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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 29 de outubro de 2011

O RIO, A FLORESTA E A CIDADE: TRANÇANDO VALORES, TECENDO CULTURA E ENTRELAÇANDO SENTIDOS RELIGIOSOS – ÚLTIMA PARTE

Por Magnaldo Santos Oliveira


Ó LÓLÁ LODÒ ÀTI NIGBÒ NBÓ ÌLÚ! A RIQUEZA DO RIO E DA FLORESTA ALIMENTA A CIDADE!


O rio (Odò) e a floresta (Igbò) são por nós concebidos como entidades sagradas, para além, de elementos comuns “dissecados” pelas ciências pragmáticas, próprias das sociedades de “valores brancos”. Eles são também entidades pertencentes aos Òrìsà, Vodun, Bankisi, etc. Eles são elementos da natureza, poderosos e complexos que possuem vida, forças, mistérios, sacralidades e que produzem vidas, as alimentam e as sustentam. O rio simboliza o início da vida, líquido amniótico no qual a criança é gerada e gestada. O rio é o sangue que serpenteia a Terra, amaciando-a e nutrindo-a, dando vida às florestas e a tudo que nelas existem. Como diz, sabiamente, o provérbio yorùbá: “Àse ti doyún nle àiyé, ato ti domo”, ou seja, “O Axé estendeu-se e expandiu-se sobre a Terra”, assim, o àse do rio estende-se, expande-se e dá vida a Terra.
A floresta, por sua vez, representa a casa, a morada de muitos Orixás. É o que Ferreira Santos chama de Oikos. A floresta é também o lugar onde moram os seres sagrados, os ancestrais memoráveis e ancestrais comuns. Através, de sua rica diversidade de vidas, nichos ecológicos, biomas e formas endêmicas ou não, é que as vidas, de todos os seres que nela moram, são sustentadas, perpetuadas e multiplicadas, dando continuidade à chamada cadeia alimentar e ao ciclo da vida. É no seu interior que moram o Òrìsà Òsányìn, dono e conhecedor das folhas (ewé), o Òrìsà Òsóòsì, senhor da caça, Ìrókò, Apáòká, Oko, Ajésalùngá e muito outros.
Na floresta também se reúnem e se abrigam as sociedades secretas dos caçadores, a exemplo da sociedade Ogboni, as sociedades secretas das mulheres como a Gèlèdè e Eko, entre outras. Ela é também o local onde está resguardada a floresta das crianças chamadas Àbíkú, aqueles que nascem natimortos ou morres logo ao nascer, mantendo um ciclo constante de vida e morte.

Imagem disponível em

O rio e a floresta representam simbolicamente as nossas comunidades negras tradicionais e seus valores, sejam materiais ou sagrados. Com essas duas entidades, representativas do contínnum civilizatório negro-africano, nessa grande trama, trançamos valores, tecemos culturas, formamos e construímos/reconstruímos identidades, trocamos significados e sentidos religiosos com a cidade.
A cidade, neste texto, é tomada como representativa das sociedades imperialistas com seus valores civilizatórios, eurocêntricos, que não conhecem e não se permitem conhecer e respeitar a diversidade, seus diferentes modos de ver, estar mo mundo e relacionar-se com ele. Os valores que são eleitos para regeram as cidades, adotados e impostos pela cultura dita hegemônica estão baseados, conforme denúncia Luz (1995), na “Ordem e Progresso” e em “Times is Money”, valores estes que em nome do suposto e questionável progresso e do dinheiro, têm se constituído como princípio, meio e fim de todas as coisas, para todas as coisas e sobre todas as coisas. Por essa lógica, “Times is money, tempo é dinheiro, trabalho é dinheiro, vida é dinheiro” (LUZ,1995, p. 286). Tais concepções de vida e valores de mundo vêm de forma egoística, gananciosa, irresponsável e inconsequente se apropriando, dizimando, espoliando e extinguido nossos Rios e Florestas, assim como, vários outros patrimônios, comuns e sagrados, materiais e imateriais, não apenas, representativos dos nossos valores, econômicos, culturais e religiosos, como também, são, eles próprios, locais onde vivem os seres para nós sagrados, nossos ancestrais em geral, bem como nossas comunidades-terreiros, e não esqueçamos de que, eles são também indispensáveis para a existência, a sobrevivência e a qualidade de vida para todas e quaisquer sociedades em todo planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Procuramos dialogar com a alteridade, contribuindo para uma troca salutar de conhecimentos, culturas e religiosidades. A construção do respeito às diferenças em todos os espaços e todas as áreas, é necessária, pois, as diferenças constroem a humanização. Buscamos contribuir também na promoção real/efetiva de relações interpessoais respeitáveis e igualitárias entre todos os sujeitos históricos que integraram e integram nossa sociedade, procurando assim, “quebrar” com a naturalização das hierarquias dos conhecimentos, saberes, culturas e religiões.
Desse modo, esperamos ter contribuído para minimizar dúvidas que por ventura existissem sobre o, tema, ao mesmo tempo em que desejamos desfazer equívocos perpetuados por literaturas que na grande maioria são visões enviesadas, construídas “desde fora”, carregadas de etnocentrismo e impregnadas de preconceitos, muitos dos quais não vivenciam as religiões de matrizes africanas, por isso mesmo, se muito têm para “teorizar” pouco ou quase nada têm a sentir e a experienciar, acerca dos verdadeiros valores civilizatórios, da fé e da cosmovisão dos povos negros no Brasil.


Por fim, nosso texto se constitui como um convite à reflexão no que diz respeito ao modo de conceber a natureza e interagir com ela. É, também, um convite para se repensar as formas de se relacionar com as diversas alteridades civilizatórias, africano-brasileiras e seus valores materiais e imateriais, assim como tantas outras, existente no Brasil e ao redor do mundo que têm sido historicamente usurpadas, denegadas, deturpadas e excluídas dos contextos sócio-histórico-político-econômico-religiosos.
REFEREÊNCIAS:



DURKHEIME, Émile. Sociologia e Filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 1970.


ESPÍRITO SANTO, Maria Bibiana do. “Da Porteira Para Dentro da Porteira Para”. Mãe Senhora Òsun Muiwa. Terceira Ìyálórìsà na ordem de Sucessão do Ilé Àse Òpó Àfònjá. Em São Gonçalo do Retiro- Salvador: 1942/1967.


GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008.


LUZ, Narcimária Correira do Patrocínio. Awasojú: dinâmica Existencial das Diversas Contemporaneidades. Revista da FAEEBA, Salvador/Bahia, v. 8, n. 12, p. 45-80, 2000.


SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.
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Magnaldo Oliveira dos Santos  é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Pesquisador do Programa Descolonização e Educação – PRODESE; Especialista em História e Cultura africana e afro-brasileira pela Fundação Visconde de Cairu; Especialista em Consciência e Educação pela Fundação Ocidemnte - ISEO; Professor de Língua e Civilização yorùbá em cursos de extensão da UNEB (2001/2002), UFBA (1998/2002) e Fundação Gregório de Mattos (2002/2003); Consultor pela Secretaria Municipal de Educação de Salvador (SMEC) em Africanidades e Lei 10.639/03. Professor Convidado da Faculdade D. Pedro II na disciplina História e Cultura Africana no Curso de Pedagogia.

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