Pintura de Abdias Nascimento
Por Elisa Larkin
Nascimento
Ph.D.Instituto de Pesquisas e Estudos
Afro-Brasileiros
A nova proposta de tornar o dia 20
de novembro um feriado nacional, Dia da Consciência Negra, do Deputado Waldyr
Assunção ,retoma o projeto apresentado em 1983 pelo então Deputado Federal
Abdias do Nascimento. O PL 1550/1983, de sua autoria, traz como parte da
justificação uma lista de entidades negras de vários estados que apoiavam a
proposta.
O PL 1550/1983 foi
aprovado pela Câmara dos Deputados em 17
de maio de 1985 e seguiu para apreciação
do Senado Federal. Aprovado pela Comissão de Educação
e Cultura do Senado e encaminhado para votação
em 19 de novembro de 1985 pelo senador Aloysio Chaves, que se posicionou contra
sua aprovação, o projeto foi rejeitado no
plenário do Senado Federal.
Véspera do dia 20 de
novembro, a data dessa derrota deu ao fato um valor simbólico que o deputado
Abdias comentaria em discurso proferido uma semana depois no plenário da Câmara
dos Deputados. No dia da votação no Senado, ele
não tomara conhecimento do fato porque estava a caminho da Serra da Barriga na
peregrinação anual do Memorial Zumbi, ocupado
com os fatos históricos que se desenrolavam em torno das terras de Zumbi e da
comemoração do Dia Nacional da Consciência
Negra. Vale a pena acompanhar sua narrativa, proferida da tribuna da Câmara
em 27 de novembro de 1985:
Sr. Presidente, Srs.
Deputados, aconteceu no dia 20 último um evento da maior signi cação
cívico-cultural e que merece ser registrado nos Anais desta Câmara:
o Ministro da Cultura, Professor Aluísio Pimenta, subiu a Serra da Barriga,
acompanhado do Governador Divaldo Suruagy, de Alagoas, e do Prefeito Risiber
Oliveira de Melo, de União dos Palmares, e, juntos a alguns milhares de negros
e representantes de organizações
afro-brasileiras, celebraram a memória de Zumbi.
Abdias pronuncia importante discurso homenageando a histórica epopeia Palmarina
Foto: Elisa Larkin Nascimento
Uma celebração
vibrante e colorida, durante a qual o Ministro Aluísio Pimenta homologou o ato
do Conselho do Patrimônio His- tórico Nacional
que tombou a serra onde, de 1595 a 1696, existiu a República dos Palmares.
Reconhecendo e honrando o valor do feito palmarino, o ato se traduz como uma
releitura de nossa História [...]. E, nos vencidos de Palmares, o exemplo do
heroísmo negro, expresso no amor à liberdade, vinca um traço
fundamental do caráter brasileiro.
O senador Abdias do Nascimento juntamente com Mãe Hilda Jitolu e outros sobem a Serra da Barriga em Palmares.
Foto: Elisa Larkin Nascimento
Enquanto tais ocorrências
se desenrolavam lá no nordeste alagoano, aqui no Congresso, ou melhor, ali no
Senado Federal, na véspera daquela extraordinária peregrinação
a Palmares, um Senador da República – o Senador Aloysio Chaves (PDS-PA) –
reeditava um fato melancólico, equivalente àquele de Domingos Jorge Velho,
quando assassinou com armas mercenárias a Zumbi e destruiu a república
libertária dos negros. [...]
Enquanto o Ministro
Aluísio Pimenta alçava sob a pureza do céu
de Palmares seu gesto tão denso de sabedoria, justiça
e patriotismo, inscrevendo uma página de beleza sem precedentes em nossa
histo- riogra a; enquanto o Ministro galgava as mesmas encostas de onde os
palmarinos se defenderam dos exércitos holandeses, portugueses e bandeirantes
durante mais de 100 anos, o Senador Aloysio Chaves fazia um pronunciamento de
retórica enganosa, patrocinando a rejei- ção
do projeto de lei, aprovado pela Câmara
e com parecer favorável da Comissão de Educação
e Cultura do Senado, que transforma a data da morte de Zumbi, Dia Nacional da
Consciência
Negra, em feriado nacional. [...]
