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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 31 de julho de 2010

110 ANOS DO NASCIMENTO DE MÃE SENHORA -OXUM MUIWÁ

Mãe Senhora, a saudosa Oxum Muiwá

A propósito das comemorações dos 100 anos do Ilê Axé Opô Afonjá,comunidade tradicional de suma importância nas Américas pelo legado transatlântico dos valores da civilização africana que se expande até nossos dias,o blog da ACRA apresenta para seus visitantes um artigo valioso escrito pelo bisneto de Maria Bibiana do Espírito Santos, a saudosa Iyá Oxum Miuwá,sucessora da Iyá Oba Biyi Eugênia Anna dos Santos que fundou em 1910 o Ilê Opô Afonjá.
O Sr.José Félix dos Santos bisneto de Mãe Senhora, integra a hierarquia da comunidade Ilê Asipá onde é Otun Alagba, e Ogã no Ilê Axé Opô Afonjá.O artigo escrito pelo Sr. José Félix dos Santos Asipá, é um documento rico para comunicar as gerações de hoje, aspectos da nossa história da Bahia e do Brasil.Para os/as educadores/as que andam inquietos, buscando referências para atender a proposta da Lei 10.639/03 nas suas aulas,encontram aqui um repertório histórico precioso,ou melhor,a história contada por um descendente de africano/a de uma importante família originária de Oyó e uma das fundadoras da cidade de Ketu,estamos nos referindo a família Asipá.
Boa leitura!

