Conselho de anciãos. Ile Ife
Foto: Marco Kalish
Por Marco Aurélio Luz
No dia 10/08 de 2018,
notem bem, depois de séculos da tradição religiosa ser reposta da África para
as Américas especialmente para o Brasil, o Supremo Tribunal Federal julga a
pertinência legal das oferendas que incluem animais. Por razão da atualidade de
mais uma expressão de preconceito e racismo republicamos o presente texto.
No ile Egungundo ile Asipa, escultura de Elexin o cavaleiro fundador de territórios.
Foto M. A. Luz
No território sagrado da
tradição africano brasileira para o animal ser oferecido a uma entidade, tem
que ter condições muito específicas dentro da liturgia. Ele se apresenta com
uma compreensão, de circulação de axé, ciclo vital, restituição. Uma pessoa, ou
uma comunidade está atravessando determinado problema... Há na natureza
substâncias que, utilizadas liturgicamente, resultam em acionar axé, promover
força de existência.
Escultura de igbin o caracol no Ile Asipa.
Foto: M. A. Luz
Quando se oferece um
animal é para reforçar o axé de um orixá, ou um ancestral. Refere-se ao orixá
de uma pessoa, ou a um orixá ligado a uma comunidade que, vai também reforçar
os vínculos espirituais. Por isso as entidades compartilham essa integração de
axé das oferendas com as pessoas.
Ile Egungun do ile Asipa, escultura de akuko
Foto M.A. Luz
As pessoas comem a comida litúrgica. Então, há
uma comunhão entre as forças da natureza e aquelas pessoas. Agora, para isso,
não é preciso ser uma quantidade enorme de animal, mesmo porque não são só
animais que compõem as oferendas, são folhas, vegetais e outros elementos,
substâncias que participam, que vão ser transformados em alimento pela
culinária litúrgica, são uma culinária de símbolos, que expressa uma visão de
mundo, e vai ser repartida entre os fiéis, convidados, sacerdotisas e
sacerdotes, é uma confraternização.
Ajapa escultura no ile Asipa
Foto: M. A. Luz
Vai haver uma elaboração
muito grande em relação à vida, porque ali você está elaborando o viver e o
morrer, uma elaboração muito delicada, muito sutil, muito vivenciada. Ali você
não tem o frango do supermercado de que você tem um pedaço de perna e come como
se nem tivesse um frango ou uma galinha ali. A ideia de galinha está muito
longe encoberta pela coxinha... Muito diferente da tradição religiosa, onde
você tem o animal inteiro, com quem você entra em contato... . Você vai viver a
dramaticidade natural da situação do viver e do morrer e, por isso são poucos
animais.
É uma hipocrisia a
crítica a esse ato porque nessa sociedade industrial é que o animal é reduzido
simplesmente a um animal seriado para morrer e que vai ser engordado de acordo
com a necessidade do mercado econômico que exige produção em massa. Vão ser
dados a eles alhos e bugalhos para ele alcançar rapidamente determinado peso.
Foto disponível na internet
Até coisas que
comprometem a saúde humana de quem consome, são dadas e os deformam. Eles têm
uma vida completamente voltada para isso. São presos ou confinados, uma vida
como carne. Eles não vivem uma vida de animal. Eles não têm uma identificação
de animal.
A eles é projetada uma
identificação de carne, um produto de uma cadeia de produção. Não se cria o animal
como animal, aquilo é criado como a produção de um bem unicamente para dar
lucro, que vai favorecer uma atividade econômica. Então é uma hipocrisia se
colocar a favor dessa sociedade que faz isso e lança no mercado diariamente uma
enorme quantidade, porque são mortos industrialmente e chegam para o consumidor
sem nenhum aspecto daquele bicho que foi e você nem se lembra do que ele é ou
que deixa de ser.
Foto disponível na internet
Então, todas as
referências de uma vida social que esteja ligada a isso estão esmaecidas ou
apagadas, é simplesmente uma atividade de ir ao supermercado e consumir. Assim
como se consome chiclete se consome um animal. Está tudo ali reduzido a
condição de produto para o consumo. Não há nada ali que faça pensar na condição
da vida animal.
Ao contrário da situação
da oferenda em que a pessoa que está oferecendo se identifica com aquele
animal, fala com ele dá recados e elabora a restituição que integra a dinâmica
do ciclo vital, a circulação de axé. No território sagrado inclusive não é
permitido maltratar ou matar qualquer animal.
Embora a função do
caçador do predador acompanhe a natureza humana, algo característico da
espécie, há diferentes contextos... Agora o que não podemos é aceitar a
hipocrisia das críticas vindas do preconceito...
Coluna na casa dos ancestres e ancestrais no ile Asipa de culto aos Egungun
Foto M.A. Luz
NOTAS:
DA RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal,
no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de
crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário