A seguir vídeo que apresenta Caymmi interpretando "O vento"
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
VAMOS CHAMAR O VENTO?
Por
Narcimária C.P. Luz
A
descolonização nos obriga a pensar radicalmente o lugar em que estamos, pensar
a partir das nossas raízes, das histórias que envolvem os nossos antepassados.
Só podemos nos fortalecer e compor projeções de futuro que deem dignidade as
gerações sucessoras, se imprimirmos atitudes e iniciativas que estabelecem
novas fronteiras de pensamento para além do déjà vu da ditadura midiática ou,
parafraseando Muniz Sodré, para além do “monopólio da fala”.
Uma
propaganda de perfume recente, tem a música “O Vento” (1949) de autoria de
Dorival Caymmi como fundo. Dois personagens solitários ilustram a narrativa: uma mulher caminhando pelas dunas com uma
roupa esvoaçante solta ao vento, e um rapaz no mar fazendo manobras de windsurfe.
Para
além do exótico, folclórico e turístico é necessário alertar as gerações que
não tiveram a oportunidade de verem florescer a obra de Caymmi ao longo das
décadas, que “O Vento” perde a sua significância, pois é retirado do contexto
simbólico africano-brasileiro que ele carrega. “O vento” que integra as canções
praieiras de Caymmi, assim como as demais canções, nos permite conhecer
narrativas que contam as histórias do viver cotidiano das populações negras,
que têm o mar como referência essencial para organizar seus vínculos
comunitários.
Foto de Narcimária Luz
“Vamos
chamar o vento/ Vento que dá na vela/ Vela que leva o barco/ Barco que leva a
gente/ Gente que leva o peixe/ Peixe que dá dinheiro/Curimã ê, curimã lambaio ...”
Imagem disponível na Internet
O
vento entoado por Caymmi, soa como uma oração que apela para as forças cósmicas
que regem o universo, imprimindo movimento na vela do barco construído num
esforço coletivo de pescadores, que entram no mar para extrair o alimento que
vai prover a comunidade.
Caymmi com pescadores em Itapuã
Imagem disponível na Internet
O mar e seu entrelaçamento com a correnteza dos rios,
repercute na organização da pesca através dos princípios femininos do panteão nagô:
Iemanjá e Oxum.
Foto Narcimária Luz
O
que queremos chamar atenção, é que “O Vento” que Caymmi chama e nos ensina a
escutar, carrega o riquíssimo repertório
que os pescadores utilizam para classificar os peixes, observando seu
comportamento e/ou natureza, seus habitats, os ciclos de migração e reprodução,
a teia alimentar, informações sobre temperatura e luminosidade na água que
podem interferir na pesca, as fases da lua, a tábua das marés, além da
culinária, da presença e poder feminino no
contexto da pesca, etc. – que são descritas com a propriedade de quem herdou o
legado dos mais velhos africanos na lida com o mar.
Imagem disponível na Internet
Estamos nos referindo
as formas e códigos da comunicação milenares, cujas relações simbólicas
riquíssimas são carregadas de elaborações emocionais, transcendentais,
primordiais à experiência humana com seu meio ético, social e cósmica.
Imagem disponível na Internet
A seguir vídeo que apresenta Caymmi interpretando "O vento"
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