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PRODESE E ACRA



VIDA QUE SEGUE...Uma
das principais bases de inspiração do PRODESE foi a Associação Crianças Raízes
do Abaeté-Acra,espaço institucional onde concebemos composições de linguagens
lúdicas e estéticas criadas para manter seu cotidiano.A Acra foi uma iniciativa
institucional criada no bairro de Itapuã no município de Salvador na Bahia, e
referência nacional como “ponto de cultura” reconhecido pelo Ministério da
Cultura. Essa Associação durante oito anos,proporcionou a crianças e jovens
descendentes de africanos e africanas,espaços socioeducativos que legitimassem
o patrimônio civilizatório dos seus antepassados.
A Acra em parceria com o Prodese
fomentou várias iniciativas institucionais,a exemplo de publicações,eventos
nacionais e internacionais,participações exitosas em
editais,concursos,oficinas,festivais,etc vinculadas a presença africana em
Itapuã e sua expansão através das formas de sociabilidade criadas pelos
pescadores,lavadeiras e ganhadeiras,que mantiveram a riqueza do patrimônio
africano e seu contínuo na Bahia e Brasil.É através desses vínculos de
comunalidade africana, que a ACRA desenvolveu suas atividades abrindo
perspectivas de valores e linguagens para que as , crianças tenham orgulho de
ser e pertencer as suas comunalidades.
Gostaríamos de registrar o nosso
agradecimento profundo a Associação Crianças Raízes do Abaeté(Acra),na pessoa
do seu Diretor Presidente professor Narciso José do Patrocínio e toda a sua
equipe de educadores, pela oportunidade de vivenciarmos uma duradoura e valiosa
parceria durante o período de 2005 a 2012,culminando com premiações de destaque
nacional e a composição de várias iniciativas de linguagens, que influenciaram
sobremaneira a alegria de viver e ser, de crianças e jovens do bairro de
Itapuã em Salvador na Bahia,Brasil.


domingo, 5 de outubro de 2014

A IMAGEM DA MULHER NEGRA E A REDE GLOBO

Internauta da Mangueira, Suburbia  e  Sexo e  as  Negas: como a Rede Globo gosta de fazer linchamento  da  imagem da mulher negra.

Por Jair Nguni

Estamos no centenário da escritora Carolina Maria de Jesus. Até agora não vi a Rede Globo debater em seus telejornais com a sociedade brasileira o valor literário e intelectual de uma mulher negra, favelada e que teve sua obra literária traduzida em  13 países no mundo.




A escritora Carolina Maria de Jesus com a poetiza Clarice Lispector



 Parece-me que esse tipo de narrativa social e cultural da vida de personagens negras, personagens  que marcaram de forma indelével nossa formação não  tem  importância midiática para quem representa tão bem o pensamento  da burguesia racista brasileira.  A Rede Globo,  na nossa concepção, nunca ofereceu  espaço para o brasileiro conhecer nossas  escritoras  negras e seu potencial intelectual. Pelo contrário, o que assistimos sempre na sua grade de programação são apresentadoras  eurodescendentes  nos seus  telejornais. São médicas brancas de classe média nos ensinando como cuidar da saúde como podemos encontrar no Programa Bem Estar e ainda várias apresentadoras loiras do  tipo  da  Angélica, Ana Maria Braga e Xuxa.
É raro encontramos nessa empresa uma negra que seja convidada para ser  comentarista de economia, política, ciência ou tecnologia, aliás, confesso que nunca vi uma negra fazendo esse papel na qualidade de comentarista.  A   Globo poderia explicar esse caso de racismo explicito, visto que tanto nas novelas como nos programas jornalísticos, pode-se perceber claramente as desigualdades raciais nas oportunidades de trabalho  oferecidas para a mulher negra nessa empresa de comunicação. Isso é tão  visível  para o senso comum,  que   qualquer pessoa poderá notar que somente a mulher branca pode ser a madame rica nas novelas,  pensadora, escritora, intelectual e empresária bem sucedida, sobrando apenas o espaço da favela, das periferias e carnaval para que essa mulher negra possa mostrar seu corpo e sensualidade. Para essa emissora de televisão, a mulher negra seria apenas  um corpo sensual para ser explorado e abusado como se fosse uma mercadoria que se usa e depois é descartada.





  1. Atriz Ruth de Souza que em 1954 foi a primeira brasileira indicada para o prêmio Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza.


