremo do culto dos Eguns no Brasil – O Alapini. Observem os senhores que esta é uma tradição já de muitos séculos, desde os nossos ancestrais africanos, fundadores de Ketu. Tradição que se manteve e se expandiu com Marcelina da Silva, Mãe Senhora e Mestre Didi, Alapini. Ao herdar este legado, o dever de mantê-lo e cultivá-lo ultrapassa o simples sentimento religioso, da forma como este sentimento é entendido e vivenciado no mundo Ocidental. Existe mesmo um sentimento de pertença que se manifesta e nos conecta diretamente aos nossos ancestrais, uma sensação de continuidade da família Asipá, capaz de vencer as distâncias do Oceano Atlântico. A palavra que cantamos aqui, em nosso culto, é a mesma palavra que cantam os Asipá de Ketu, lá na África. Ecoa por lá o mesmo toque dos atabaques que batem por aqui. Isso só foi possível por conta do compromisso, passado de geração a geração, em manter a nossa história, a nossa identidade, os nossos laços... enfim... em manter nossa tradição.
Um relato do meu avô, registrado no livro Agadá, do Professor Marco Aurélio Luz, aqui presente, é bem significativo quanto a esta continuidade. O que vou ler agora, remonta à viagem do Mestre Didi à Ketu, quando esteve em presença do Alaketu e teve a oportunidade de recitar o oriki de nossa família. O meu avô conta:
Quando terminei, só vimos o Rei de repente exclamar: Ah! Axipá, e, levantando- se da cadeira onde estava sentado, apontou para um lado do palácio, dizendo: a sua família mora ali!
Mestre Didi Axipá visita Ojubó o assentamento de Oxossi da família Axipá em Ketu
Imagem disponível em http://www.mestredidi.org/aformacao.htm
Todos nós ficamos parados, era uma coisa inacreditável. Em seguida, o Rei chamou uma pessoa das mais velhas, a Iya Naná, e nos mandou levar à casa dos Axipá.
Quando chegamos ao lugar, descobrimos que era todo um bairro, em vez de uma casa. Fomos levados à casa principal. Por ser um dia de semana, a maior parte dos homens estava trabalhando na roça da família denominada “Kosiku” – não há morte.
Mesmo assim, fui apresentado a todos os que estavam presentes, e, quando recitei o Orilé, foi uma alegria geral, todos a baterem palmas, vieram apertar minhas mãos, queriam entabular conversações comigo, e eu estava tão emocionado que cheguei a ficar fora de mim, não entendia e nem sabia de nada. Só via alegria no semblante de todos que se acercavam para me cumprimentar.
Percebem, neste relato, a continuidade que mencionei há pouco? Então, o compromisso que tenho com o culto de Baba Egun e também com o de Orixá nasce, obviamente do sentimento religioso, de uma fé profunda, mas também desta herança que recebi de meus pais, que, por sua vez, receberam-na de seus pais e assim por diante.
O compromisso de manter a tradição é, também, o compromisso de manter nossa identidade, nossos laços que atravessam séculos inteiros.
Tenho, desde o início desta nossa conversa, falado no culto dos Eguns. Mas, o que significam, o que são exatamente os Eguns? Bom, em resumo os Eguns são ilustres ancestrais: fundadores ou líderes comunitários da tradição yorubá, com vínculos familiares ou afinidades religiosas com as famílias fundadoras ou pertencentes àquela comunidade-terreiro específica.
Os Eguns ou Egungun são, assim, ancestrais guardiões de costumes, tradições e valores herdados, respeitados e temidos, que zelam pela comunidade, por sua ética e seu bem estar neste mundo.
É neste contexto que se renovam as alianças comunitárias, os vínculos de irmandade, os valores rígidos e estruturantes da hierarquia e respeito, a linguagem e os valores da tradição.