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Por José Félix dos Santos
Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, Oxum Muiwá, filha legítima de Félix do Espírito Santo e Claudiana do Espírito Santo, nasceu em 31 de março de 1900, na Ladeira da Praça em Salvador, Bahia.
Era descendente da nobre e tradicional família Asipá, originária de Oyó e Ketu na África, importantes cidades do império Yorubá. Sua trisavó, Sra Marcelina da Silva, Oba Tossi, foi uma das fundadoras da primeira casa da tradição nagô no Brasil o Ilê Axé Aira Intilé, candomblé da Barroquinha, depois Casa Branca do Engenho Velho, que deu origem aos terreiros do Gantois ( Ilê Axé Omi Iyamassê) e do Ilê Axé Opó Afonjá, do São Gonçalo do Retiro. Não se tem muita informação sobre a vida de Maria Bibiana, do nascimento até os sete anos, talvez em razão da pouca importância que se dá nas comunidades de candomblé, aos fatos e datas da vida secular e do pudor cerimonioso com que são tratados os fatos da vida pessoal dos seus membros, sobretudo aqueles tornados líderes, com uma posição e autoridade a serem preservados.
O que sabemos é que foi iniciada aos 7 anos de idade e, nesta época, já recebeu de sua mãe-de-santo, Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha, Obá Biyi, a ‘’cuia’’ que pertencera à sua bisavó, Marcelina Oba Tossi. O merecimento excepcional obtido por Senhora em tão tenra idade, deveu-se à sua linhagem familiar e espiritual.
Senhora foi preparada por Obá Biyi para ser sua sucessora. No Axé Opó Afonjá foi a Ossi Dagã e nas ausências de Mãe Aninha, assumia os cuidados com o culto e com os filhos da Casa, auxiliando as tias e irmãs mais antigas no comando da comunidade.
Com a morte de Mãe Aninha e ‘’depois de realizadas todas as obrigações e preceitos de acordo com a liturgia da seita, e tudo regularizado dentro do Axé Opó Afonjá’’, em junho de 1939, Mãe Senhora assume ainda com o título de Ialaxé, a direção do terreiro – ‘’como era de direito, devido à sua tradicional família da nação Ketu, ao lado de Mãe Bada, Maria da Purificação Lopes, Olufan Deiyi, já idosa, mas reconhecidamente sábia e experiente, propiciando uma transição segura e tranqüila até a sucessão concluída com sua morte e luto ritual. Segundo Deoscóredes Maximiliano dos Santos, Mestre Didi, seu único filho biológico , Mãe Senhora torna-se de fato e direito a Ialorixá do Axé, em 19 de agosto de 1942.
No Ilê Agboulá, comunidade do culto aos Eguns de Ponta de Areia, ilha de Itaparica, exerceu sua liderança e recebeu o título mais elevado dado a uma mulher – Iyá Egbé.
Sua fé em Xangô era inabalável, e sua dedicação ao orixá de sua mãe-de-santo era ‘’maior até que ao seu próprio orixá’’ – que ela chamava de ‘’meu anjo da guarda.’’
Mesmo não residindo ‘’na roça’’ estava presente e tudo controlava com extremo rigor e pontualidade, empenhando todos os esforços para a fidelidade dos preceitos com entusiasmada dedicação.
Esta senhora de Oxum de forte personalidade, deu seguimento às comemorações e festas tradicionais de acordo com o calendário estabelecido por D.Aninha. Mantinha muitos dos hábitos instituídos por sua mãe-de-santo, como ter a sua manutenção econômica assegurada por atividade independente do sacerdócio.
Vivia o sacerdócio como uma missão. A partir de 1942, Senhora, já Ialorixá, começou a tomar providências importantes para neutralizar as reticências e oposições que por ventura ainda perdurassem no interior do egbé e a substituir cargos tornados vacantes por afastamento, morte ou para reforçar sua liderança.
Criou então os cargos de substitutos no quadro dos Obás de Xangô – os otuns e os ossi Obás – ou seja, os primeiros e segundos substitutos dos titulares, ampliando o quadro inicial dos 12 titulares para 36. E aprimorou a instituição, definindo suas funções e estendendo a escolha dos Obás para o âmbito social, além dos limites da comunidade religiosa.
Provavelmente já como fruto desta nova orientação no corpo dos Obás, Senhora e o Axé começaram a colher frutos importantes. Pierre Verger, que desde 1946 fixara residência na Bahia e, a partir de 48, fazia freqüentes viagens a África, já desenvolvendo pesquisas, tornou- se um interlocutor interessado na retomada das relações entre afro-brasileiros e africanos. Foi assim, que em 1952, D.Senhora, Oxum Muiwá, recebeu do Obá Adeniram Adeyemi, o Alafin (rei) de Oyó, na Nigéria, um edun ará e um xerê de Xangô, acompanhados de uma carta, tratando-a com o título de Iya Nassô.
Como explica Vivaldo da Costa Lima, num artigo intitulado “Ainda sobre a nação Queto” – Iyá Nassô é um título altamente honorífico, privativo da corte de Alafin de Oyó, isto é, o ‘’rei de todos os iorubás’’. A Iyá Nassô é quem, em Oyó, a capital da tradição política da nação dos iorubás, se encarrega do culto de Xangô, a principal divindade dos iorubás e o orixá pessoal do rei.
D. Maria Bibiana do Espírito Santo comungava do entusiasmo de Pierre Verger de verem reatadas as relações culturais com a África e recebia com freqüência a visita de intelectuais e embaixadores de países africanos como Daomé, Ghana e Senegal. O governo Senegalês conferiu-lhe, em 1966, a comenda do ‘’Cavalheiro da Ordem do Mérito’’, pelos relevantes serviços prestados na preservação da cultura africana no Novo Mundo.
D.Senhora de Oxum teve a satisfação de ver reconhecida a sua liderança espiritual, ainda em vida, em muitas homenagens que recebeu:
Em 1957, por ocasião do cinqüentenário de sua iniciação, foi homenageada com uma grande festa no barracão do Axé lotado dos filhos-de-santo, Obás e demais integrantes do egbé, delegações dos mais diversos candomblés da Bahia, personalidades da vida intelectual, muitas delas vindas do Rio de Janeiro e São Paulo, inclusive representações do presidente Juscelino Kubitscheck e do seu Ministro da Educação.
Em 1959, por ocasião do IV Colóquio Luso-Brasileiro, realizado pela UFBA, D.Senhora ofereceu no Axé um grande amalá de Xangô, numa festa pública dedicada aos congressistas. Durante a festa, o escritor Jorge Amado saudou seus convidados, em nome do terreiro e de sua ialorixá, dizendo “..Estais em vossa casa porque este terreiro de Xangô, este candomblé de Senhora, tem sido – permanentemente e sempre – uma casa da cultura e da inteligência baiana... somos orgulhosos deste templo e de seu significado. Aqui passaram e estudaram Martiniano do Bonfim, babalaô da casa, nosso Édison Carneiro, o feiticeiro Pierre Verger, e hoje nós, homens de cultura, somos os defensores do seu segredo e de sua grandeza, ao lado desta figura invulgar de mulher, feita de uma só peça, rainha, se a este título damos sua significação mais profunda...’’
Em 1965, Mãe Senhora recebeu o título de ‘’Mãe Preta do Brasil’’ e foi aclamada pelas comunidades religiosas afro-brasileiras, que lotaram o Maracanã, no Rio de Janeiro, com seus representantes, além de políticos e jornalistas.
Deixamos com Mestre Didi, seu filho e importante historiador da tradição da sua comunidade, a notícia do seu falecimento: ‘’No dia 22 de janeiro de 1967, Maria Bibiana do Espírito Santo veio a falecer pela manhã, ao nascer do sol. Mãe Senhora, assim, como todos os de sua família, morreu de repente, e talvez por isso pareceu impossível a muitos acreditar na notícia da sua morte. Tão forte ainda, aparentemente tão sadia, com aquela presença de rainha, sua força de comando, sua intimidade com os orixás!’’

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