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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O RIO, A FLORESTA E A CIDADE: TRANÇANDO VALORES, TECENDO CULTURA E ENTRELAÇANDO SENTIDOS RELIGIOSOS – PARTE I

Por Magnaldo Oliveira dos Santos



Nossa contribuição, de forma mais geral, pretende: evidenciar as comunidades-terreiro como territórios sagrados de elaborações e afirmações de valores culturais-civilizatórios africano-brasileiros. De modo específico destacaremos as comunidades-terreiro como instituições de preservação e reelaborações das tradições religiosas dos negros no Brasil; ressaltar as comunidades-terreiro como espaços de produção de culturas e construção de identidades dos povos negros e estabelecer um diálogo entre os valores simbolizados pelo rio, a floresta e aqueles representados pela cidade. A metodologia da pesquisa foi qualitativa com a História Oral Temática e a técnica, entrevista narrativa.     
O presente texto é um pequeno recorte dentro da grandiosidade da episteme do continuum civilizatório negro-africano, tecido, a partir da minha vivência, “da porteira para dentro” (MÃE SENHORA ÒSUN MUIWA, 1942/1967), ou seja, indivíduo pertencente às tradições religiosas de nação nàgó, parte constituinte, do universo das religiões de matrizes africanas aqui no Brasil. Ele foi elaborado com base em um dos  capítulos do trabalho de pesquisa por mim desenvolvido e intitulado "Ojó Orúko: um reencontro com a ancestralidade negra", para compor a dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade , Linha de Pesquisa Processos Civilizatórios, Educação, Memória e Pluralidade Cultural, pela Universidade do Estado da Bahia.
A abordagem metodológica da pesquisa foi qualitativa, com revisão bibliográfica e pesquisa de campo de inspiração etnográfica. A técnica escolhida foi Entrevista Narrativa, fundamentada na metodologia da História Oral Temática. A Territorialidade foi a Comunalidade Ilé Àse Òpó Àfònjá e os participantes foram os iniciados na tradição nàgó/kétu, dessa comunalidade, totalizando 06 entrevistados.
Refletindo sobre as noções de comunidades-terreiro me respaldo em Luz (1995), Sodré (1999) e Luz (2000). As noções sobre religião estão ancoradas em e Gomes (2008) e Durkheime (1970). Sobre cultura busco embasamento em Gomes (2008). Para a categoria identidade, tomo como referência Loureiro (2004). Quanto às noções de memória utilizo Worcman (2007).

ÈGBÉ ÀSA DÚDÚ (COMUNIDADES NEGRAS TRADICIONAIS): O CORDÃO UMBILICAL QUE NOS LIGA À MÃE ÁFRICA

As comunalidades negras, dentro e fora da África, são territorialidades que transcendem as localidades onde as mesmas estão inseridas, e se projetam para além dos limites impostos pela geografia, alcançando amplitudes mundiais, para anunciar seus princípios e força que dão coesão, continuidade aos legados artísticos, filosóficos, religiosos, científicos, bem como linguagens que constituem traços particulares e peculiares de culturas e identidades de seus descendestes em todo o mundo.
Comunalidade é representada nos valores de comunidade, a comunalidade é expressão lúdico-estética, estabelecendo “a referência à compreensão da arkhé que funda, estrutura, revitaliza, atualiza e expande a energia mítico-sagrada da comunalidade africano-brasileira” (LUZ, 2000, p. 47)
As Comunidades-terreiro são entendidas aqui como instituições complexas e dinâmicas, representativas dos valores civilizatórios negro-africanos em solo brasileiro. Com suas religiosidades vibrantes, mais do que desdobramentos das comunalidades africano-brasileiras, elas foram e são os núcleos, os centros agregadores e orientadores dos povos negros no Brasil, a despeito de todo o passado vergonhoso ao qual estiveram aqui submetidos.
A comunidade-terreiro é, assim, repositório e núcleo reinterpretativo de um patrimônio simbólico explicitado em mitos, ritos, valores, crenças, formas de poder, culinária, técnicas corporais, saberes, cânticos, ludismo, língua litúrgica (o iorubá) e outras práticas sempre suscetíveis de recriação histórica capazes de implementar um laço atrativo de natureza inter-cultural (negros de diferentes de etnia) e transcultural (negros e brancos) (SODRÉ, 1999, p. 171).
Então, as comunidades-terreiros foram e são as organizações mais impressionantes, as mais fortemente representativas das origens (arkhé), teogonias, cosmovisões, e religiosidades, dos povos negros no Brasil, de seus legados culturais civilizatórios, como também responsáveis pela preservação e ressignificação de suas histórias e memórias, que são diária e constantemente transmitidas, ensinadas, aprendidas, experienciadas, sentidas e vividas, retoalimentadas e perenizadas, através dos mitos e ritos no interior de seus territórios.

Religião Como Parte da Cultura
As religiões são partes essenciais das culturas humanas em quaisquer partes do mundo. Cultura, colere (l.), significa cultivar. “Cultura é o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza em parte consciente, em parte inconsciente, constituindo um sistema mais ou menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar-se, posicionar-se perante o Absoluto, e, enfim, reproduzir-se” (GOMES, 2008, p.36).
“A palavra religião, como lembram os teólogos, vem do latim re-ligare, que quer dizer mais ou menos o sentido de voltar a algo inerente ao homem, o qual o homem teria perdido. Talvez tenha sido sua essência primordial ou sua finalidade última” (GOMES, 2008, p. 133). Como afirma Durkheime (1970): “toda religião é verdadeira”.
As comunidades-terreiro têm relevância no sentido de “inundar” o território brasileiro das histórias, memórias, línguas, culturas e religiosidades negro-africanas, representando, dessa forma, simbolicamente o cordão umbilical que liga os descendentes dos africanos de ontem, e nós também, hoje, à África-Mãe, Ancestral e à África da contemporaneidade.

REFEREÊNCIAS:



DURKHEIME, Émile. Sociologia e Filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 1970.



ESPÍRITO SANTO, Maria Bibiana do. “Da Porteira Para Dentro da Porteira Para”. Mãe Senhora Òsun Muiwa. Terceira Ìyálórìsà na ordem de Sucessão do Ilé Àse Òpó Àfònjá. Em São Gonçalo do Retiro- Salvador: 1942/1967.



GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008.



LUZ, Narcimária Correira do Patrocínio. Awasojú: dinâmica Existencial das Diversas Contemporaneidades. Revista da FAEEBA, Salvador/Bahia, v. 8, n. 12, p. 45-80, 2000.



SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.



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Magnaldo Oliveira dos Santos é mestrando do programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Pesquisador do Programa Descolonização e Educação – PRODESE; Especialista em História e Cultura africana e afro-brasileira pela Fundação Visconde de Cairu; Especialista em Consciência e Educação pela Fundação Ocidemnte - ISEO; Professor de Língua e Civilização yorùbá em cursos de extensão da UNEB (2001/2002), UFBA (1998/2002) e Fundação Gregório de Mattos (2002/2003); Consultor pela Secretaria Municipal de Educação de Salvador (SMEC) em Africanidades e Lei 10.639/03. Professor Convidado da Faculdade D. Pedro II na disciplina História e Cultura Africana no Curso de Pedagogia
 


Continua na próxima semana.


 

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