Os títulos nos terreiros de Egun ou Orixá são definidos através do jogo de búzios. No de Egun, é o Alapini quem faz a consulta e, no terreiro de Orixá, o jogo cabe a um Oluô Agbá, que significa “um iniciado velho”. Surge, então uma outra questão interessante: mas, qual a diferença entre Egun e Orixá? Para esclarecer esta dúvida, vou ler agora um texto escrito por meu avô, Mestre Didi, Alapini, há alguns anos:
“Anos após anos, séculos após séculos, a liturgia Nagô nos faz ver e escutar que os nossos antepassados apreciaram, amaram e passaram a cultuar entidades especiais, que recebemos como herança e que até hoje nós adoramos e invocamos como Egun.
Principalmente o Egun Siwajú, aquele grande ancestral que vai na frente do rebanho,para mostrar o caminho, prevenir o perigo, defender contra o mal e estimular a caminhada.
culto de Egun veio com nossos mais velhos desde a terra Yorubá-Nigéria na África Ocidental.
A diversidade de suas formas visuais, que variam muito de um lugar a outro, até mesmo de uma comunidade a outra, não difere de como são invocados e cultuados no Brasil, especificamente em Salvador – Bahia.
O resultado das comparações indica, ao mesmo tempo, diversidade de formas e muita similaridade em seus significados.
A dificuldade em distinguir as similaridades reside na variedade das formas e na diversidade linguística.
Em alguns lugares, o Egun encarna o espírito dos antepassados e, em outros, algo especial, uma forma que representa um determinado falecido, devendo ser zelado e adorado. O mais importante é que todos são poderes ancestrais que atuam na comunidade.
A maior parte dos pesquisadores, inclusive alguns membros dos terreiros, tem dificuldade em saber qual a relação entre Egun e Orixá.
A relação que há entre Egun e Orixá é que todas as pessoas que se tornam um Egun, antes do falecimento, pertenceram, durante toda a sua vida, a um Orixá-Eledá, a força da natureza que o criou.
Os Orixá estão associados à origem da criação, à sua própria formação, à uma força de realização e emanação diretas de Olorun. Já os ancestrais e os Egun são espíritos associados à história dos seres humanos, famílias e linhagens. Os Orixá estão especialmente associados à estrutura da natureza, do cosmo, e os ancestrais Egun à estrutura da sociedade.
A separação das duas categorias são muito bem definidas: de um lado os Orixá –a força ou entidade divina –, e do outro os ancestrais, espíritos de seres humanos.
Para os nagô, os Orixá não são Egun e nem Egun é Orixá. São dois cultos completamente diferentes, com duas práticas litúrgicas bem diferenciadas, com dois tipos de organização e iniciação dos sacerdócios completamente diferentes”.
É importante ressaltar – e isso eu quero deixar bem claro – que as diferenças entre os cultos de Egun e Orixá não significam, de forma alguma, que um seja melhor, mais correto ou mais tradicional que outro. Muito pelo contrário, estas duas tradições são, em verdade, faces de uma mesma tradição – o universo religioso nagô. Esta complementaridade pode ser notada facilmente uma vez que não deixamos, nem poderíamos deixar, de cultuar os Orixás no Ilê Axipá, que é, por definição, um terreiro de Egun. Se é verdade que não seguimos um calendário específico de festas para cada Orixá, posto que temos o nosso próprio, destinado ao culto Egungun, é igualmente verdade que, em dezembro, celebramos todos os Orixás na festa em homenagem a Xangô, patrono da casa. Ou seja, os Orixás não deixam de permear o nosso dia a dia.
Para finalizar esta nossa conversa, quero avançar brevemente noutra direção. Até aqui olhamos basicamente para o passado, para nossas origens, para como o Ilê Axipá se constituiu como uma continuidade dos valores tradicionais nagô. Olhemos, agora, um pouco para o nosso presente, um pouco para o nosso futuro.
Com 30 anos de fundação, o Ilê Axipá sentiu a necessidade de, sem descuidar do passado, olhar para o presente e se preparar para o futuro.
É forçoso reconhecer que os tempos de hoje já não são aqueles em que nossos antepassados viveram. Embora tenhamos, dentro do Ilê, a obrigação de zelar pelas tradições tais como nos foram passadas ao longo dos anos, sem que se processem quaisquer modificações sobre elas, o mundo que estende do lado de fora de nossa casa e
que nos engloba se modificou. A questão que se coloca para a gente é simples e, ao mesmo tempo, complexa: Adaptar-se às exigências do mundo externo, sem descuidar ou modificar os princípios básicos do nosso mundo interno. Ou seja, estreitar relações “modernas”, no sentido de nos apropriarmos das novas possibilidades de comunicação organização, com a sociedade em geral, ao mesmo tempo em que, mantemos entre nós, e filhos da casa, as relações tradicionais que são estruturantes de nosso culto, do nosso dia a dia.
