Marco Aurélio Luz e Georges Lapassade – Paz e Terra ed. Rio de Janeiro 1972
sábado, 17 de novembro de 2012
"O SEGREDO DA MACUMBA":40 ANOS DA PUBLICAÇÃO/PARTE 4
REPERCUSSÕES NA INTELGENTZIA
Por Marco Aurélio Luz
Abel Silva, comenta a seguir no Jornal Opinião em 1973
Luiz Carlos Maciel comenta a seguir no O Jornal 1973
Antonio Serra, comenta a seguir na Revista de Psicologia 1973
“O SEGREDO DA UMBANDA”
Marco Aurélio Luz e Georges Lapassade – Paz e Terra ed. Rio de Janeiro 1972
Apresentamos o comentário bibliográfico do prof. Antonio Serra, do Instituto de Artes e Comunicação Social da UFF, licenciado em Filosofia pela UEG.
O Segredo da Umbanda se constitui em trabalho de dupla importância: teórica e cultural. Tanto num como noutro aspecto vem os dois autores falar com algo que a cultura estabelecida e a ciência universitária ignoram e silenciam: o lugar e a importância de uma “religião popular”, “negra” e “selvagem”.
Antes de mais nada, este silêncio é o sinal do isolamento e auto-contemplatividade de nossa ciência social, para quem o que é dominante é “folklore” ( exótico, fragmentado, próprio para eruditos pacientes e curiosos).E perfeitamente conforme à marginalização imposta e cultivada pela instituição religiosa dominante no país, cujo tratamento em tais assuntos é remetê-los ao diabólico.
E tudo isso como se a “macumba” não fosse uma forma cultural de aceitação cada vez maior, profundamente enraizada em nossa história social e cultural, presente no cotidiano do povo, seduzindo setores crescentes de classe média e sobretudo, núcleo do universo de ampla massa de nossa sociedade.
Temos sem dúvida os estudos de Edson Carneiro, de Bastide e de Artur Ramos. Importantes e rigorosos mas que jamais ultrapassaram o aspecto genético (explicar as origens e o desenvolvimento dos cultos) ou o reducionismo sociológico (compreensivista, no caso) cujo resultado é eclético ou, enfim o ensaio de abordagem psicanalítica (A. Ramos), restrito, contudo, à aplicação de alguns conceitos freudianos, sem resolver toda a problemática e constituir um campo de estudo que exija novos recursos teóricos e, por outro lado, coloque à cultura dominante questões incomodas.
Claro que não pretendemos ver no ensaio de Lapassade e Marco Aurélio a “obra” esclarecedora da Macumba. Seu alcance é o dos começos, pleno de dúvidas, de imprecisões, de convergências ainda pouco claras – mas se coloca diante do material de modo que não é só a Macumba que é questionada, mas a própria ciência e a cultura em que estamos inseridos.
A abordagem de Marco Aurélio tenta situar-se no eixo de encontro de duas problemáticas decisivas: o Inconsciente e a História. Encontro este que tem sido até agora considerado como sincretismo, ou como incorporação de uma ciência pela outra enfim como veleidade historicista ou psicologizante. E de fato, a grande maioria dos trabalhos nesta área chamada “psicossocial” ou psicohistórica não passam de “bricolagens” de mau gosto, exercício ideológico de “conciliação” e aproximação de “objetos” que, neste processo, perdem sua especificidade, (sua objetividade).
Na verdade o horizonte da história está presente na psicanálise, e aponta seguidamente nas obras de Freud, por exemplo, como problema, a que jamais Freud dá uma resposta; problema que só hoje estamos começando a ler, não como uma região a mais nos vastos “interesses” de Freud, mas como seu permanente encontro com uma problemática – limite da psicanálise. Leitura esta que aguardava, talvez, o desenvolvimento da teoria do simbólico, dos estudos sobre parentesco, e sobretudo, da própria teoria da história.
Se a referência de Marco Aurélio é Reich, é por se ter nele o primeiro a enfrentar este campo limite e sem dúvida ponto de referência obrigatório para tal indagação. Sabemos que Reich sustentou-se numa temática biologizante (como tantas vezes fez Freud) por não estar ainda apontada uma teoria do significante que materializando a linguagem (retirando-o do arbitrário de sentido imanente ou da especulação idealizante), fornecesse a linha de encontro do imaginário com o simbólico (apontando para a história). E ainda porque a própria teoria da história se mostrava incapaz de enfrentar o velho problema das superestruturas, e contentava-se em reconhecer nas ideologias (cuja dimensão aceita era a da consciência, todo o resto indo por conta do irracionalismo) os reflexos pontuais das forças produtivas. Ou seja, só recentemente uma teoria da cultura e da ideologia, que trabalhe sua autonomia e seu modo específico de articulação com a totalidade histórica veio a se constituir e permitir que trabalhos dessa ordem sejam encetados.
É pois, dentro desta novidade teórica, “novidade inovadora” e ponto de partida para a concretização destes campos teóricos: é este o primeiro aspecto que vemos no trabalho de Marco Aurélio.
Falamos, além disso, de sua significação cultural. Pois os dois autores não se limitam a uma análise explicativa dos fenômenos,etc,etc: o que está em questão é uma “intervenção institucional” onde os autores veem confrontar seu aparato teórico (no que ele tem de inconsciente e ideológico, resistente, pois) com referenciação radicalmente nova que coloca a macumba. Esta marcação não se traduz por uma adesão ingênua, uma fascinação elitista e colonial pelo “povo”, mas representa uma verdadeira psicanálise do trabalho teórico e da posição (ideológica) de classe do intelectual, cujo discurso tende a recuperar e reproduzir a ordem do discurso dominante. Daí o seu aspecto um tanto alucinado de rompimento e conservando muito da identificação operada no terreiro.
Nota Final:
O incômodo teórico e cultural que o livro representa pode ser muito bem constatado na “sabotagem que a própria Editora praticou, sua venda bloqueada literalmente nos meios universitários e, potencialmemte nos meios umbandistas era o sinal de uma insatisfação com o modo tradicional de tratar o assunto.
Marco Aurélio de O. Luz – professor de Fundamento Científico da Comunicação da UFRJ.Co-autor de “Epistemologia e Teoria da Ciência”(Vozes); co-autor de “ O Segredo da Macumba” (EditoraPaz e Terra).
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Marco Aurélio Luz é Elebogi ni Ilê Axipá,;Oju Oba ni Ilê Axé Opô Afonjá;Filósofo; Doutor em Comunicação; Pós-Doutorado em Ciências Sociais Paris V-Sorbonne-CEAQ-Centre D’Etudes sur L’actuel du Quotidien; membro do Conselho Consultivo do INTECAB-Instituto Nacional da Tradição Afro-Brasileira.Autor de diversos artigos e livros em destaque:Agadá:dinâmica da civilização africano-brasileira.Escultor de imagens da temática arte sacra afrobrasileira.
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