quarta-feira, 2 de julho de 2014
El NIÑO LUISITO
Por José Guedes
“A vida só pode ser compreendida,
olhando-se para trás; mas só pode
ser vivida, olhando-se para frente”
(Kierkegaard)
A agressividade é inerente à condição humana, desde os primórdios da existência. São agressivos os movimentos instintivos de braços e pernas, ainda dentro do útero materno, que se caracterizam em chutes, por exemplo.
Imagem disponível em http://amadobebezinho.blogspot.com.br/2013_05_01_archive.html
Logo ao nascer, o bebê investe agressivamente, com voracidade, contra o seio materno, para suprir suas necessidades fisiológicas de alimento. Um misto de apetite e voracidade que está na base do amor primitivo. Um amor marcado pela excitação e alívio, com a satisfação que o alimento possibilita. O seio (mãe) que é atacado, é o mesmo que alimenta. A mãe suficientemente boa acolhe seu bebê, sobrevive aos ataques, promovendo um sentimento de confiança, possibilitando que o bebê se sinta amado para seguir em frente.
Imagem disponível em http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2013_08_01_archive.html
Com o passar do tempo, essa experiência vai se expandindo para o ambiente como um todo, incluindo aí, a figura do pai. Variando de indivíduo para indivíduo, a agressividade latente está presente durante toda a infância e adolescência, podendo aparecer na fase adulta, manifestando-se sempre como formas variadas de ataque ao ambiente. Há sempre um conteúdo menor ou maior de violência, com intenção de testar a resposta do ambiente, reeditando assim o que se passou nos primórdios do desenvolvimento emocional de suas vidas.
Claro que esses indivíduos clamam por limites. Limites que não reprimam, humilhando, segregando. Limites que acolham, restituindo a esperança de seguir vivendo. Endurecer, porém sem perder a ternura. Punho de aço com luva de pelica. “Não é o perfeito que precisa de amor, e sim o imperfeito”. (Oscar Wilde)
Comportamentos como esse, até certo ponto saudáveis, são a princípio antissociais , com um apelo de SOS. Caso essa compreensão não ocorra, corremos o risco desses comportamentos tornarem-se cada vez mais violentos com características de destrutividade, podendo levar à delinquência. “Qualquer amor, já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” (Grande Sertão Veredas – Guimarães Rosa).
Imagem disponível em http://sertaodesencantado.blogspot.com.br/2013/08/frase-de-guimaraes-rosa.html
As sanções impostas pela FIFA ao Luis Suárez, pela mordida no ombro do Giorgio Chiellini da Itália, foram altamente preocupantes, pela truculência da punição, repressora em excesso, e segregadora, sem levar em conta a constituição da subjetividade do atleta. Um comportamento antissocial de Luisito, tratado como delinquência. Uma demonstração inequívoca de uma total falta de sensibilidade para com um ser humano, tratado como se fora um marginal. Praticamente deportado do Brasil, e impedido de trabalhar em seu ofício por um longo período, e impedido de frequentar qualquer evento futebolístico. Em suma: uma espécie de “prisão” domiciliar.
Imagem disponível na Internet
No jogo anterior, contra a Inglaterra, Luisito demonstrou como precisa ser considerado. Ao marcar o segundo gol, que classificou o Uruguai, correu para abraçar e beijar carinhosamente seu fisioterapeuta, apontando-o, para que o mundo inteiro o visse como o responsável pela sua recuperação. Independente da competência profissional do fisioterapeuta, sem dúvida foi o aconchego e o acolhimento dado ao Luisito, que contribuíram para que ele se recuperasse em um curto espaço de tempo (um mês), de uma importante cirurgia no joelho, a qual foi submetido. Carinho se retribui com carinho.
Sabedor da punição imposta pela FIFA, o próprio jogador atingido pela mordida, teve a dignidade de perdoar, reconhecendo que não houve intenção violenta e destrutiva, no gesto impulsivo do companheiro de profissão Luis Suárez.
O futebol não é uma abstração, nem um objeto. É praticado por seres humanos (sujeitos).
Como fica uma instituição responsável pela prática do futebol no mundo, quando age com profunda desumanidade?
O que pensar dessa instituição, quando exclui a condição de sujeito de seus participantes?
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José Carlos Guedes é psicanalista.
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