Aqui cabe um desabafo. Quem nunca foi a um terreiro na vida, ou mesmo aquela pessoa que já foi, gosta e frequenta, quando pode, as festas, mas não participa do dia a dia da casa, talvez não imagine o quão penosa, em termos materiais e financeiros, é a sua manutenção. Enfrentamos, cotidianamente, diversos problemas e, entre eles, como em qualquer outra casa de nosso país, manter as terríveis contas em dia. Água, luz, caseiro; alguns reparos aqui, outros consertos ali, materiais vários, as festas... enfim... Tudo isso demanda dinheiro que, como todos sabemos, infelizmente não brota assim tão fácil. É verdade que sempre conseguimos reverter nossas dificuldades, no entanto, ficávamos invariavelmente no limite.
É importante frisar que este tipo de problema, bem como outros, dos quais eu não quero aqui falar, não é exclusividade do Ilê Axipá. Muito pelo contrário, fazem parte do cotidiano de grande parte dos terreiros deste país – muitos, inclusive, são obrigados a fechar as portas por causa da impossibilidade de arcar com as exigências do mundo moderno.
Este não é o nosso caso, nem chegou perto de ser. Contudo, é a realidade de muitas casas em Salvador e região, que são literalmente estranguladas pela especulação imobiliária, pelo descaso de determinados setores do poder público e da sociedade em geral.
Foi, portanto, justamente na tentativa de guardar em passado, de manter a continuidade ininterrupta da tradição, que o Ilê Axipá se tornou, até onde consegui pesquisar, o primeiro terreiro de candomblé do mundo a elaborar um plano estratégico, ou seja, a planejar estruturar-se em sintonia com as demandas do contexto em que se insere para alcançar metas previamente traçadas. Contamos, para isso, com o valoroso apoio dos amigos Fábio Rocha, Érika Lins, Ramon e Ynaia, para os quais, deixo aqui e publicamente, um agradecimento em nome de todo o Ilê Axipá.
Passo agora a informar aos senhores alguns dos resultados desta dinâmica, que ainda está em processo de implantação.
Encontro para discutir o plano estratégico do Ilê Axipá
Nossa meta ou, visão 2020 como é chamada dentro do planejamento estratégico, é fazer do Ilê Axipá uma referência internacional em ações de cunho religioso, social e cultural, preservando os segredos da tradição nagô Egungun. A preocupação com a preservação do segredo e da tradição está marcada também na “missão” de nosso terreiro, que definimos da seguinte forma: “Preservar a tradição religiosa do culto nagô Egungun, conforme os nossos antepassados, construindo conhecimentos com o povo de axé e a sociedade em geral, através de ações religiosas, sociais, culturais, e educacionais”. Portanto, este diálogo com o mundo externo que estamos propondo não acarretará em mudança ou quebra de tradição, pelo contrário, tende a reforçá-la e expandi-la ainda mais. Note-se que, o fato de estarmos aqui, hoje, nesta conversa com vocês já é, talvez, um primeiro passo na direção que planejamos tomar.
Para atingirmos as metas traçadas, estabelecemos outras – estas devem ser alcançadas num período mais curto, cerca de três anos.
São elas:
1 – Reelaborar um novo modelo de sustentabilidade do terreiro;
2 – Consolidar a regularização jurídica e administrativa do terreiro com foco em
sua segurança;
3 – Fomentar as manifestações culturais, artísticas e religiosas do terreiro Ilê
Axipá;
4 – Fomentar as relações entre o terreiro Ilê Axipá, o Estado e a comunidade
externa;
5 – Conceber e implementar um sistema de comunicação do terreiro com as
partes interessadas;
6 – Conceber e implementar o Parque Cultural Opa Exin.
