Capa da 3ª Edição do clássico livro
Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira
de Marco
Aurélio de Oliveira Luz
Por Narcimária C.P.Luz
A Editora da Universidade Federal da Bahia lançou essa semana a 3ª edição do livro Agadá: dinâmica da
civilização africano-brasileira, de autoria de Marco Aurélio de Luz.
Esse grande clássico das Ciências Sociais, originou-se da tese de Doutorado do Professor Marco Aurélio no âmbito da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro defendida em outubro de 1989.
Professor Marco Aurélio defendendo a sua tese na UFRJ
A banca de Doutorado da esquerda para a direita Professores/as Márcio Tavares do Amaral,Ivone Maggie,o orientador da tese Carneiro Leão,Patrícia Birman e Muniz Sodré.
Acompanhando a defesa no auditório estão as professoras Helena Teodoro e Narcimária Luz.
Professor Marco Aurélio defendendo a sua tese na UFRJ.
Na mesa compondo a sua defesa, uma das suas esculturas Exu Odara
Após a conclusão do Doutorado,o professor Doutor Marco Aurélio Luz foi para a França dedicar-se ao Pós-Doutorado na Université Paris Descartes – Sorbonne,
Centre D’Etude Sur L’Actuel et le Quotidien-CEAQ sob a coordenação do Professor Michel Maffesoli.
O CEAQ realiza pesquisas
com foco internacional, principalmente
aquelas dedicadas às novas formas de sociabilidade e a imaginação em suas diversas formas.
No CEAQ o professor Marco Aurélio colaborou através de diversas atividades de pesquisa,publicações e palestras.
Professor Marco Aurélio numa visita a biblioteca da Sorbonne
Professor Marco Aurélio apresentando uma das suas pesquisas no auditório Èmile Durkheim na Sorbonne
Auditório Èmile Durkheim na Sorbonne
Michel Maffesoli,Marco Aurélio e Narcimária Luz no auditório Èmile Durkheim na Sorbonne
Uma das abordagens desenvolvidas pelo Professor Marco Aurélio na Sorbonne foi publicada na Revista Sociétés.O ensaio apresentado foi "Arkhé et Axexé:les communautés afro-brésiliennes,ethos,langage et identité"
De volta para o Brasil,em 1995 o livro Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira é publicado pela EDUFBA,tornando-se um dos livros mais lidos e citados na ambiência científico-acadêmica no que se refere a abordagem sobre o contínuo civilizatório africano nas Américas.
Agadá integra também, o acervo de bibliotecas brasileiras e de instituições de estudos e pesquisas internacionais.
Marco Aurélio autografando o livro Agadá na noite de lançamento em 1995
Mãe Celina no lançamento do Agadá que aconteceu no Centro de Estudos Afro Orientais-CEAO
Prestigiaram o lançamento o saudoso e querido Mestre Didi e seus netos herdeiros do seu legado na tradição africano brasileira SrºAntônio Carlos dos Santos Oloxedê Nilê Asipá e Cátia Dos Santos Osi Babadaraô NiIlê Asipá
Professor Narciso prestigiando o lançamento
Em destaque França dos NEGÕES
Narcimária e Marco Aurélio no lançamento do Agadá
Em destaque na mesa a escultura do Oxê Xangô
Após essa breve retrospectiva sobre o clássico AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira,passaremos a abordar a seguir aspectos que comunicam a força do pensamento desenvolvido por Marco Aurélio Luz.
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AGADÁ e o Programa de Descolonização e Educação-Prodese.
Nosso propósito aqui é aproximar os/as educadores/as de uma das obras mais importantes produzidas no Brasil sobre a civilização africana e seu contínuo nas Américas, refiro-me a “AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira”, de autoria de Marco Aurélio Luz, obra muito citada, pois se tornou alicerce para diversos estudos e pesquisas de muitas gerações nas universidades brasileiras.
A obra AGADÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira, é um dos principais lastros teórico-epistemológico da equipe de professores-pesquisadores do PRODESE-Programa Descolonização e Educação, e pelas contribuições que vêm alicerçando nossas iniciativas resolvemos apresentar nesse espaço, aspectos que demonstram o quão necessário é atuar na área de Educação, com maturidade de conhecimentos vinculados às comunalidades africano-brasileiras, e é sobre isso que trata de modo especial o livro AGADÁ.