 Na programação  dessa   tv o padrão de  beleza europeu  sempre foi considerado o belo  e  esse modelo estético  foi   imposto para destruir o outro padrão de origem africana. Nesse sentido, a nossa beleza negra aparece diante dos olhos televisivos dos arautos da casa grande como algo que  é feio. Portanto, se é feia a nossa estética negra como eles pensam. Essa imagem da mulher negra  também  merece  ser  ridicularizada e aparecer na casa dos brasileiros para representar o  grotesco e o lado risível da televisão como podemos deduzir na boca banguela e acompanhada de um negrume extravagante naquele rosto do humorista global, que dizia nos sábados à noite: “eu sou a cara da riqueza”. Era dessa  forma  que  o Programa Zorra Total  fazia  seu linchamento público contra a imagem da mulher negra, através desse  nosso modelo racial  nojento e perverso, ou seja, o de fazer as pessoas  aprenderem  a  ser  racistas de  forma  lúdica, humilhando  o  nosso povo negro por meio de um quadro humorístico  como  esse que só interessava mesmo a  quem  queria  destruir nossa  autoestima.
Confesso, sinceramente, que não gosto de assistir nada do que a Globo faz quando  se trata de representar no campo da ficção as mulheres negras, visto que percebemos que as práticas sexuais racistas do colonizador ainda estão por demais impregnadas nas mentalidades do novelistas e produtores de minisséries, como essa  que estamos  assistindo agora. Não gosto por razões óbvias, já que a Globo é pródiga em fazer da mulher negra a eterna mucama nas suas novelas onde geralmente atrizes negras de talento, a rigor, sempre são obrigadas a serem as serviçais de madames brancas, bonitas e de classe média.  Léa Garcia,  Chica  Xavier e Ruth de Souza sabem muito bem de toda essa história de subalternidade na hierarquia racial dos novelistas dessa emissora de televisão. 





Atriz Luíza Maranhão no filme A Grande Feira de Roberto Pires



Todavia, a luta para tirar a mulher negra dessa forma de inferioridade social e racial também existe no Brasil, tendo em vista que a atriz   Zezé Motta  na sua carreira profissional  já  chegou a recusar papéis em que a mulher negra apareceria de forma negativa e  estereotipada.  Por que as  mulheres negras só podem aparecer nas novelas, com a vassoura  não mão e  lenço na cabeça?
É verdade  que na  novela “Da  Cor do Pecado” não vimos essa imagem racista da negra empregada doméstica. Entretanto, a atriz Taís Araújo era pobre e  vendedora de raízes medicinais  na cidade de São Luiz do Maranhão onde ela conhece um rapaz belo, branco e filho de um  empresário carioca o ator Reynaldo Gianecchini, no papel de Paco. O racismo construído nessa representação social da mulher de origem africana  é proposital e ainda reproduz o que  a sociedade brasileira racista quer perpetuar,  já que  na cabeça  do autor dessa novela  não  se pode aceitar  que  Preta, nome  da personagem protagonizada pela atriz Taís Araújo fosse a filha do Afonso Lambertini, um rico empresário interpretado por Lima Barreto e  Reynaldo Gianecchini  fosse o pobre e vendedor de raízes medicinais  de uma feira maranhense.  Assim sendo,  o  que fica também na cabeça  do nosso povo brasileiro para quem assiste uma produção televisiva como essa é a idéia  de branqueamento racial, uma vez  que para  a  personagem  Preta  a  solução  para crescer socialmente na vida é se apaixonar por um rapaz  da elite branca. Como podemos notar, a Rede Globo já mostra qual o caminho social e racial  que as nossas adolescentes e  jovens  negras pobres devem seguir e ter como horizonte de vida. A felicidade para a raça negra, nas entrelinhas dessa novela, é algo que só podemos encontrar se  for no mundo dos brancos bem sucedidos.






Atriz Léa Garcia



“Ela fugiu de uma infância marcada pela miséria.” Era assim que a Globo destilava o seu repertório de  representações racistas e discriminações contra o corpo da mulher negra e sua imagem pública.  Refiro-me  aquela minissérie   Suburbia  em que  uma jovem negra e pobre, andando  de top e short minúsculos onde trabalhava  num posto de gasolina na cidade grande, chamando  atenção de rapazes pelo seu jeito de mulher gostosona.   A chamada que  essa emissora de televisão em tela fazia para que as pessoas vissem a saga dessa personagem negra  para obter audiência era horrível.  O pai  dela  com a  cara de sofredor na condição de miserável, ao lado da mãe  numa carvoaria. O  cenário de desesperança era perfeito na sua intenção racista, já que essa minissérie continha uma grande violência simbólica por defender ideologicamente a noção de que  onde  há  negros não existe progresso e desenvolvimento humanos, restando apenas como alternativa de vida  para a  menina Conceição  virar  dançarina de funk  e depois empregada doméstica para superar  a  sua vida  miserável   como a  minissérie em tela trouxe  para  os telespectadores da Globo.
 A  personagem  Suburbia  da  atriz Erika  Januza  poderia estudar de noite. Depois ela poderia trabalhar de dia em alguma grande universidade pública na condição de secretária  e ainda terminar uma faculdade com muita luta e determinação como muitas mulheres negras fazem por esse  Brasil afora,  sem que fosse necessário  caminhar com um short  bem  curtinho   enfinhado  na bunda  para  dar audiência. Entretanto, a narrativa dignificante mencionada não interessa aos detratores da imagem do nosso povo negro.  Logo, ela é  uma construção política minha, assumindo  aqui a intenção clara de provocar a emissora para que ela não repita esse tipo de cenário em que  a  raça negra  só pode parecer em papéis já  pré determinados pelo imaginário racista. Sim,  Suburbia  ainda foi na adolescência  presa pela polícia e acusada de roubo, o que lhe fez ganhar uma internação provisória na FEBEM. Por que a mulher negra tem que ter esse tipo de história retratada na televisão?








