Decoração da sala Mestre Didi no Centro de Formação de Professores da UFRB
O PRODESE participou do Seminário II MAIO NEGRO,evento promovido pelo Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia- UFRB em Amargosa.A representação prodesiana, veio através da sua coordenadora Doutora em Educação Narcimária Correia do Patrocínio Luz e do Doutor em Comunicação Marco Aurélio Luz, que realizaram palestra na sala Mestre Didi, homenagem do Centro de Formação de Professores da UFRB ao saudoso Alapini, artista, escritor e educador Deoscoredes Maximiliano dos Santos.
Mestre Didi
Grafite em homenagem ao Mestre Didi exposto na parede do Centro de Formação de Professores na UFRB
A temática proposta pela organização do evento foi: Ensino Superior Violências: Por uma Outra Epistemologia na Construção Curricular.
Plateia
Destaque da esquerda para a direita a Professora Doutora Ana Rita Santiago Pró Reitora de Extensão da UFRB e o Professor Marcelo um dos organizadores do evento
Com o auditório lotado, a professora Rosângela Souza da Silva coordenadora da mesa, apresentou a Doutora Narcimária e o Doutor Marco Aurélio Luz,destacando o currículo de ambos que constituem a importante trajetória desses dois intelectuais e escritores no cenário acadêmico.
Professora Rosângela Sousa coordenadora da mesa e uma das organizadoras do evento
Na mesa escultura Exu Odara de Marco Aurélio Luz
Após saudar o público, Marco Aurélio Luz iniciou a sua apresentação com a um trecho da
série de programas de TV Negro Hoje (1981) Secneb/TVE, com o filme de Nelson Xavier e Cecília
Conde que se refere a diferença musical entre as crianças moradoras do morro de
Mangueira e as propostas da escola local.
O filme destaca a dinâmica cultural, gestual, das brincadeiras
das crianças, em confronto com a apatia das crianças na escola submetidas as ordens das
professoras.
Professor Doutor Marco Aurélio Luz
Marco Aurélio aprofundou então,as diferenças de formas de
comunicação presentes na cultura africano-brasileira e a escola, um sistema de
ensino da cultura européia.
Demonstrou que a primeira, se vale da tatilidade isto é, da
combinação de todos os sentidos para constituir o acesso ao saber, ao sistema
simbólico. Também a expressão corporal, se vale das danças e dramatizações,
corpo em movimento estético promovendo beleza encantamento e alegria. A
presença da variedade das cores constituindo códigos e repertórios. Odara, palavra nagô que quer dizer bom e bonito simultaneamente, a busca de estar bem
neste mundo.
Nesse universo, a religião é fonte e desdobramento do saber,
incluindo a relação entre esse mundo e o além, aiyê e orun respectivamente. As
entidades do mundo dos ancestrais e das que governam a natureza. Nesse contexto
onde o ser é, e o não ser também é, acontece a interação com o mundo invisível e
dos acontecimentos imponderáveis.
O mito é o discurso da sabedoria por excelência, da
revelação oracular, do curso das oferendas, a restituição, a mobilização do
ciclo vital do axé, força e energia do universo, da existência.
Desde a religião se desdobram inúmeras instituições que
convencionamos chamar de cultura negra.
Já na cultura europeia, predomina a hiper valoração da
relação de um só sentido: a visão com o cérebro,
um desdobramento da escrita como forma predominante de
comunicação. Desde a religião que se sustenta no livro sagrado, até a escola religiosa
ou laica derivada da estrutura dos mosteiros e conventos.
O solipsismo, o individualismo solitário, o sujeito e o
livro impresso, o silêncio das bibliotecas, as aulas do professor como extensão
da escrita e dos livros. A arquitetura encapsulando todos nas salas de aula, o
exercício do corpo inerte nas carteiras em silêncio. Cores neutras, cinzas,
visando afastar as emoções predomínio absoluto da razão, terreno do
cartesianismo, da matemática, pura abstração "rainha das ciências", positivismo
conteano.
Aprofundando ainda esses entulhos ideológicos, Marco Aurélio destacou a ideologia da superioridade dos discursos, o científico acima de
todos, evolucionismo eurocêntrico onde brotam as discriminações os preconceitos
e o racismo.
Todo edifício escolar voltado para atender aos
comportamentos necessários a suprir as relações de produção industriais,
atender aos valores do produtivismo, da incessante acumulação de capital.
Em 1804 foi proclamada a independência do Haiti com a
derrota das tropas de Napoleão Bonaparte comandadas por seu cunhado Leclerc,
frente as aguerridas forças militares dos quilombolas comandados por
Dessalines. A França perdia a principal colônia, a mais lucrativa da Companhia das Índias Ocidentais.
Anteriormente dois fatos históricos relevantes da luta de
libertação da escravidão aconteceram: a manutenção da independência do Ndongo
(Angola) da rainha Ginga, frente aos portugueses e o quilombo-reino dos Palmares
em Pernambuco. Esses fatores desestruturaram o tráfico triangular
Europa-Angola-Pernambuco. Essa situação fez também com que os holandeses já
instalados em Pernambuco, contivessem a sua cobiça.