Esculturas em madeira de Marco Aurélio Luz
Exposição organizada pela equipe PRODESE sob a curadoria do professor e artista plástico Ronaldo Martins
Hall do Departamento de Educação do Campus I UNEB/2005
Nossas
referências no campo do Direito à Alteridade Civilizatória Africano-Brasileira que
vimos fomentando e sistematizando nos nossos trabalhos no Programa
Descolonização e Educação PRODESE, (Grupo de Pesquisa vinculado à Universidade
do Estado da Bahia e ao Diretório de Grupos do CNPq), foram introduzidas na
área de Educação nos anos 1980 pelo Professor Doutor Marco Aurélio Luz na sua
atuação no âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ e Universidade
Federal da Bahia-UFBA nas Linhas de Pesquisa e na Pós Graduação sob a sua
responsabilidade.
A produção
acadêmico-científica do Professor Doutor Marco Aurélio Luz no campo da Diversidade
Cultural e Educação em que a dinâmica da civilização africano-brasileira ganha
relevo, se constitui a partir da sua inserção comunitária que lhe permitiu
vivenciar a primeira experiência de educação pluricultural, no Brasil, a Mini
Comunidade Oba Biyi (1976-1986).
Marco Aurélio tendo à sua volta as crianças que participaram da Mini Comunidade Oba Biyi
Durante dez anos a Mini promoveu com muito
êxito a educação de crianças e jovens vinculados a uma comunalidade tradicional
da Bahia, Ilê Axé Opô Afonjá na territorialidade do Cabula em Salvador, Bahia.
O
nome da Mini Oba Biyi, que significa em yorubá “o rei nasce aqui”, vem da
homenagem ao nome sacerdotal nagô de Eugênia Anna dos Santos, a Iyalorixá
fundadora do Ilê Opô Afonjá na territorialidade do Cabula em Salvador, Bahia.
Quando Mãe Aninha, a Iyá Oba Biyi, implantou a comunidade-terreiro do Ilê Axé
Opô Afonjá em 1910 nas imediações do Cabula (onde está a nossa UNEB) foi porque
considerou, sobretudo, que aquele território estava profundamente marcado pelo
passado heróico de continuidade civilizatória, rico em axé e forças míticas
emanadas pelos antepassados africanos do quilombo do Cabula.
Esse território se
impregnou de profundo significado histórico para a população
africano-brasileira, que reelaborou, no local, modos de sociabilidade ancorados
à preservação da memória coletiva das comunidades que ali existiram.
A Mini Oba Biyi fomentou uma
epistemologia educacional africano-brasileira que se transformou num legado
importante para muitas gerações de educadores/as.
[...] Para atender as expectativas das crianças e
jovens integrantes de uma comunidade de tradições culturais afro-brasileira, e
que se sentiam rejeitadas pelas escolas do sistema oficial de ensino,
constituiu-se um novo “continente pedagógico” que iria caracterizar o projeto
educacional Mini Comunidade Oba Biyi. O caminho indicado na primeira metade do
século passado por Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi, de ver as crianças da
comunidade no dia de amanhã “de anel no dedo e aos pés de Xangô ”inspirou a
trajetória de nascimento de uma nova linguagem educacional. Fundou-se um espaço
pedagógico assentado na recriação das linguagens e nos valores da comunidade.
Da tradição nasceu o novo; gerado na criação um novo currículo, uma nova forma
de aprendizagem. Uma revolução à lá Copérnico, uma inversão, o sol e não a
Terra está no centro do universo. A cultura que guarda o saber da tradição
comunitária passa a ocupar o centro da experiência educacional [...] [1]
É preciso
registrar isso! É no currículo da Mini Comunidade Oba Biyi que começam as reflexões
na área de Educação, tendo a alteridade civilizatória africano-brasileira como
base no âmbito acadêmico, numa tentativa de aproximar os educadores do singular
universo de linguagens africano-brasileiras.
Marco Aurélio Luz dá entrevista a Revista Escola sobre a Mini Oba Biyi em 1986
Na efervescência
das reflexões feitas até aqui, algumas perguntas, a princípio, se impõem:
Como é possível
a “formação” de educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira sem
aproximá-los da base epistemológica do continuum
civilizatório africano nas Américas e Brasil? Como é possível a “formação” de
educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira sabendo que muitos
deles/as estão submetidos à ideologia do recalque que os afasta/as das
linguagens próprias das nossas comunalidades?Como superar o discurso da
historiografia etnocêntrico-evolucionista (que “forma” nossos educadores/as)
que recalca a força do patrimônio civilizatório africano? Como é possível a
“formação” de educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira se muitos
deles/as se afastaram das suas origens, das suas comunalidades, não se
reconhecem como afro-brasileiros/as? Como é possível a “formação” de
educadores/as para a História e Cultura Afro-brasileira que assegurem às nossas
crianças e jovens espaços educacionais que lhes permitam vivenciar de forma
ininterrupta, num aqui e agora, nossas origens, nossa ancestralidade milenar
africana, cuja dinâmica vem impulsionando várias gerações a lutar pelo direito
à existência própria?
