Marlon Marcos
Eu preciso escrever seu nome: Maria Stella de Azevedo Santos, Odé Kayodê, IyáStella de Oxóssi do Ilê Axé Opô Afonjá. Agora, me esforço para estar na seriedade do seu silêncio e dizer aos vivos fragmentos da intensa admiração que nutro pela sua trajetória e pela pessoa que a senhora esculpiu nesta vida: mulher, mãe, sacerdotisa, intelectual, poeta, escritora, enfermeira e amante dos amores que iluminaram sua vida... Mulher.
Escrevo à coragem e à força que governaram, com sabedoria, um império. Não há aqui um canto de despedida, e sim, meu peito rasgando-se de orgulho pelas luzes lançadas aos praticantes do candomblé, pelo exemplo e palavras espalhadas ao mundo, compondo este sacerdócio regido por Xangô, tão imprescindível para a consolidação institucional da nossa fé negroafricana redimensionada no Brasil.
Inauguração do busto de Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi fundadora do ile Ase Opo Afonja
A mãe negra das profundas lições. O Afonjá é a casa de todos nós, patrimônio dos nossos cuidados, justamente porque no Orixá, a senhora cumpriu a tradição das mais velhas, e se estendeu a tudo que preza e consolida a civilização brasileira, e nossa religião elaborou o Brasil em múltiplas perspectivas, que vão da maneira brasileira de ser até a profundidade das nossas artes dialogando com o mundo.
Ile Ase Opo Afonja com a casa de Xangô orixá patrono em primeiro plano.
A flecha corta o céu. O caçador é o senhor do segredo. O tempo está além. Sem passado, sem futuro. Além no agora: seus escritos são a poética da continuação. Estamos sob a égide da negra mulher ancestral – rente e luminosa -, adentrando florestas, gerando provimentos, abrindo frestas, reconstruindo instantes, dançando com a eternidade.
Museu Ohun Lailai obra de Iyalorixa Ode Kayode
Os atabaques nos invadem: a cada som, a sua imagem. Altiva rainha efetivando comunidades e ensinando a um povo. O esteio daqueles que a circundaram na missão de servir aos orixás que alicerçam a humanidade. Seu jogo certeiro como olho e fala a cuidar da espiritualidade que nos enriquece porque é mistério. O seu corpo ancião como elo do que nunca se desliga. O seu descanso carnal a realimentar a fé de quem ainda fica e ficará na força amorosa que domina nossas cabeças.
O caçador é maior que a morte. E a morte é um mero caminho. Trânsito. Poema noturno ensolarado. A morte é a força dos que se somaram ao tempo. É o vento da transformação. A morte é o domínio de Oyá, é a supremacia de Nanã. É o estar da ancestralidade que rege a nossa busca e que dá sentido ao nosso ser.
A senhora é a eterna na floresta dos nossos sonhos: encanto azul turquesa. Agora, vestida de branco em nome da sabedoria que nos sustenta. Sua bênção, Iyá. Meus olhos choram de falta e de alegria, não sou filho do Afonjá, mas como todos na Bahia, sou cria da sua regência, aprendiz dos seus escritos, apanhador de frutos da árvore frondosa que foi e é a sua existência.
Marlon Marcos um poeta em busca da poesia da antropologia.Licenciado em História pela Universidade Católica do Salvador , Bacharelado em Comunicação / Jornalismo (2004) pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Ciências Sociais/Antropologia, pela Universidade Federal da Bahia (2018),Mestre em Estudos Étnicos e Africanos pelo CEAO-UFBA.Doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia - UFBA e professor Adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira - lotado no Campus dos Malês - São Francisco do Conde - Bahia.
Nota: fotos disponíveis na internet
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