Monumento em Angola, homenagem a rainha Nzinga Nbandi Kiluanji soberana do Ndongo e Matamba
Diante disso, os ingleses que já tinham perdido metade da
Jamaica e percebiam a pujante presença de africanos e seus descendentes nas
Américas,preocupados em não "perderem os anéis" e "manterem os dedos" já controlando a política
do mercantilismo, implementaram uma nova estratégia colonial. A primeira medida, visava cessar a vinda de africanos, fim do tráfico escravista; a segunda, o
incentivo da imigração de europeus assentando colônias não só de exploração, mas também de
povoamento como foi o Brasil e a África do Sul. Veio a
independência formal da colônia, dependência real para a Inglaterra, e então, a abolição da escravatura acompanhada da proclamação da República.
Durante o período escravista, a Inglaterra se sobressaiu também pela manufatura de bens necessários ao tráfico triangular, principalmente navios
e armamentos. Ela continua como principal fornecedora de bens manufaturados, detentora do capital financeiro mantém as ex-colônias sob o jugo do capital. É o neocolnialismo
Depois da abolição da escravatura no Brasil, inicia-se a
construção do edifício ideológico do racismo.
A Europa fornece os subsídios ideológicos para ¨cientistas¨
como Nina Rodrigues e Arthur Ramos, os mais famosos, elaborarem e divulgarem as falsidades "científicas".
O primeiro, "um gênio do mal", médico psiquiatra, no início do
século passado elaborou uma ideologia teórica em que aproximava a manifestação
de entidades da religião africano-brasileira pelas sacerdotisas, à histeria, patologia que acometia o gênero feminino (hister significa útero).
A manifestação de entidades, um aspecto culminante da
liturgia que realiza a aproximação desse mundo com o além e proporciona a
comunicação do sagrado, constitui o âmago das religiões tradicionais.
Desqualificadas pelo ideólogo Nina Rodrigues, essa falsidade teórica ideológica, promove e alimenta a Razão
de Estado na realização da política de embranquecimento . Mas não só tenta
desqualificar a religião, mas também toda população negra.
Adiante em meados do século XX, o psicanalista Arthur Ramos
reformula o preconceito, agora não mais o negro que possui uma tendência patológica,"mente fraca", mas sim, sua cultura especialmente a religião que se assenta em "mitos
neurotizados".
Ele cria programas de eugenia educacionais, juntamente com o
educador Anísio Teixeira para retirar as crianças negras dessas religiões e
tradições,na tentativa de fazê-las renunciar a civilização de seus
ancestrais, ou sofrerão a rejeição do establishment.
Uma vez superado esse entulho ideológico porém, é possível
vislumbrar a riqueza cultural de nossa civilização africano-brasileira.
Após abordagem do professor Marco Aurélio Luz, a professora Rosângela coordenadora da mesa, passou a
palavra para a Doutora Narcimária.
Ela retomou a crítica da ideologia do recalque, porém
focalizando diretamente no sistema oficial de ensino e sua política de embranquecimento e suas classificações racistas, em que a criança negra era destituída da sua alteridade civilizatória,para ser tratada na sociedade colonial como " ingênuo".
Professora Narcimária C.P. Luz
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Professora Narcimária.se referiu à fundação da Escola Normal da Bahia,
sintomaticamente criada em 1835 logo após a chamada Revolta Malê ocorrida em
Salvador e Recôncavo, com participação significativa dos nagô.
A Escola Normal que se propõe a formar as professoras, se
constitui nos moldes da École Normal de Paris desde a arquitetura, aos métodos e conteúdos do ensino.
Essa instituição visava a formação de professores que contribuiriam para a
construção de uma nova sociedade cujo caminho, já estava traçado pelas elites
coloniais da França e sobretudo da Inglaterra.
A Escola Normal então, é um esboço do papel da educação no neocolonialismo
nascente. Livre da escravatura, a população negra e aborígine estaria "livre de
tudo",longe dos direitos da cidadania emergente das revoluções burguesas. Esses
direitos estarão apenas contemplando a elite neocolonial, que detém a
propriedade dos meios de produção, o capital financeiro, produtivo e comercial
e a burocracia que sustenta o bloco no poder de Estado garantidos pela força
pública.
A epopeia de Canudos é um exemplo da sociedade em transformação com a
proclamação da República.
Ilustrando com textos e discursos de educadores como Isaías Alves e Anísio Teixeira, a professora Narcimária demonstrou o alijamento do sistema oficial de ensino ao contínuo
civilizatório africano-brasileiro, que sofre a rejeição das falsidades
ideológicas produzidas pela academia, e que se espalham pelos órgãos de comunicação, Aparelhos Ideológicos de Estado, como diria Althusser em seus períodos de lucidez, e
espalham pela sociedade estruturada pela política de embranquecimento, estereótipos e preconceitos, enfim
a malha do racismo.
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O público então acompanhou a ilustração de uma entrevista de Mãe Hilda Jitolú, fundadora do Ilê Aiyê e da escola que leva o seu nome, sua indignação e altivez ao enfrentar a discriminação sofrida por sua filha pela professora Carmem Teixeira(diretora da Escola Parque e irmã de Anísio Teixeira), quando pediu explicações sobre as avaliações do final do ano letivo e em certo momento da conversa, a professora Carmem expressou:
"- É. Agora a gente não acha mais empregada doméstica..."