O Senador sabia, porque
leu o meu projeto de lei, tratar-se de uma aspiração
da comunidade afro-brasileira como um todo. No entanto, [...] (o projeto) foi
rejeitado por um Senado composto só de brancos, onde apenas uma ou outra voz
insubmissa, como aquela do Senador Itamar Franco, ousou discordar. [...] Desde
sua posição autoritária, o Senador Aloysio
Chaves demonstra [em seu discurso de encaminhamento da votação]
um profundo desprezo pelos fatos históricos e chega ao extremo de armar que “a libertação
dos escravos fez-se sem traumatismos, sem choques, sem violência,
sem derramamento de sangue”. Estamos indecisos em considerar ignorância
ou má fé do Senador Aloysio Chaves, ou ambas: que significam para ele 100 anos
de luta armada dos palmarinos contra escravizadores holandeses, portugueses e
bandeirantes? E os quilombos pipocando em quase todas as regiões do nosso
território também nada significam para o Senador? Nenhum valor têm
para o opaco congressista paraense as insurreições
malês,
a Revolta dos Alfaiates, a Balaiada e tantos outros episódios nos quais o
negro buscou liberdade e respeito, inclusive entre os escravos participantes da
Guerra do Paraguai, das lutas farroupilhas e de consolidação
da Independência? [...]
Senador Abdias manifesta seu repúdio as iniciativas racistas de um Senado dominado pelos brancos no bloco do poder.
Foto disponível na internet
Não podemos admitir que
ainda hoje se possa impunemente armar que “este projeto atenta sobretudo
contra esse caráter de homogeneidade da Nação
brasileira, contra a indivisibilidade da nossa etnia, do povo brasileiro, é
uma extravagância para caracterizar uma minoria
negra...” [...] Pois esta Nação
somente será homogênea quando deixar de
existir entre nós o elitismo dominador dos brancos; esta Nação
terá uma etnia indivisível quando todos os seus componentes – negro, índio e branco – tiverem uma efetiva
igualdade de oportunidades sociais e gozarem de igual respeito à sua origem.
Enfim, delirante extravagância é o Senador
pretender caracterizar a comunidade afro- -brasileira como uma minoria negra,
quando somos o contingente majoritário do povo brasileiro. E é para dar um
basta a extravagâncias do tipo deste
comportamento do Senador Aloysio Chaves que os negros brasileiros se organizam
e lutam para dignificar sua história e seus heróis. Nossa herança
africana não pode ficar à mercê das distorções,
incompreensões e injustiças dos racistas
mascarados do nosso Brasil.
********************
Elisa Larkin Nascimento,
Ph.D.
Instituto de Pesquisas e
Estudos Afro-Brasileiros
Afro-Brazilian Studies and Research Institute
www.facebook.com/ipeafro1
http://bit.ly/linkedin-ipeafro
www.youtube.com/ipeafro
www.twitter.com/ipeafro
www.ipeafro.org.br
Rua Benjamin Constant, 55
/ 1101
Rio de Janeiro, RJ
20241-150
Brasil
Este texto de Elisa Larkin publicado pelo Blog da ACRA se constitui um importante documento para fortalecimento da memória negra do Brasil. A juventude negra precisa conhecer os esforços feitos por homens e mulheres negras, a exemplo de Abdias do Nascimento, para dignificar e fortalecer a luta iniciada por Zumbi nos quilombos de Palmares. Uma lei aprovada hoje, 2017, é fruto de luta de mais de 30 anos e, assim, são as outras ações de afirmação da identidade negra no Brasil. Mais uma vez parabenizo a ACRA por esta iniciativa.
ResponderExcluir