Atriz Chica Xavier


 A personagem  Suburbia  ainda  tem  sua  cópia fiel nesse quesito voltado para a  destruição moral da imagem da mulher negra no Brasil. Quem não se lembra da minissérie  As Cariocas em que a única mulher que fazia bico como digitadora era a Internauta da Mangueira, personagem protagonizada pela atriz Cintia Rosa. Uma mulher negra que  morava no Morro da Mangueira   e  que deixou  de trabalhar para ficar traindo o marido na internet, usando apenas calcinha e sutiã na frente da tela de um computador.  Ora, quando  vi  a  Rede Globo  lançar a  minissérie  Sexo e  as Negas já sabia que o cenário da história tinha que ser parecido com suas últimas programações em que  a mulher negra foi protagonista, a exemplo da Internauta da Mangueira e  da  minissérie Suburbia.
As mulheres negras, na verdade, são sempre  jogadas para espaços urbanos marcados pela pobreza, prostituição, tráfico de drogas, violência sexual, luxúria e muita sensualidade. Logo, não me interessa saber desse tipo de história pobre de imaginação, simplificadora e reducionista da imagem da mulher negra, já que são temáticas entediantes, desumanizadoras  e  geralmente  contadas sob o ponto de vista do homem branco machista, racista e preconceituoso. A  Globo poderia ser mais inteligente e não subestimar a nossa população negra, achando que iríamos ficar calados diante de tamanha agressão racista  e degradação da imagem coletiva da mulher negra no mundo da ficção, visto que esse tipo de ataque a imagem das mulheres negras tem influências extremamente negativas na personalidade de cada cidadão deste país. 




A professora de filosofia Lélia de Almeida Gonzalez renomada líder dos movimentos Negros

Faço aqui a minha crítica a esse tipo de programa e, ao mesmo tempo, quero me solidarizar com todas as negras  que  repudiaram essa empresa,  escrevendo textos na internet contra a exibição da minissérie Sexo e as Negas.
Tentando limpar a merda que a emissora fez um cantor foi chamado ao  Programa Encontro  com Fátima Bernardes, para afirmar essa pérola: “nega é um carinho. Não é  preconceito”. Somente o cantor Carlinhos Brown faria esse papel para garantir seus lucros, já que o mesmo faz parte do  The   Voice  Brasil e, assim, tinha que dar  sua colaboração burra para essa classe dominante continuar fazendo esse tipo de minissérie racista, conservadora e machista. Aproveito esse debate, também, para repudiar a atitude da Faculdade Zumbi dos Palmares  que já convidou o  senhor  Miguel  Falabella para fazer parte do Troféu Raça Negra, tendo em vista que uma atitude como essa soa verdadeiramente como um insulto ao movimento de mulheres negras, além de ser  um  grande  desserviço a  todos nós que lutamos com dignidade contra o racismo. Tem muita coisa nebulosa por trás desse convite, uma vez que ele apareceu mesmo no meio das críticas que internautas e ativistas do movimento negro estão fazendo contra a  exibição dessa minissérie.
 Assim, diante do exposto, temos que pensar e agir para mudar as relações raciais de opressão, democratizando os meios de comunicação para que  as TVs contem histórias positivas da raça negra, incluindo aí  nossas pautas de lutas  antirracistas do movimento negro para que os operadores da comunicação televisiva, bem como os novelistas e diretores de minisséries de qualquer emissora de  TV  possam nos respeitar. 






A professora e historiadora Beatriz Nascimento Importante líder dos Movimentos Negros



Nós negros  e negras conscientes dos nossos direitos humanos e constitucionais temos o direito de ver outras narrativas, pois queremos assistir  na televisão brasileira as nossas atrizes negras fazendo o papel de médicas, de advogadas, de engenheiras, de professoras universitárias e de empresárias bem sucedidas também. Ou não existe mulher negra assim no Brasil, seu Miguel  Falabella?

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Jair Nguni é historiador e ativista do Movimento Negro de Campina Grande-PB.


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