Importante ressaltar aqui a participação de todos os filhos casa, oloyês ou não, nas discussões que resultaram no planejamento geral acima traçado, de modo que estamos diante de um trabalho do Ilê Axipá como um todo.
Por último gostaria de enfatizar algo realmente interessante e bastante significativo para mim e, acredito, para todos aqueles que se sentem ligados ao Axipá.
Nessas mesmas reuniões, verbalizamos o que seriam os nossos valores e princípios – norteadores de nossas ações na busca das metas já citadas. Entre os primeiros, elencamos: “ancestralidade religiosa”, “alegria”, “Axé”, “retidão”, “acolhimento”, “multicultura” e “modo de organização social africano”. Já entre os princípios, temos: “respeitar as tradições estabelecidas no terreiro, conforme ensinado pelos antepassados”, “respeitar a hierarquia do terreiro, reconhecendo no cargo valor incontestável”, “ter a disciplina necessária para manter o compromisso da fé”, “entender a ancianidade como valor hierárquico e imprescindível para a transmissão do conhecimento ancestral”, “fortalecer os laços de família da comunidade”, “zelar pelo respeito às diferenças”, “coexistir e conviver com outras culturas de maneira respeitosa e igualitária” e “manter viva a dinâmica da comunidade nagô”.
Mestre Didi Axipa Alapini, fundou a Troça Carnavalesca Pae Buroko em 1935. Agora durante a oficina de planejamento estratégico como ilustração do que é o Egbe, a comunidade se fez uma apresentação de trecho do enredo do afoxé Pai Burokô: “ a troça do babalaô”. A comunidade se diverte reina a alegria.
O que me comoveu foi notar que, sem que tivéssemos percebido, repetimos quase que integralmente um comunicado antigo do Alapini, em papel já todo amarelo e quebradiço, intitulado “as obrigações dos participantes do terreiro” que, entre outras coisas, pontua:
1 – Preservar o culto conforme foi deixado pelos ancestrais, sem nenhuma modificação;
2 – Respeitar e honrar os mais velhos, principalmente os que possuem títulos importantes dentro da comunidade;
3 – Ser leal e sincero para com a comunidade
4 – Socorrer e auxiliar qualquer pessoa que necessitar da sua ajuda moral e espiritual.
5 – Corresponder a suas obrigações de acordo ao título que lhe corresponde.
Esta coincidência prova duas coisas: a primeira, que nunca nos afastamos da conduta moral e ética nos ensinada por meu avô, Mestre Didi, Alapini, o que manteve salva a tradição. A segunda, que apesar de estarmos nos organizado dentro de uma mentalidade moderna, nunca nos afastaremos da conduta moral e ética nos ensinada por meu avô, Mestre Didi, Alapini – o que manterá, sempre, nossa tradição a salvo e em contínua expansão.
Encerro a minha fala novamente citando o meu avô, Mestre Didi, em alguns trechos do documento intitulado “consagração do lugar”:
“A minha presença, a sua e a de todos que aqui (Ilê Axipá) se encontram em qualquer ocasião, é uma só presença. É a presença do amor que envolve todos os seres num só sentimento de unidade e crescimento.
Não pode haver o mal entre nós. Todos nós somos um só. Quem quer que aqui (no Ilê Axipá) entre, vai sentir a força dos EGUN e dos ORISÁ e a necessidade de ter fé em si próprio e de saber como proceder para dar a sua contribuição afim de poder captar e ajudar na preservação do Ase Asipa, forças que, independente do seu lugar de origem, aqui estão armazenadas e daqui irradiam para todos os seres, constituindo esse lugar num centro de emissão e recepção de tudo que é bom, útil, alegre e próspero para todos os seus seguidores e admiradores”.
Muito Obrigado a todos.
Mestre Didi Axipá presidindo o Encontro da Tradição Religiosa Afrobrasileiro em 1986 na ocasião da criação do INTECAB-Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afrobrasileira
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Parabéns!
ResponderExcluirMuito esclaredor e emocionante o conteúdo deste texto!
Grande abraço,
Ana.
Meu saudoso irmão José Felix.
ResponderExcluirMeu saudoso irmão José Felix.
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