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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


sábado, 22 de outubro de 2011

O RIO, A FLORESTA E A CIDADE: TRANÇANDO VALORES, TECENDO CULTURA E ENTRELAÇANDO SENTIDOS RELIGIOSOS/PARTE II

Por Magnaldo Oliveira dos Santos



NÃO É ESCRITO, É FALADO! O ENSINAMENTO BOCA A OUVIDO PRODUZ CULTURA E CONSTRÓI IDENTIDADES

Tudo começa e se desenrola por meio e através da linguagem, uma vez que o ser humano é um ser verbal que se expressa e concebe o mundo através da palavra. Toda sua compreensão de mundo e sua relação com ele se realizam pela palavra. Então, a palavra proferida, falada, tem um poder de ação, movimento, construção ou destruição. A transmissão simbólica, a mensagem, se realiza conjuntamente com gestos, com movimentos corporais. A palavra é vivida, pronunciada e está carregada de ondulações, de emoção, sentimento e força, de história pessoal e/ou coletiva, do poder e da experiência de quem a profere ou do grupo a profere. A palavra transporta o alento-veículo existencial e atinge os referentes e planos mais profundos da personalidade.
Foi, preponderantemente, através da transmissão oral que várias sociedades negro-africanas nos possibilitaram o conhecimento, sobre si mesmas, suas religiosidades e seus legados civilizatórios, ou seja, sua identidade/alteridade, bem como a manutenção desses valores aqui no Brasil, através, das narrativas de itan, òwe, adúrà, oríkì, orin, ìrémòjé, ìjálá, etc., bem como outras narrativas, das variadas línguas, culturas e religiosidades, dos diferentes povos africanos, também, para cá trazidos.

Pamò Ìránti Dáàgbára! (Preservar a Memória Dá Poder!)

Memória, para nós aqui, é também o acervo individual e/ou coletivo ou o conjunto dos registros pessoais e/ou grupais que selecionamos para armazenar/preservar e que constitui ou passa a constituir o patrimônio, histórico, linguístico, artístico e cultural de um determinado grupo. Esses acervos individuais ou coletivos não se compõem aleatoriamente e estão disponíveis por meio de criteriosos processos de lembranças.
A memória social é um conjunto de registros e processos eleitos coletivamente como significativos por uma dada sociedade. Ela define, em grande parte, a teia cultural na qual os indivíduos estão inseridos e compõem sua visão de mundo. Nesse sentido, a memória social estrutura, substancialmente, os valores simbólicos de uma sociedade [...] (WORCMAN, 2007, p. 8).




Para nós africano-brasileiros, nossos ancestrais são memórias, referências de cultura, educação, princípios e aprendizagens que nos orientam coletivamente, através dos tempos. Nossas comunidades-terreiro não são espaços estáticos, que se prestam a ser observatórios, elementos de especulações e de teorias científicas, guardando um passado inerte e congelado no tempo, a exemplos dos museus e suas peças compositoras, muito pelo contrário, elas são territórios pulsantes de vidas, acervos e memórias vivas que se reelaboram diária e constantemente, entrosando passado, presente e futuro, assim como, o mundo sagrado e o mundo cotidiano, em diálogo constante. Tudo isso, se constitui como elementos fundamentais na formação e construção/reconstrução das identidades individuais e coletivas dos povos negros.

Awo ni o, Awo ni mi! A Comunidade e a Formação das Identidades Pessoais e Coletivas

Nas civilizações tradicionais africanos e em nossas comunidades-terreiro, o ser está plenamente ligado e integrado à coletividade, há o sentimento de pertença e de colaboração para o bem comum a todos. O sujeito, então, enquanto indivíduo é um ser único com um lugar e função no grupo, observado e respeitado por todos.
A sabedoria está na dialética da individualidade interagir e se expressar na coletividade. Loureiro (2004, p. 49) declara: “O conceito de identidade está originalmente relacionado ao fato de um indivíduo construir a sua própria história. [...] A identidade passa a ser articulada a interação, autonomia e processos sociais”.



Por essa concepção que as comunidades-terreiro são territórios de produção de culturas negro-africanas que são elaboradas e reelaboradas no cotidiano das mesmas, através dos seus modos operandi e vivendi. Alguns como: o ético-estético que anunciam esses sujeitos da “porteira para dentro e da porteira para fora”; a gastronomia com suas variadas formas, consistências, cores, odores e sabores com suas sofisticadas elaborações de pratos votivos e de uso diário, não somente de uso dos membros das comunidades-terreiro, mas, que há muito já ganhou o domínio público; artes plásticas nas suas mais diversas modalidades e utilizações de variados materiais como o barro, a louça, a madeira, a pedra, as fibras etc., para representações antropomórficas, e de objetos comuns e sagrados, entre outras possibilidades e elaborações; as artes cênicas que, através das ricas coreografias que representam o sagrado e variadas instâncias do mesmo, bem como os seres míticos e ancestrais; a arte musical com suas sonoridades, cânticos, tons, ritmos e intensidades complexas e sofisticadas; os vestuários e suas diferentes representações de modelos, cores, tecidos, texturas, adereços, ferramentas e instrumentos sagrados e consagrados; visões de mundo; o respeito à ancianidade; a relação para com a natureza e seus elementos materiais e imateriais; comportamentos; linguagens e modo de ser e estar no mundo, entre outros desdobramentos, tudo isso, concomitantemente, constrói/reconstrói identidades, valores pessoais e coletivos, nas relações internas e externas ao grupo de pertença e da própria comunidade-terreiro.

REFEREÊNCIAS:

DURKHEIME, Émile. Sociologia e Filosofia. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 1970.

ESPÍRITO SANTO, Maria Bibiana do. “Da Porteira Para Dentro da Porteira Para”. Mãe Senhora Òsun Muiwa. Terceira Ìyálórìsà na ordem de Sucessão do Ilé Àse Òpó Àfònjá. Em São Gonçalo do Retiro- Salvador: 1942/1967.

GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008.

LUZ, Narcimária Correira do Patrocínio. Awasojú: dinâmica Existencial das Diversas Contemporaneidades. Revista da FAEEBA, Salvador/Bahia, v. 8, n. 12, p. 45-80, 2000.

SODRÉ, Muniz. Claros e Escuros: Identidade, povo e mídia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999.

Magnaldo Santos é Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Pesquisador do Programa Descolonização e Educação – PRODESE; Especialista em História e Cultura africana e afro-brasileira pela Fundação Visconde de Cairu; Especialista em Consciência e Educação pela Fundação Ocidente - ISEO; Professor de Língua e Civilização yorùbá em cursos de extensão da UNEB (2001/2002), UFBA (1998/2002) e Fundação Gregório de Mattos (2002/2003); Consultor pela Secretaria Municipal de Educação de Salvador (SMEC) em Africanidades e Lei 10.639/03. Professor Convidado da Faculdade D. Pedro II na disciplina História e Cultura Africana no Curso de Pedagogia

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