Autocoreográfico de autoria de Mestre Didi "Odé e os Orixá do Mato" dramatizado pelas crianças da Mini Oba Biyi
Essas inquietações
próprias de todos/as aqueles/as educadores/as que acreditam ser possível erguer
espaços institucionais capazes de acolher os valores da civilização
africano-brasileira que estruturam as comunalidades, podem ser aplacadas
através do estudo apurado de Agadá: dinâmica da civilização
africano-brasileira.
A FORÇA DO NEGRO ESTÁ
NA SUA PRÓPRIA CIVILIZAÇÃO [2]
Capa da 1ª Edição
Agadá é o nome da espada de Ogum, com a qual ele abre caminhos para
a expansão da civilização africana pelos quatro cantos do mundo. Ogum tem o
título de Asiwajú o que vai à frente desbravando,
inaugurando caminhos e lidando com o mistério do desconhecido. Está associado
ao princípio do ferro, metalurgia, a transcendência do conhecimento da pedra
para os metais.
É ao sabor desse universo
mítico-simbólico, que caracteriza o discurso e linguagens transcendentes
próprias da elaboração de mundo africano, que o autor desenvolverá de modo
singular e original sua abordagem, apelando para o mito como discurso
primordial.
Expressão de OXUMARÊ, arco íris fluxo dos destinos multiplicidade da vida
Foto M.A. Luz
Através da simbologia da espada Agadá, Marco
Aurélio nos apresenta um fluxo de informações valorosas sobre as instituições
das tradições africanas no Brasil, seu universo de valores e linguagens, como
também as tensões e conflitos que se estabelecem na relação com as políticas
etnocêntricas da Razão de Estado no decorrer da nossa história.
A singularidade
da obra reside, sobretudo, na ruptura que o autor provoca com os limites positivistas,
valorizando a partir daí as narrativas míticas da tradição africana como fonte da
pujança do contínuo da civilização africana antes do período colonial e neocolonial.
Sublinha ainda, que o elo mais forte do sistema colonial mercantilista
escravista europeu foi o capital financeiro, e nele a atividade mais rentável,
era o tráfico escravista que caracterizava a pedra angular do triângulo comercial
Europa, África e América.Por outro lado, o
livro nos leva a perceber que o elo mais fraco desse sistema era o próprio
tráfico escravista, que proporcionava a incessante vinda dos africanos para as Américas,
o que propiciou a expansão constante da insurgência de africanos nas Américas, a
exemplo de fatos históricos como Palmares, independência do Haiti, os grandes
quilombos da Jamaica, Cuba e principalmente a luta de afirmação existencial
cotidiana do povo negro, inviabilizando a acumulação mercantil escravista.
As populações
negras são apresentadas no livro como sujeitos coletivos da história, que
interfere diretamente no fim do tráfico e da escravatura, além de repor nas
Américas suas comunidades e instituições baseadas em seus valores, linguagens e
formas de sociabilidades das suas diversas tradições.
IBEJI, escultura de Marco Aurélio Luz
Para o autor,
[...] os princípios inaugurais da civilização africana,
os princípios de valores e linguagens que sustentam toda a visão de mundo de
uma civilização, de tradição milenar, foram transportados para a América, especialmente
para o Brasil e especificamente para a Bahia. No que se refere a determinados
pólos, houve a continuidade desses princípios, mantendo essa dimensão muito antiga,
milenar, porque eles se caracterizam por uma continuidade de uma civilização
que se constituiu desde tempos muito antigos na África. Transpostos para o Brasil,
eles se adaptaram, se caracterizaram de uma forma própria, mas mantiveram
intactos os princípios fundamentais. (...) Essa tradição africano-brasileira
ela remonta a um passado da humanidade muito rico e significativo, e nós temos
que perceber essa riqueza na nossa sociedade. [3]
È importante
destacar a coexistência do contínuo civilizatório africano com a civilização
aborígine, caracterizando a pluralidade das nações nas Américas e marcam formas
de enfrentamento ao Estado nação moderno europocêntrico. Agadá aprofunda a
perspectiva que trata a tensão entre os valores etnocêntrico-evolucionista que
regem a sociedade oficial e as comunalidades africano-brasileira e aborígine demonstrando,
que é no seio dessa tensão, que se dá a dinâmica histórica das formações
sociais nas Américas para além do paradigma das lutas de classes.
