Ó Exu
ao bruxoleio das velas
vejo-te comer a própria mãe
vertendo o sangue negro
que a teu sangue branco enegrece
ao sangue vermelho
aquece nas veias humanas
no corrimento menstrual
à encruzilhada dos
teus três sangues
deposito este ebó
preparado para ti
Tu me ofereces?
não recuso provar do teu mel
cheirando meia-noite de marafo forte
sangue branco espumante das delgadas palmeiras
bebo em teu alguidar de prata
onde ainda frescos bóiam
o sêmen a saliva a seiva
sobre o negro sangue que circula
no âmago do ferro
e explode em ilu azul
Ó Exu-Yangui
príncipe do universo e último a nascer
receba estas aves e os bichos de patas que
trouxe para satisfazer tua voracidade ritual
fume destes charutos
vindos da africana Bahia
esta flauta de Pixinguinha
é para que possas chorar
chorinhos aos nossos ancestrais
espero que estas oferendas agradem
teu coração e alegrem teu paladar
um coração alegre é
um estômago satisfeito e
no contentamento de ambos
está a melhor predisposição para o cumprimento
das leis da retribuição asseguradoras da harmonia cósmica
Ó Exu
uno e onipresente
em todos nós
na tua carne retalhada
espalhada por este mundo e o outro
faça chegar ao Pai a
notícia da nossa devoção
o retrato de nossas mãos calosas
vazias da justa retribuição
transbordantes de lágrimas
diga ao Pai que nunca
no trabalho descansamos
esse contínuo fazer de proibido lazer
encheu o cofre dos exploradores
à mais valia do nosso suor
recebemos nossa
menos valia humana
na sociedade deles
nossos estômagos roncam de
fome e revolta nas cozinhas alheias
nas prisões
nos prostíbulos
exiba ao Pai
nossos corações
feridos de angústia
nossas costas chicoteadas
ontem no pelourinho da escravidão
hoje no pelourinho da discriminação
Exu
tu que és o senhor dos caminhos
da libertação do teu povo
sabes daqueles que empunharam
teus ferros em brasa
contra a injustiça e a opressão
Zumbi
Luiza Mahin
Luiz Gama
Cosme Isidoro
João Cândido
sabes que em cada coração de negro
há um quilombo pulsando
em cada barraco
outro palmares crepita
os fogos de Xangô iluminando nossa luta
atual e passada
o ebó das minhas palavras
neste padê que te consagra
não eu
porém os meus e teus
irmãos e irmãs em Olorum
nosso Pai
que está no Orum
Laroiê!
Búfalo, 2 de fevereiro de 1981
Abdias do Nascimento
Quanta força!!!O povo negro precisa ler e saber mais da obra desse grande líder Abdias do Nascimento.Parabéns ao blog da ACRA por abrir esses espaços tão especiais de aprendizado.
ResponderExcluirCarmen