Após ilustrar a pedagogia do embranquecimento e as angústias que provoca entre gerações de descendentes de africanos, Narcimária se referiu a forma espiralada de estruturação do pensamento africano tradicional. Dá como exemplo a arquitetura urbana de Ilé Ifé cidade sagrada original do povo nagô yoruba. No centro o mercado local das trocas de bens e de sociabilidade. Em frente o palácio do Oni. Depois em ordem de antiguidade as moradias das primeiras famílias e linhagens em forma sequencial de espiral.
Após ela cita algumas
experiências educacionais pioneiras na constituição de , uma
educação pluricultural que acolha as linguagens e os valores do contínuo
civilizatório africano-brasileiro.
Destacou primeiramente a Mini Comunidade Oba Biyi,
experiência pioneira de Educação Pluricultural (1976-1986) realizada pela
então SECNEB Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil no Ilê Axé Opô
Afonjá.
A Mini Comunidade possuía o nome de Oba Biyi em homenagem a
fundadora do terreiro Mãe Aninha. Seu nome sacerdotal do seu Xangô Afonjá, Oba
Biyi significa o rei nasce aqui.
Mãe Aninha Iyalorixá Oba Biyi
A experiência nasceu inspirada numa frase de criança,quando foi indagada sobre o
porquê de não frequentar a escola do bairro:
- Não gostam da gente lá .
Também no desejo expresso por Mãe Aninha de "ver as crianças
de hoje, no dia de amanhã de anel no dedo e aos pés de Xangô..."
Quer dizer:o anel
símbolo da formatura universitária e mantendo-se inserida na sua tradição.
Priorizando os valores e a linguagem comunitária, o curriculum da Mini Comunidade Oba Biyi, se estruturou a partir dos contos
dramatizáveis de Mestre Didi, que inspirava a prática pedagógica. As
formas estéticas e o conhecimento da cultura da comunidade, sobredeterminavam os
planejamentos docentes e eram assuntos de inúmeras reuniões pedagógicas onde se realizava formas de
desrecalcar as professoras envolvidas na Mini. Em 2007 Deoscoredes M. Dos Santos e Marco Aurélio Luz publicaram o livro "O Rei Nasce Aqui OBA BIYI" que apresenta com detalhes essa primeira experiência de educação pluricultural no Brasil.
Mestre Didi no Festival de Arte Integrada da Mini Comunidade Oba Biyi
Auto coreográfico A Chuva dos Poderes de Mestre Didi
A experiência alcançou muito sucesso e inspirou várias outras,
como o Odemodé Egbé Axipá(1999/2000-2002-2003) e a ACRA, Associação Crianças Raízes do Abaeté(2005-2012).
O Odemodé Egbé Axipá, atendeu jovens das comunidades terreiro proporcionando a formação novas tecnologias através da parceria entre o PRODESE, a Escola Técnica atual CEFET e o Núcleo de Tecnologias-NETI do Departamento de Educação do Campus I da UNEB.
Sediada no Parque Metropolitano do Abaeté, a Associação Crianças Raízes do Abaeté na direção do ilustre educador Narciso José do Patrocínio, estruturou suas práticas socioeducativas envolvendo as linguagens da capoeira, dança, teatro, grafite, música, inglês, biblioteca etc.
Iº Festival Afrobrasileiro da ACRA
Apresentação d o autocoreográfico "Itapuã a Canção do Infinito" de Narcimária Luz.
Participantes com o professor Sidnei Argolo
Convém ressaltar as viagens de intercâmbio entre os
integrantes da ACRA, e o grupo de capoeira ABOLIÇÃO em Oxford na Inglaterra se
estendendo a um núcleo na cidade de Hamburg na África do Sul, sob a coordenação do Contra Mestre Luís Negão idealizador da ACRA.
Por fim, a professora Narcimária ressaltou o impacto da experiência da Mini Comunidade OBA
BIYI na FACED Faculdade de Educação da UFBA e no Departamento de Educação da
UNEB, onde foram realizados inúmeras dissertações de mestrado e teses de
doutorado além da implantação de disciplinas na graduação,pós-graduação, linhas de pesquisas e inspirando inúmeros seminários,palestras e mesas,a exemplo da mesa proposta para o II Maio Negro/2014: Ensino Superior Violências: Por uma Outra Epistemologia na Construção Curricular.
Participação do professor Marcelo abrindo o debate sobre a abordagem da mesa
Graduanda abrindo os trabalhos do evento com um texto produzido em sala sob a coordenação da Professora Rosângela
Ao centro Professor Kleison Assis que incentivou a homenagem ao
Mestre Didi no Centro de Formação de Professores da UFRB
Lançamento do livro AGADÁ
A sanfona também regou o evento
Da esquerda para a direita:Professora kiki,Graduanda,Professora Rosângela,Professora Fernanda ambas organizadoras do evento,Professor Marco Aurélio e Professora Narcimária.
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