Essas tensões se
caracterizam pelo colonialismo e seus desdobramentos estratégicos como: catequização,
políticas genocidas, políticas de embranquecimento, repressão, recalque; por
outro lado, a insurgências negras e aborígines pela afirmação existencial e
coletiva dos seus patrimônios civilizatórios.
Assim, essa luta
envolve, portanto, formas, geralmente, desprezadas pelos cientistas sociais, ou
seja, uma dinâmica na microfísica do poder rotulada como “cultura”, que abarca
as tentativas de impor valores e políticas de abandono para atender ao projeto
neocolonial e imperialista.
Agadá inaugura e desbrava caminhos
teórico-epistemológicos que indicam que nos interstícios do Estado moderno,
uno, positivista, a comunalidade africano-brasileira repôs suas tradições,
instituições, sociabilidades mantendo com dignidade o legado dos seus
antepassados, características essenciais no exercício do direito à sua
alteridade civilizatória.
Muniz Sodré Cientista Social e Presidente da
Fundação Biblioteca Nacional afirma ser Agadá Dinâmica da Civilização
Africano-Brasileira[4]:
Muniz Sodré
[...] um trabalho realmente original, por ser o
primeiro a inscrever a presença do negro brasileiro numa dinâmica
civilizatória, qualificando-a como uma dialética própria na questão do
entrecruzamento das diversas nações [...]. A pesquisa de Marco Aurélio
contribui para o reforço da compreensão crescente de que as divindades do
panteão africano (orixá, voduns, inquices) não são entidades apenas religiosas,
mas principalmente, suportes simbólicos, isto é, condutores de regras sociais, para
a continuidade de um grupo determinado. Zelar por um orixá, ou seja, cultuá-lo
nos termos da tradição implica aderir a um sistema de pensamento, uma
filosofia, capaz de responder a questões essenciais sobre o sentido da
existência do grupo.
Michel Maffesoli, professor da Sorbonne e
Diretor do Centre D´Etudes sur L´Actuel et le Quotidien da Université Paris V,
considera Agadá Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira[5]:
Professor Michel Mafessoli assistindo a palestra do Professor Marco Aurélio na Sorbonne
[...] como modelo de trabalho sócio-antropológico. Ele
alia ao mesmo tempo um bom conhecimento histórico, uma análise pertinente da cultura,
tudo a partir de uma problemática teórica das mais pertinentes. Desse ponto de
vista, a sinergia entre os diversos elementos indicados fazem deste livro um
trabalho dos mais prospectivos para compreender as sociedades contemporâneas.
Por fim, insisto
aqui em afirmar uma análise que venho desenvolvendo em cursos, palestras,
entrevistas, etc: a contribuição desse clássico Agadá, para nós
educadores/as, está em nos permitir a compreensão da África e sua expansão nas Américas,
a partir do repertório das comunalidades que a (re) criaram aqui, tornando-a
visceral em nossas vidas.
A África que aparece
no currículo escolar tende a soar como um lugar distante, tudo é estranho, fora
das nossas entranhas. Essa África que ganha o status jurídico no âmbito das
políticas de Educação, perde a dinâmica de civilização transatlântica que há
muito atravessa o nosso viver cotidiano no Brasil.
Ora, se estamos
dentro da dinâmica entre tradição e contemporaneidade, é preciso que se diga: a
África também está aqui! Está aqui o tempo todo envolvendo nossas crianças e
jovens, animando-os a estruturar suas identidades e erguer a cabeça para lidar
com os espaços institucionais impregnados do recalque ao que somos, enquanto
povos descendentes de africanos.
Agadá
Dinâmica da Civilização Africano-Brasileira magnifica a episteme africana, abrindo perspectivas de
afirmação do princípio de ancestralidade que dinamiza o estar no mundo de
muitas comunalidades na Bahia, portadoras de sabedorias milenares.
[1] Entrevista ao blog da ACRA -
Associação Crianças Raízes do Abaeté. Out 2009. http://blogdoacra.blogspot.com/
[2] Marco
Aurélio Luz em entrevista a Lago Júnior, A Tarde, Salvador, 17 de junho de 1995.
Caderno Cultural
[3]Entrevista
a Lago Júnior, A Tarde, Salvador, 17 de junho de 1995. Caderno Cultural
[4]
Carta enviada ao autor a propósito do lançamento da segunda edição da obra.
[5]
Carta enviada ao autor a propósito do lançamento da segunda edição da obra.
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